sábado, 15 de agosto de 2015

Uma Experiência Gastronómica


(15 de Agosto de 2015, no restaurante Vila Joya)

Por vezes a ida a um restaurante vai muito para além daquilo que a refeição nos oferece, proporcionando uma experiência que merece ser registada num espaço de memórias como este.

Dos muitos momentos gastronómicos que tenho vivido ao longo do tempo vou aqui registar a recente experiência no restaurante Vila Joya, na praia da Galé, no Algarve, não por ter sido a mais marcante, nem sequer a melhor, mas por ser a mais recente e por ter sido vivida num restaurante que está no topo do panorama dos restaurantes nacionais.

O 15 de Agosto de 2015 foi o dia escolhido para esta aventura, porque se pode considerar uma aventura, nem que seja por estarmos num dos melhores restaurantes do nosso país, pelo menos tendo em conta os galardões que lhe têm sido atribuídos, sendo um dos três restaurantes portugueses a que foram atribuídas duas estrelas Michelin e aquele que mantém esse título há mais tempo, há já perto de 15 anos. Assim, e mesmo que se avalie para além das escolhas da Michelin, é lógico considerar que o restaurante Vila Joya estará certamente em qualquer lista do top 10, ou mesmo do top 5, do nosso país. E foi mesmo considerado como o 22º melhor restaurante do mundo de 2014, de acordo com a classificação do “The World’s 50 Best Restaurants”.

Foi uma escolha feita com mais de um mês de antecedência, que nos deixou com a expetativa de que iríamos viver uma experiência, não só gastronómica mas também sensorial, admitindo que todos os sentidos se iriam agitar num local como aquele.

A marcação prévia começa por ser algo estranha, uma vez que é necessário deixar o número de cartão de crédito. Isto para o caso de não comparecermos ou de desmarcarmos com menos de 24 h de antecedência, situações em que nos seria cobrado o valor do menu.

Neste caso a equipa não desmarcou e avançou para a Praia da Galé no dia e à hora marcado e o show começou,……estava eu, Carlos Prestes, a minha mulher, Ana Prestes, a Sónia Fernandes Gião e o marido, Miguel Gião, a equipa de viajantes, neste caso, de comensais, que partiu para esta aventura.

A "Casa da Alegria", designação que está na origem do nome Vila Joya, é uma vivenda monumental de traça mourisca, com uma vista fantástica sobre a mata atlântica, o mar e a baía que define o contorno de uma praia de areias douradas, formando uma paisagem deslumbrante que prolonga o charme deste local.

O espaço de hotel e do restaurante é dominado por um clima de charme que nos encanta imediatamente quando lá entramos, com a sua decoração bem cuidada, num estilo entre o rústico e o romântico, e um ambiente acolhedor, entre o formal e o casual……um casual chique, claro. 

As mesas estavam dispostas no exterior sob um longo alpendre, envolvido pelas árvores do jardim e o mar em frente, a perder de vista, o que nos permitiu viver esta experiência ao ar livre, numa noite fantástica, com um céu estrelado e uma temperatura amena. O espaço era perfeito, a noite também, e nós avançámos para este desafio com um ótimo astral.
Depois das formalidades e apresentações, com entrega dos Menus e a explicação do conceito, terminaram com uma frase simbólica de acolhimento: Bem-vindos ao paraíso, bem-vindos ao Vila Joya!
Com a entrega do Menu, temos o primeiro contacto com os custos desta aventura. Estávamos preparados para preços elevados mas os instantes em que nos confrontamos com a sentença, são sempre algo perturbadores…..mas depois relaxamos e seguimos em frente. 

O menu regista o percurso que nos esperava com uma surpreendente simplicidade, focando apenas, de forma minimalista, alguns dos ingredientes fundamentais......sem adornos nem floreados.

