Ao longo dos últimos 30 anos terei visitado a cidade de Granada mais de uma dezena de vezes, quase sempre em escapadelas fugazes durante as minhas viagens à neve, para fazer ski em Sierra Nevada. Mas, ao fim de todo esse tempo, concluo agora, ao tentar escrever sobre a cidade, que nunca me foquei particularmente nestas visitas e, por isso, tenho de fazer um esforço de memória com a ajuda de algumas fotos tiradas repetidamente, para conseguir reconstituir uma visita ilustrativa a esta cidade. Só agora, mais recentemente, já no Inverno de 2022, consegui revisitar a cidade de forma mais atenta, tentando captar todo o seu interesse.
Mas, mesmo antes, apesar das visitas que ali fiz terem sido apenas em breves períodos durante as minhas idas à neve, Granada foi-me cativando aos poucos e foi-se tornando numa das minhas terras favoritas, deixando de cada vez a expetativa de uma nova visita, que fui repetindo, ano após ano. Ao fim de tanto tempo Granada é já um local que guardo com a nostalgia das memórias de tantos momentos da minha vida que ali foram passados… uma cidade encantada, como naquela cantiga, um clássico da música espanhola, sobretudo na versão de Plácido Domingo, que começa com um possante "Granada - Tierra soñada por mí".
Lembro-me que nos primeiros anos, ainda sem filhos, chegava a preferir ficar nalgum hotel de Granada, fazendo diariamente o percurso até ao alto da serra, regressando ao fim de cada dia de ski e aproveitando depois a extraordinária vida noturna que a cidade oferece, talvez pelo facto de se tratar duma cidade universitária, com muitos jovens na rua a entrar e a sair nos múltiplos bares e discotecas que por lá encontramos.
Mais tarde, viajando já em família, nunca mais procurei pela vida noturna e passámos a encontrar uma cidade bonita e com um grande peso histórico, quer da época recente do poder católico quer do período mais remoto da ocupação muçulmana, que nos deixou todo um bairro, o Albayzín, e o imenso complexo de palácios do Alhambra, que pertencia ao califado de Córdova, e que é a principal atração da cidade… aliás, a imagem de referência de Granada é aquela que mostra o enquadramento entre o Alhambra, com traços bem vincados da sua origem árabe, e as montanhas ao fundo, pintadas de branco, da imensa cordilheira da Sierra Nevada.
Mais recentemente, e depois de termos visitado o Alhambra uma única vez (cujo registo foi também publicado neste blogue), as nossas visitas à cidade acontecem apenas ao final de um dia de ski, com longos passeios, percorrendo quase sempre as mesmas zonas, que já nos são familiares… a parte histórica, que fica em torno da catedral, as principais ruas de comércio, o bairro árabe, e terminamos invariavelmente nas ruas com a maior concentração de restaurantes, onde aproveitamos para jantar e, normalmente, andamos à volta de umas tapas ou de outros pratos típicos espanhóis… algo tão simples como isto, mas que nunca deixamos de repetir, ano após ano.
Nestes passeios nunca saímos muito dos percursos marcados neste mapa:
Um dos problemas de uma visita à cidade de Granada tem a ver com o estacionamento, para além de existirem restrições no acesso ao centro histórico para veículos não autorizados. Mais recentemente foram construídos uns parques subterrâneos, um deles, que é uma das melhores alternativas, fica perto da Plaza del Humilladero, um jardim bastante interessante, junto ao Rio Genil e à Puente Romano, que o atravessa, e por onde começamos invariavelmente os nossos passeios.
Este jardim encontra-se quase sempre cheio de atrações, sobretudo na época do Natal, que coincide algumas vezes com as nossas viagens a Sierra Nevada. Nessas alturas esta zona da cidade torna-se ainda mais bonita, com a imagem de Fuente de las Granadas iluminada, e com as várias decorações de Natal que ali encontramos... e sempre com aquela vivência muito espanhola que leva toda a gente para as ruas pela noite fora, apesar do frio.
