domingo, 14 de fevereiro de 2016

Vallnord e Andorra-a-Velha

(Uma semana de ski em Fevereiro de 2016)

As viagens na busca de um destino de neve são uma constante que repetimos em cada ano que passa, quase religiosamente, sempre na ânsia de saciar um prazer, que é quase um vício, que a prática do ski nos oferece.

Desta vez escolhemos ir até Andorra, concretamente às estâncias de Vallnord, que não são as melhores do Principado, mas deixámos as de Grandvalira para uma próxima viagem.

A escolha do local onde vamos esquiar está sempre associada a uma avaliação de prós e contras, porque há fatores incontornáveis a ponderar... a distância ou mesmo o meio de transporte, a qualidade da neve, a quantidade de esquiadores na estância, as condições metrológicas mais prováveis e, claro, o preço do pacote final. Por isso, nunca é uma escolha imediata nem fácil, o que nos leva a ir alternando os destinos de um ano para o outro. De qualquer forma a escolha mais corrente acaba por ser sempre a de Sierra Nevada, pela distância, que é a mais razoável, cerca de 750km, mas também porque é aquela que tem maior influência do clima do Sul do Mediterrâneo, tendo assim muitos mais dias de sol ao longo da época do ski.

Mas, desta vez, optámos por ir até às estâncias de Pal e Arinsal na estação de ski de Vallnord, em Andorra, privilegiando a qualidade da neve e o facto de serem estâncias menos concorridas, o que, na semana do Carnaval, é muito significativo, embora assumindo fazer uma viagem de carro de 1250km para cada lado, o que é um autêntico pesadelo.

Já não era a primeira vez que íamos de carro até aos Pirenéus, já lá tínhamos esquiado outras quatro vezes em estâncias espanholas, mas só desta vez tivemos a noção que a viagem era um autêntico disparate, e tomámos uma resolução de não repetir, passando a utilizar o avião até Barcelona, sempre que quisermos voltar a Andorra.

Mas desta vez lá fomos de carro, com viagem direta desde casa, com saída de madrugada e chegada a La Massana, em Andorra, a meio da tarde. O percurso é bastante cansativo, sobretudo nos últimos 150km, que são feitos fora da autoestrada, a maioria em estradas de montanha... mas aí, com a compensação das bonitas paisagens com que, entretanto, nos fomos cruzando.

Chegámos a tempo de nos instalarmos no hotel e de tratarmos da logística para os próximos dias de ski, como obter os fortaits para os meios mecânicos e levantar os equipamentos, que desta vez preferimos alugar em vez de levarmos os nossos... para facilitar a gestão da bagagem.

Escolhemos o Hotel Magic Ski, próximo do teleférico e em regime de meia-pensão, o que se torna bastante conveniente, evitando a preocupação de procurar restaurantes depois de um dia de cansaço extremo. Assim, instalámo-nos, jantámos e estávamos prontinhos para uma semana de aventura.


Vallnord – La Massana:

Vallnord é uma estação de ski situada nos vales de La Massana e Ordino, que inclui os setores de Pal-Arinsal, unidos entre si por um teleférico, e de Ordino-Arcalis, que está afastado alguns quilómetros, não existindo quaisquer ligações por pistas ou teleféricos entre os dois setores, pelo que nos ficámos apenas pela zona de Pal-Arinsal.

A vila de La Massana, a apenas 6km de Andorra-a-Velha, é constituída por um aglomerado massivo de hotéis e edifícios de habitação e, embora tenham quase todos a arquitetura típica da zona de Andorra, a vila não deixa de ser conjunto de prédios amontoados, sem o requinte que às vezes se encontra nas povoações junto às estâncias de ski. O local tem o seu epicentro no complexo do teleférico que garante a ligação direta até à estância de Pal e onde se encontram também vários serviços de apoio ao ski. Aliás é bastante evidente que, direta ou indiretamente, toda a vila gravita sempre em torno do negócio do ski.
A proximidade do hotel ou apartamento relativamente ao teleférico é um dado bastante relevante. Reparámos que os hóspedes da maioria dos hotéis caminhavam todas as manhãs de skis às costas e botas calçadas, ao longo das ruas e passeios, o que é uma tortura. Portanto, aconselho hotéis realmente próximos do teleférico, imagino que, no máximo, se tolerem 200 ou 300 metros, ou então, mesmo ficando mais longe, o melhor é trazer o carro até ao estacionamento do complexo da telecabine, mas, nesse caso, é necessário pagar o parque, o que não é nada barato. O mesmo acontece em relação à disponibilidade de estacionamento oferecida pelo hotel. Quem não tiver incluído vai ter que pagar para deixar o carro nalgum parque público, porque não dá para deixar os carros na rua. Estas indicações devem ser consideradas na escolha do hotel, porque, muitas vezes, o mais barato, pode vir a sair mais caro.

Falando dos preços, visto que podem ser determinantes no destino escolhido, esta zona não é das mais caras, mas isso é apenas conversa... porque o ski é sempre muito caro. Há que pagar o aluguer de equipamento e, o pior, são os forfaits, que custavam, nesta época alta do Carnaval, cerca de 150€ por pessoa, para os quatro dias. De qualquer forma, os pacotes de cinco noites, com meia-pensão e quatro dias de ski, equipamento e forfaits, podem sair a um preço razoável. Mas acrescentando as despesas de viagem e, no nosso caso, que somos 5 esquiadores (eu, a Ana, a Marta, a Beatriz e a Madalena... só a Alice não gosta), multiplicando pelo número de pessoas, acaba sempre por dar um somatório perfeitamente escandaloso. Por isso é melhor nem olhar para os custos, ou então, ficar em casa.


Vallnord – Setor Pal:

Em La Massana apanhamos o teleférico e alguns minutos depois estamos junto à neve no setor de Pal, e o nosso hotel permitia o acesso direto da garagem ao átrio de entrada para as telecabines que nos levavam até às pistas... e viagem para cima era sempre um prazer, pelas paisagens magníficas.
Chegando ao topo, atingimos o patamar de partida para todas as pistas da estância, num local onde se localizam as infraestruturas de apoio, como escolas de ski, lojas de aluguer de equipamento e restaurantes.

Preparámos os percursos que queríamos seguir consultando o mapa de pistas e de remontes mecânicos do conjunto dos dois setores, Pal e Arinsal.
Lá do alto conseguem-se avistar algumas zonas do vale, bem definido pelo contorno das montanhas envolventes. Neste dia, bastante solheiro e depois de um nevão que caiu na véspera, as paisagens apresentam um aspeto peculiar, em que o verde dos pinheiros foi salpicado pelo branco da neve que lhes cobre os ramos.
O setor de Pal é constituído por 63km de pistas, grande parte delas no meio de zonas arborizadas, que serpenteiam por entre pinheiros, com vários tipos de inclinação e largura, definindo, dessa forma, os níveis de dificuldade, entre as pistas verdes, azuis e vermelhas, não existindo nesta zona pistas pretas... ou se existia alguma estaria encerrada.

O prazer do ski é algo que dificilmente se consegue explicar a quem nunca experimentou e, por isso, nunca foi mordido pelo bichinho. Podemos falar em tanta coisa... adrenalina, superação, deslumbramento por tanta beleza, sensação de liberdade, escape para todo um ano de preocupações... tudo justificações padrão para que cada pessoa se disponibilize para gastar um balúrdio e depois se dê ao incómodo de carregar skis e calçar aquele par de botas altamente desconfortáveis. Mas a verdade é que ninguém pode realmente dizer o que nos leva a voltar sempre mais uma vez, apesar do cansaço e do desconforto do ano anterior. Por isso, não consigo explicar o que nos leva a procurar as pistas de ski como se isso fosse essencial para o nosso bem-estar, não explico, mas asseguro que é algo que nos deixa sempre deslumbrados.