Mas qualquer que seja a época da nossa visita deixamo-nos sempre ficar pelas ruas do centro histórico, apreciando o movimento, começando por subir a Carrera de la Virgen, uma avenida com um largo jardim, junto a uma das principais superfícies comerciais da cidade, o El Corte Inglés, e onde encontramos a Igreja da Virgem das Angústias, que dá o nome à rua, chegando depois à Plaza del Campillo, com a sua Fuente de las Batallas.
Um pouco mais acima entramos numa das principais avenidas deste centro histórico, a Calle Reyes Católicos e, logo depois, encontramos a Plaza del Carmen onde está o Antiguo Convento del Carmen, que é atualmente o edifício do Ayuntamiento de Granada.
Num dos lados desta praça nasce a Calle Navas, que liga depois com a Calle Virgen del Rosario, duas das ruas mais animadas durante a noite nesta zona da cidade.
Voltando à Plaza del Carmen, todo o quarteirão do lado oposto da Calle Reyes Católicos corresponde ao principal centro de comércio da cidade, com algumas ruas estreitas e cheias de lojas, como a Calle Principe, a Calle Alhóndiga ou a Calle Puentezuelas, que nos levam sempre a deambular sem destino, apreciando aquele ambiente que vai ficando frenético nos finais de tarde.
De uma forma ou de outra, no final deste passeio procuramos sempre desembocar na Praça Bib-Rambla, a maior praça deste bairro, onde surgem algumas floristas, o que justifica o nome de Rambla, mas também diversos restaurantes e cafeterias ao redor de toda a praça.
A Plaza Bib-Rambla é um dos pontos de encontro dos habitantes de Granada e é um local com enorme lastro histórico, quer do período muçulmano quer após a reconquista, quando as tropas cristãs transformaram a praça e começaram a celebrar alguns espetáculos públicos, como touradas, exibições equestres e até execuções… para além de um outro episódio lamentável, quando uma parte dos livros árabes da biblioteca da Madraça, foram queimados em plena Praça Bib-Rambla. Mas a sua principal utilização a partir do século XVIII foi como mercado, que chegou a ter mais de 50 postos de venda.
Hoje em dia, para além das floristas, a praça está rodeada de restaurantes, tem ainda uma igreja e uma fonte que é o seu principal símbolo, a Fuente de los Gigantes.
Na saída deste espaço encontram-se algumas ruas e becos que nos levam até à Plaza de las Pasiegas, onde se ergue o mais importante monumento católico da cidade, a Catedral de Granada.
A Catedral surge de tal forma emparedada entre edifícios que mal se consegue contemplar, sendo impossível ter uma visão integral desta igreja quando estamos ali em baixo… só quando visitámos o Alhambra, no alto da montanha, nos foi possível apreciar a imagem completa da grande Catedral de Granada.
A Catedral de Granada é uma das principais atrações da cidade, um monumento que representa o peso histórico da reconquista cristã no final do século XV, quando foram projetadas algumas obras de inspiração católica, que alteraram a aparência islâmica que a cidade tinha.
A construção da catedral gótica foi o projeto mais ambicioso desta cristianização da cidade. A sua execução estava prevista para o ano de 1506, mas a repentina morte da Rainha Isabel I de Castela, dois anos antes, levou a que fosse priorizada a construção da Capela Real, que iria servir como sua sepultura, atrasando o início das obras da Catedral até ao ano de 1523… mas, como já nessa altura os empreiteiros eram terríveis a cumprir prazos, a majestosa Catedral de Granada só foi concluída em 1704.
O projeto desta igreja continha cinco naves com duas torres de 80 m, mas, na realidade, só foi possível construir uma dessas torres e bem mais pequena, com apenas 50 m. A fachada é formada por um grande arco central e outros dois arcos laterais, com estátuas e imagens em alto relevo de algumas figuras religiosas.
Num dos lados do edifício da Catedral eleva-se a Capela Real, uma das principais referências do poder católico e dos monarcas que mudaram a história da cidade, onde se encontra a cripta com os restos mortais da Rainha Isabel I de Castela, La Católica, e do Rei Fernando II de Aragão, entre outros monarcas.