E lá vamos nós, montanha abaixo, moídos de tanto cansaço físico mas com a cabeça completamente limpa, como se nos tivéssemos submetido a uma purificação... e depois de um esforço extremo somos absolvidos e compensados por pequenos prazeres, começando no momento, quase sublime, de descalçar as botas.

Mas diga-se o que se disser, não há nada que eu troque pela sensação de desbravar montanha abaixo, com a adrenalina a mil, num dia de sol brilhante, esmagados pelas paisagens magníficas que nos envolvem.
A zona de Pal tem esta designação porque integra as encostas da floresta de Pal, no sopé da qual se situa a aldeia com o mesmo nome. Pal é uma terrinha pequena que fica a 4km de La Massana, a uma altitude de 1.550m, perto do local onde chegam algumas pistas e carreiros, que vão serpenteando toda a encosta por entre pinheiros até à base da montanha, junto à estrada.
A aldeia inclui um dos monumentos mais típicos da zona, uma igreja em estilo românico do século XI, dedicada a São Clemente, com uma torre de sino retangular com janelas gradeadas, que aparece em muitas fotografias associadas a esta estação de ski.
Voltando às pistas... a estação de Pal atinge também cotas mais elevadas, onde a vegetação começa a escassear e a montanha surge mais despida, com pistas extraordinárias, mais largas e totalmente cobertas por espessos mantos de neve.


Mas o ski tem várias condições para que possa ser uma atividade que nos dê realmente prazer. Desde logo há que ter cautelas para tentar evitar acidentes. Muitas vezes não nos escapamos a algumas quedas, mas temos que ter cuidado com as velocidades, com a seleção dos trilhos que escolhemos (embora todos nós já façamos ski em qualquer tipo de pista, das mais fáceis às mais difíceis, há que saber dosear a velocidade em cada situação, para minimizar riscos). Há ainda outras regras que devemos cumprir, como usar capacete, evitar os limites das falésias, e outras precauções. Nunca nos aconteceu qualquer acidente ou queda grave, mas temos todos a noção de que o ski é um desporto perigoso e essa ideia tem que estar sempre presente.

Outra condição para uma boa qualidade de ski é a quantidade de esquiadores, porque uma pista vazia é infinitamente melhor do que aquelas pistas cheias de principiantes, ou com aceleras, principalmente os snowborders, que levam tudo à frente. Além disso, com pouca gente, não temos tempos mortos nas filas para os teleskis. É isso que nos faz percorrer mais 500km do que para ir a Sierra Nevada, onde às vezes, o acesso às pistas parece o metro à hora de ponta. Mas aqui não, tínhamos pistas imensas só para nós, apesar de estarmos em plena época alta, na semana do Carnaval.



A própria neve é também, naturalmente, uma das coisas mais importantes para um bom ski. Na verdade é necessário que exista neve em quantidade para que as pistas não fiquem despidas ou com peladas, mas a sua qualidade é igualmente de extrema importância. A melhor neve é aquela que se encontra em pó, porque caiu ainda há poucos dias, embora deva ser devidamente batida por equipamentos compactadores para ficar suficientemente densa e os esquiadores não se enterrem. Esta condição de neve só é possível na época dos nevões, o que não acontece, por exemplo, durante o princípio da primavera, quando a neve se transforma num manto gelado durante as manhãs, ainda frias, e fica uma papa de sorvete com o calor da tarde (esse é o grande defeito do ski em Sierra Nevada em Abril, quando tentamos uns fins-de-semana para acabar a época). Nesta semana a neve estava perfeita e o ski praticado foi da melhor qualidade que já experimentámos.

Outro fator importantíssimo são as condições climatéricas. Apesar do ski se poder praticar com qualquer tipo de tempo, desde que não seja com nevoeiro cerrado ou com um temporal de vento e neve, o grande prazer de esquiar só se consegue verdadeiramente com o sol a brilhar. De tal forma que o ambiente de ski, apesar do frio, tem semelhanças com o ambiente de praia... as esplanadas, os óculos escuros, as caras bronzeadas... e até encontramos a onda dos surfistas, que aqui é protagonizada pelos snowboarders.

E nesta semana tivemos algum sol, não foi a semana perfeita, porque ainda apareceram alguns momentos com nuvens, mas tivemos muitas horas de sol que nos deliciaram e nos bronzearam.

Quando existem nuvens, a maior parte das vezes são totalmente cerradas e aí perde-se muito do prazer do ski. Mas como estamos em altitude há situações em que se instalam mantos de nuvens baixas, que chegam a criar nevoeiros impenetráveis, mas que, em certas situações, conseguimos ultrapassar quando atingimos as montanhas mais altas, como aconteceu algumas vezes durante esta semana, e assim tivemos oportunidade de contemplar as paisagens extraordinárias que este fenómeno propicia, com as vistas sobre o manto de nuvens, completamente banhado pelos raios de sol.


Nesta última foto, mostra-se o teleférico que liga os dois setores, de Pal e Arinsal, entre si. Trata-se de um teleférico de apenas duas cabines de grandes dimensões, que atravessam o vale que separa os dois setores, num percurso de 2,4km, levando-nos para uma zona de ski bastante diferente, a estância de Arinsal.


Vallnord – Setor Arinsal:

O setor de Arinsal encontra-se a uma cota mais elevada e, por isso, tem pistas mais despidas de vegetação, mas bastante boas...aliás, na minha opinião, melhores do que as de Pal.
A descida até à base de Arinsal é feita ao longo de um único vale, que se vai desmultiplicando por vários percursos, alguns com inclinações suaves e outros atravessando as encostas mais íngremes, dando origem a pistas mais avermelhadas. E somos nós que decidimos, em cada momento, se fazemos a volta mais longa e mais soft, ou se assumimos uma descida mais direta e radical. E é esse grau de liberdade que vai regulando as descargas de adrenalina a que vamos estando sujeitos. Às vezes decidimo-nos pelos trilhos mais radicais e assumimos a descida em alta velocidade, e depois constatamos que as pernas já não nos acompanham e temos que começar a fazer sucessivas paragens para recuperar as forças, e é assim que vamos passando um dia de ski, sempre em alta diversão, como se fossemos todos miúdos na paródia num parque infantil.




Ainda nas pistas, mas para além do ski:

Durante um dia de ski são inevitáveis algumas paragens nos bares e restaurantes que dão apoio ao longo das pistas. Quando o sol brilha é bastante apelativa uma paragem numa das esplanadas, para uma cerveja ou outra bebida fresca, acompanhando o almoço-tipo nestas ocasiões, as pizzas e os hamburgers. Mas quando o frio aperta, tentamos chegar a um espaço aquecido, normalmente com lareira, para um chocolate quente, que aconchega bastante nessas ocasiões.

No fim do vale de Arinsal, junto ao teleférico que liga as pistas à vila com o mesmo nome, fica uma das muitas esplanadas da estância e, desta vez, com uma temperatura bem agradável, resolvemos parar para a dita cerveja e para nos espreguiçarmos ao sol.

Ainda em plenas pistas há mais atividades de neve para além do ski. Algumas são apenas brincadeiras mas outras obrigam a alguma logística e preparação.

Podem ser feitos percursos organizados, com passeios recorrendo a raquetes de caminhada, ou a skis de fundo, ou mesmo a trenós puxados por cães, que percorrem os locais mais inóspitos da montanha. E há também passeios de moto de neve por toda a envolvente da floresta. Confesso que os passeios a pé até me poderiam interessar, mas nunca as voltas de moto. De qualquer maneira não foi nada disto que fizemos.