Do lado oposto da mesma rua, a Calle Oficios, fica a Madraça, outro dos monumentos de referência da cidade, mas desta vez ligado ao período muçulmano.
No início do século XIV, o Rei Yusuf I mandou construir este palácio para criar uma Madraça, uma universidade pública de estudos islâmicos, que, neste caso, era mesmo a primeira Madraça de todo o Al-Andaluz ibérico. De acordo com os documentos históricos, a Madraça contou com uma enorme biblioteca até depois da reconquista, quando o edifício passou para as mãos dos cristãos e os livros da biblioteca, maioritariamente árabes, foram queimados nas ruas e praças.
Atualmente o Palácio da Madraça é sede do Centro de Cultura Contemporânea e da Academia de Belas Artes da cidade.
Antes de abandonarmos esta zona do centro histórico mais monumental podemos ainda passar pela Plaza Romanilla, uma bonita praça dominada pela torre da catedral, e que é também um espaço animado com várias esplanadas e com bastantes turistas, mesmo nas noites mais frias.
Ainda nesta mesma zona encontramos vestígios evidentes da presença dos mouros no antigo mercado da seda, que é hoje conhecido como Alcaicería. Formado por ruas estreitas repletas de lojas, quase labirínticas, como a Calle Alcaiceria, a Calle Paños ou a Calle Ermita, com uma grande variedade de produtos, sobretudo artesanato e especiarias, e com o aspeto de um autêntico souk árabe.
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Fizemos a saída desta zona histórica monumental por uma das ruas principais da cidade, a Calle Gran Vía de Colón, que separa a parte cristã do bairro árabe.
Na confluência desta rua com a Calle Reyes Católicos encontramos a Plaza Isabel - La Católica, uma praça demasiado moderna e espelhada, o que desenquadra a fonte central onde se ergue a estátua da Rainha Isabel, enquanto recebia o grande almirante Cristobal Colón, executada em 1892 para comemorar o quarto centenário do descobrimento da América.
O percurso seguinte leva-nos ao lado árabe da cidade, mas antes, continuando na Calle Reyes Católicos, chegamos à Plaza Nueva e à Plaza Santa Ana, duas praças que se encontram ligadas entre si, e onde se destaca o edifício da Real Chancelaria de Granada, que é atualmente o Tribunal Superior de Justicia de Andalucía.
Ao fundo da praça, junto à margem do rio Darro, onde começa o bairro árabe, bem no sopé da montanha do Alhambra, encontramos a Iglesia de San Gil y Santa Ana, uma capela do século XVI construída no local onde anteriormente se encontrava uma mesquita.
Para chegarmos ao bairro árabe continuamos junto ao rio Darro, um afluente do Genil, ao longo da chamada Carrera del Darro, nesta zona em que o rio corre entre as colinas do Albayzín e do Alhambra.
A Carrera del Darro é um percurso bastante bonito, pela vegetação abundante que se acumula ao longo do rio, que rasga o vale formado por duas colinas muito especiais, de um lado o Cerro de San Miguel, com as casas de estilo árabe do Albayzín e, do outro, com a colina Al-Sabika e o admirável complexo do Alhambra no topo da montanha.
Além da beleza do próprio vale encontramos ainda algumas construções antigas, como as pontes ou a Parroquia de San Pedro y San Pablo.
No final da Carrera del Darro chegamos à praça de São Pedro, conhecida sobretudo pela Fuente del Paseo de los Tristes, onde encontramos um conjunto de restaurantes, de onde se consegue espreitar as muralhas da monumental fortaleza do Alhambra.
Daí em diante, temos mesmo que escalar a encosta do lado Norte desta zona do rio, que é ocupada pelo Albayzín, o bairro árabe da cidade, que se estende pelo Cerro de San Miguel até a rua Elvira.
É um bairro encantador onde nos podemos perder por entre ruas labirínticas e estreitas, ou pequenos becos, onde a paisagem do Alhambra nos vai sempre acompanhando… e sempre a subir até perder o fôlego.