O grupo todo, os cinco, fizemos uma outra atividade altamente radical...fabricámos um boneco de neve. Pode não ser nada de mais, mas não há uma única vez que se vá à neve e não fique lá a nosso boneco, quase sempre desajeitado...e, desta vez, não fugimos à regra.
Numa outra brincadeira tentámos mesmo explorar a floresta, entrámos lentamente pelos caminhos que se formavam entre os pinheiros, numa experiência curiosa, em que percorremos os trilhos nevados ao longo de uma parte do pinhal, que sabíamos serem quase planos, caso contrário não nos teríamos arriscado.
Por fim tivemos ainda a experiência mais radical, feita apenas pelas corajosas de serviço, a Beatriz e a Madalena. Apesar de esquiarem ambas bastante bem e poderem descer qualquer tipo de pista, assumiram voltar tudo para o zero e começar como debutantes num curso de snowboard.

A experiência foi durinha, passaram o dia a cair e poucas descidas conseguiram fazer. Ainda tinham a esperança que, se corresse bem, continuariam no dia seguinte de forma a conseguirem alargar as suas competências...e depois era só escolher se sairiam de skis ou de prancha (nada que eu não tivesse pensado há 15 anos atrás, aprendia a fazer snowboard e depois esquiava com a neve mais dura e surfava quando começasse a empapar, o que seria muito conveniente em Sierra Nevada. Mas o resultado foi semelhante...ou ainda pior, depois da hora de almoço já eu estava a pedir os skis de volta e nunca mais voltei a pisar numa prancha de snowboard).

Foi uma tentativa mal sucedida, mas alguma vez teriam de fazer esta experiência para se convencerem daquilo que eu já lhes tinha dito...que seria muito difícil e que, quando nos habituamos a explorar toda uma estância, já não conseguimos voltar às pistas verdes dos “cursillos”.



Andorra-a-Velha:

Existem alguns locais em La Massana para o après-ski. Encontram-se vários bares que se enchem no final de tarde com um ambiente interessante. Existe uma concentração de bares junto à estação das telecabines, mas depois, como a maioria dos esquiadores estão em hotéis com meia-pensão, todos partem para jantar e o ambiente fica mortiço.


Uma outra opção é fazer uma viagem até Andorra-a-Velha, a meia-dúzia de quilómetros, chegando-se a um conjunto de ruas que constituem um dos centros comerciais mais procurados em toda a Europa, aparentemente, por ter produtos muito baratos. Há quase 30 anos, na minha primeira visita ao Principado, isso era mesmo uma realidade. Mais do que encontrarmos coisas baratas, encontrávamos artigos que nem tinham chegado a Portugal, como alguns aparelhos eletrónicos. Hoje as coisas não são assim, a globalização tornou tudo parecido, e Andorra tem apenas a vantagem de ser um porto-franco, com redução de alguns impostos.

Tentámos umas lojas de ski para comprar um casaco e percebemos logo que as boas marcas eram igualmente caras.

Alguns dos visitantes de Andorra-a-Velha procuram o La Caldea, o SPA de referência da cidade, com um edifício futurista totalmente espelhado simbolizando o pico de uma montanha. O Centro Termolúdico Caldea é uma estância termal localizada perto do rio Valira, que aproveita as propriedades da água termal natural. As atividades oferecidas são diversas, muito utilizadas por quem vem para umas férias de neve e não gosta de esquiar, e também existem alguns pacotes para quem acabou de esquiar e quer relaxar ao final do dia nos circuitos de águas termais.

Em qualquer dos casos não nos impressionou minimamente e nunca escolheríamos passar um dia de molho naquelas águas quentes com cheiro a enxofre. Além disso, embora sem ter visto com muita atenção, os preços pareceram-nos altíssimos.
Assim, acabámos por confinar a nossa visita à cidade a meia dúzia de ruas de comércio, onde encontrámos algumas pechinchas, como umas promoções de perfumes e óculos Ray-Ban.


No final da semana, já à saída de Andorra, a manhã surpreendeu-nos com um enorme nevão, o que terá tornado intransitáveis as pistas de ski, tal a densidade com que a neve caía, mas para nós a grande preocupação era o estado das estradas. A acessibilidade nas zonas montanha é uma questão pertinente porque estamos sempre sujeitos a que um nevão possa interditar as estradas. A solução é irmos preparados com um jogo de correntes para os pneus que possa evitar males maiores. No entanto confesso que nunca levei correntes comigo e, em muitos anos de viagens à neve, tenho tido sorte e nunca fiquei bloqueado na estrada.

Neste dia saímos com alguma facilidade, também porque Andorra está cheia de túneis que nos fazem evitar a subida através das estradas de montanha. Mais difícil foi atravessar Andorra-a-Velha, uma cidade pequena mas densamente povoada e com um trânsito complicado. Havia ainda que passar pela fronteira, uma coisa a que já não estamos habituados e que pode provocar filas infinitas se os serviços da alfândega decidirem mandar parar e revistar todos os carros. Apercebemo-nos, porém, que não mandavam parar carros com matrícula portuguesa, admitindo que aquele pequeno contrabando que ainda se pode fazer, embora muito menos do que há duas ou três décadas atrás, será feito por espanhóis ou andorranos.

Chegados a Espanha faltavam agora a habitual longa viagem atravessando Espanha e Portugal de  volta a casa.


Carlos Prestes
Fevereiro de 2016

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Zaragoza

Como na maior parte das cidades, a melhor forma de descobrirmos os edifícios e praças monumentais de Zaragoza é passearmos através das suas ruas. Vamos descobrindo toda a riqueza dos muitos séculos da sua história, revelando igrejas, basílicas, palácios e casas senhoriais, ao longo de praças e ruas amplas ou das ruelas mais estreitas, do centro histórico e do casco velho. Vamos encontrando reflexos da passagem de várias civilizações que ocuparam a capital de Aragão, romanos, muçulmanos, judeus e cristãos, todos deixaram um legado cultural que pode ainda ser admirado nesta cidade.

Depois de uma breve paragem no hotel para deixar as bagagens, estacionámos o carro um pouco antes do centro, num parque público pago, e bem pago, na zona do Paseo de la Independencia, próximo do maior El Corte Inglês da cidade. Saímos a pé devidamente preparados para enfrentar um dia que se adivinhava chuvoso, e iniciámos um percurso ao longo do centro histórico palmilhando as ruas e praças onde se vão dispondo os vários monumentos e igrejas da cidade.
O Paseo de la Independencia é uma das principais alamedas da cidade, entre a Plaza Paraíso Basílio, e a Plaza España, passando ainda pela Plaza de Aragon. É composta por alguns dos edifícios mais chiques da cidade, onde ficam também as melhores lojas, sobretudo na zona mais próxima da Plaza España, onde os edifícios vão formando arcadas, ocupadas por lojas de qualidade mais elevada.

A Plaza España, com o monumento aos mártires bem ao centro, fica junto à Calle del Coso que limita o início do casco velho da cidade.
E foi por aí que entrámos, entre as ruas mais clássicas do centro histórico e as ruelas mais pitorescas do bairro El Tubo, seguindo de forma mais ou menos aleatória, sabendo contudo quais os locais de maior interesse onde queríamos fazer algumas paragens.

Começámos pelo Museo del Teatro de Caesaraugusta, um anfiteatro romano localizado bem no centro da cidade. O Museu Cesaraugusta é o espaço onde se expõem algumas ruínas do antigo teatro romano, cujos vestígios foram descobertos em 1972 durante as escavações de uma obra de construção. As ruínas correspondem a um anfiteatro do século primeiro d.C., ocupando uma superfície de 7.000m2, que estava preparado para 6.000 espectadores, sendo considerado como um dos maiores anfiteatros da Hispânia romana.