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No período de maior expansão do domínio muçulmano o bairro chegou a ter mais de 30 mesquitas, enquanto a sua população superava os 40 mil habitantes. Nessa altura foi construída uma verdadeira cidade árabe ao longo desta encosta, nos hábitos e costumes das suas gentes, mas também na arquitetura, para além do branco das casas, o próprio traçado das ruas seguia o modelo típico do urbanismo muçulmano, com ruelas apertadas e becos sem saída. Nessa época foram ainda construídas algumas villas luxuosas com frondosos jardins, que são visíveis até agora, salientando-se o contraste entre o verde da vegetação e o branco das casas.
Em 1984, a UNESCO declarou o Albayzín como Património da Humanidade, sobretudo pela sua vivência ainda influenciada pelos padrões da época de ocupação dos mouros, mas também pela beleza deste conjunto urbano… mas esta imagem sobre o bairro só é alcançável a partir do miradouro do Alhambra, na encosta do lado oposto do vale.
Quando podemos, durante as nossas escapadelas de Sierra Nevada para visitar Granada, gostamos sempre de vaguear sem destino por este bairro, apreciando aquilo que constitui o seu legado árabe mais presente. Mas não apenas pelos seus traços de uma aldeia muçulmana, nem sequer pelos monumentos dessa época, como o Arco de las Pesas, a muralha Zirida, o Aljibe de Santo Nicolau e a Igreja del Salvador, construída sobre a antiga mesquita maior… a maior atração do Albayzín é mesmo o seu ambiente, um misto de influências árabes e castelhanas, apimentado pelos vestígios de um mundo global com que os tempos atuais foram perfumando o bairro. E a verdade é que esta profusão de tendências nos diverte e, estranhamente, nos faz sentir em casa.
Mas talvez a joia da coroa deste local não seja o próprio bairro, mas sim a paisagem que dali é oferecida a partir de cada um dos vários mirantes, como o Mirador San Nicolás, um enorme balcão junto à maior igreja do bairro, a Iglesia de San Nicolás.
Deste este e outros miradouros do Albayzín podemos contemplar as magníficas paisagens do Alhambra com as suas raízes árabes bem visíveis e as montanhas da Sierra Nevada ao fundo... formando um conjunto extraordinário, que as palavras não conseguem descrever.
Depois de algum tempo em que nos deixámos ficar contemplando repetidamente a paisagem envolvente, chega a hora de regressar, desta vez, descendo pela colina abaixo, e encontrando ainda alguns detalhes arquitetónicos interessantes que caracterizam o bairro.
Ao final da descida chegamos à zona que fica por detrás da Plaza Nueva, terminando o percurso na confluência de duas ruas bastante interessantes, a Calle Elvira e a Calle Calderería Nueva, em que esta última nos faz lembrar as ruas dos souks árabes.
Esta mesma zona transforma-se, durante a noite, num autêntico restaurante de rua, sempre animado, sobretudo às sextas e aos sábados, quando os granadinos invadem estes espaços. Também nós temos escolhido, diversas vezes, terminar o serão nestes restaurantes típicos, ficando a degustar alguns pratos bem espanhóis, que nos encantam… entre as habituais tapas e raciones.
Também as noites são inesquecíveis no Albayzín, valerá a pena voltar ao bairro mais tarde, ou permanecer por lá até ao pôr-do-sol, para aproveitar o ambiente noturno do bairro, com os restaurantes a ocuparem as ruas e a animação a instalar-se… e, claro, também porque o Alhambra se vai tornando cada vez mais bonito à medida que o dia escurece.
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No final desta reflexão sobre um acumulado de mais de uma dezena de viagens até Granada, mantém-se ainda a vontade de voltar de novo a esta cidade, como um regresso a uma casa que também é nossa, ao fim de tantos anos de repetidas visitas.
Para completar um registo completo sobre o que fazer em Granada, falta ainda acrescentar a crónica da nossa experiência no Alhambra, também publicada neste Blogue.