Atualmente encontra-se limitado por uma vedação em grade metálica, que o torna totalmente visível das ruas que o envolvem, e está protegido em toda a sua área por uma cobertura com estrutura metálica revestida a poli-carbonato translúcido, o que permite a entrada da luz natural.
Depois de vários anos de restauração e de um grande investimento, o museu abriu ao público em 2003, podendo ser visitados os vários vestígios arqueológicos encontrados, para além de maquetas que reproduzem o que terá sido aquele complexo. No anfiteatro são também realizados diversos tipos de espetáculos.
Saímos da zona das ruínas romanas, sempre no casco velho da cidade e dirigimo-nos para as margens do rio Ebro. A ideia era atravessar o rio para depois nos aproximarmos da zona histórica mais monumental, a partir da margem oposta, para podermos contemplar as melhores paisagens dessa zona da cidade. Assim, atravessámos a Puente del Pilar com umas belas paisagens, tornando o passeio bastante interessante, com vista para a Puente de Piedra por onde o rio corre veloz, e atrás sobressaem as silhuetas da Basílica da Nuestra Señora del Pilar e da Catedral del Salvador de Zaragoza.
Voltámos então a atravessar o rio na direção do centro histórico, desta vez sobre a Puente de Piedra, que nos dá o ângulo de observação perfeito para apreciarmos os detalhes arquitetónicos do edifício da Basílica.
A Puente de Piedra é uma ponte monumental construída sobre o rio Ebro no século XV, que é atualmente utilizada apenas para passagem de peões. A história da ponte é bastante rica, mas quase tudo o que ali foi vivido se mantém incógnito a quem por lá passa, à exceção da Cruz Basilio, junto à qual se regista a seguinte inscrição, que relata factos que ali terão acontecido: "Aqui foram vilmente assassinados R. P. Boggiero e padre Basílio Santiago Sas - Aqui, caiu mortalmente ferido o Barão de Warsage - Honra aos heróis e glória aos mártires". Esta inscrição refere-se a factos do início do século XIX durante a guerra da independência espanhola, após as invasões francesas da península.
Depois de atingirmos a margem esquerda do Erbo, entrámos na Plaza del Pilar, um dos locais mais interessantes e movimentados da zona histórica de Zaragoza. É nesta praça que se encontra a maior concentração de monumentos de toda a cidade, desde logo a Basílica del Pilar, mas também outros edifícios importantes, como o edifício La Lonja, a Catedral de Salvador, as esculturas dedicadas a Goya e a Fuente de la Hispanidad.

Começámos pela zona da Catedral del Salvador, do lado Sul da praça, construída no local da antiga Saraqusta, a maior mesquita, cujo minarete ainda permanece como marca na torre atual. Na envolvente ficam as esculturas dedicadas a Francisco Goya. A coleção foi criada pelo escultor catalão Frederic Mares e inclui um prestigiado Goya segurando um livro e uma caneta, e duas mulheres e dois cavalheiros, no melhor estilo do século XVII.
Junto às estátuas dedicadas a Goya fica a La Lonja, um edifício de estilo renascentista, construído na primeira metade do século XVI, e que é hoje a sala de exposições da Câmara Municipal da cidade.
Dominando a maior parte da praça del Pilar localiza-se a imponente Basílica de Nuestra Señora del Pilar. Construída entre os séculos XVII e XVIII, a Igreja católica da Virgem del Pilar é uma jóia da arte barroca e um dos mais importantes destinos espirituais em Espanha, só superado pela Catedral de Santiago de Compostela.
Visitámos o interior com vários espaços de culto onde surgem algumas preciosidades da arte sacra, destacando-se a extraordinária Santa Capilla, que abriga a imagem da Virgen del Pilar.
Do lado Norte da praça, em frente à igreja de San Juan de los Panetes, fica a Fuente de la Hispanidad, uma escultura com a forma do mapa da América Latina, que é também uma fonte de grandes dimensões, onde se forma uma queda de água que cai sobre um espelho de água com a forma América do Sul e Terra de Fogo.
Saindo da praça Del Pilar pelo lado Norte encontramos as Murallas Romanas, que se dispõem ao longo da Plaza César Augusto.
Ainda na Plaza César Augusto e junto ao monumento dedicado àquele imperador romano, localiza-se o Mercado Central de Zaragoza. Trata-se de um edifício construído numa estrutura de ferro com um design funcional e harmonioso. Foi projetado em 1895 pelo arquiteto aragonês Félix Navarro Pérez para substituir o mercado tradicional feito ao ar livre na Praça do Mercado Velho. É um monumento histórico nacional e considerado de Interesse Cultural.
Depois de sairmos dessa concentração de monumentos que é a praça Del Pilar e a sua envolvente, continuámos a percorrer as ruas da zona histórica da cidade, algumas com bastante comércio, o que atrai sempre muitas pessoas, mas apenas quando as lojas reabrem após as intermináveis horas de almoço, quer sejam ou não aproveitadas para a tradicional siesta. É o caso da Calle de Alfonso I, que é quase um centro comercial de rua e que se encontrava praticamente deserto, embora algumas horas mais tarde já se apresentasse apinhada de gente que entrava e saía das lojas ou passava apenas pela rua, nessa altura já cheia de animação.
Em plena Calle de Alfonso I fica o Gran Café de Zaragoza, onde aproveitámos para nos aquecer com chocolate caliente e churros, que ajudaram a quebrar o gelo de uma tarde chuvosa e cinzenta. O Gran Café foi uma antiga loja de jóias convertido num café de charme a partir do final do século XIX. Atualmente mantém ainda a maior parte da sua decoração original e é assinalado como um dos polos turísticos da cidade e é por isso bastante frequentado.
Por entre as ruas da zona histórica vão-se enleando as ruelas estreitas do casco velho que formam o típico Barrio El Tubo. É a zona da cidade mais popular e animada durante a noite para umas tapas e umas cañas. O El Tubo tem um charme especial e é famoso como um dos melhores locais de Espanha para se tapear, com as suas ruas estreitas cheias de bares, que se vão estendendo para o exterior, ocupando o empedrado das ruas, onde se juntam os clientes que vão chegando ao longo da noite.

Escolhemos um dos muitos bares que ofereciam uma barra de tapas bem diversa, mas não pudemos deixar de provar também uma das especialidades aragonesas que mais apreciamos, o chuleton de boi, que aqui acompanhámos com um tinto, também da região de Aragão, onde se produzem alguns dos melhores vinhos espanhóis.
Depois de um jantar bem calórico, como se pedia numa noite fria como aquela, fizemos ainda uma nova caminhada pelo centro histórico para apreciarmos todos aqueles monumentos, agora devidamente iluminados, começando pela Calle de Alfonso I, chegando depois até à Plaza del Pilar e à Puente de Piedra.



Na manhã do dia seguinte quisemos ainda visitar o local da Expo 2008, mas encontrámos apenas alguns edifícios e pontes de aspeto futurista, numa zona que parecia meio abandonada, como aliás aconteceu com a Isla Cartuja após a Expo 92 de Sevilha.

Neste aspeto a nossa Expo 98 foi um exemplo, pouco tempo depois da exposição fechar portas e já ali nascia um dos bairros mais interessantes da cidade de Lisboa, o que nos faz pensar que também sabemos planificar, às vezes só falta vontade.

Depois de uma hora de visita ao “cemitério” da Expo 2008, fizemos o longo percurso até casa, que é sempre a parte mais dolorosa destas viagens à neve. E assim acabámos uma semana de férias de neve, com um ski fabuloso, complementada pela visita a cidades, por onde temos passado tantas vezes sem nunca lá ter entrado.

Carlos Prestes
Fevereiro de 2016


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