Foi-nos proposto um menu de degustação, criação do Chef Dieter Koschina, que aliás era a única alternativa da noite, por um preço de 175 €, estrategicamente omitido das ementas distribuídos pelas nossas princesas, que, talvez por isso, continuavam a sorrir de forma inocente e inconsciente. 

Registo apenas que o menu de degustação de 105 €, que aparece referenciado em algumas páginas na net, ou a possibilidade de escolha “à la carte”, não estão disponíveis aos jantares, pelo menos nos períodos de época alta, como era o caso.

A escolha do vinho foi uma tarefa que também nos consumiu algum tempo, afinal, com uma carta em que a garrafa mais barata rondava os 50 €, justificava-se fazer render bem o peixe……pelo menos enquanto escolhíamos, não bebíamos......e lá deixámos que a nossa especialista em vinhos, a Sónia, trocasse opiniões abalizadas com o sommelier de serviço, tendo acabado pela seleção de um Quinta do Monte d’Oiro – Lybra Branco – um harmonioso lote de Viognier, Marsanne e Arinto, da região de Lisboa. 

E foi então que começaram a desfilar os pratos, ou momentos, como lhes preferem chamar, e que são de facto momentos sensoriais e não apenas de degustação…….são atos de apreciação, quase artística, de peças de inspiração criadas pelo Chef Koschina.

Para início da degustação, ainda fora dos pratos do menu, foram-nos servidas umas entradas de cortesia do Chef, os chamados amuse-bouche, como é comum neste tipo de restaurantes.

O primeiro era constituído por uma dose dupla para uma experiência em conjunto. 
Um primeiro prato era uma bonita concha de vieira envergando uma pérola de dimensão que a tornavam comestível, uma bola feita de patê concebido a partir do corpo do próprio bivalve, com uma cor prateada ligeiramente brilhante, recriando na perfeição a imagem de uma pérola verdadeira.
Ao mesmo tempo, numa outra taça, sobre uma pirâmide de gelo moído, surgiram numa espécie de tubos de ensaio de laboratório, uns consomês de maçã com rábano picante. Esta combinação é dominada sobretudo pelo contraste visual que proporciona, entre o aspeto natural da vieira e a imagem sofisticada do consomê, como uma explosão florescente que emana de uma espécie de vulcão em gelo moído, numa clara alusão visual à cozinha molecular. 

O aparecimento deste apontamento de uma conceção de comida dita molecular deixou-nos inclusive um pouco preocupados, temendo que essa fosse uma tendência atual deste Chef mas, na realidade, acabou por ser a única experiência da noite com estas tendências futuristas. 

Este momento foi uma espécie de aquecimento para o desfile de iguarias que nos esperavam e, neste caso, não tanto pelo prazer da degustação, mas muito mais pela conceção visual inusitada dos pratos servidos. 

O prato seguinte trazia-nos cinco apontamentos, cada um deles com uma profusão de paladares em combinações inacreditáveis. 
Do ponto de vista da degustação pura, foi uma das experiências mais tentadoras da noite, sobretudo pelo prazer da surpresa que cada prova nos proporcionava, à medida que os paladares se revelavam. Porém, nem conseguimos saber com exatidão aquilo que nos tinha sido servido……mas esse é um detalhe que será referido mais à frente, quando forem registados os pontos menos positivos.

Assim, limitámo-nos a usufruir do tremendo prazer proporcionado por algumas destas combinações de ingredientes criadas pelo Chef, embora desconhecendo uma parte daquilo que comíamos…..foi uma espécie de prova-cega, mas o problema é que não era para ser.

Reconhecemos os paladares de alguns ingredientes e era evidente a presença de um cone de massa fina e estaladiça com um delicioso tártaro de novilho. Foi um ponto alto desta noite, que seria brilhante se a ideia fosse mesmo fazer uma prova-cega…..ou então que nos tivesse sido explicado devidamente aquilo que nos serviram e não da forma atabalhoada como o fizeram.


No momento seguinte, marcando uma pausa antes do início do menu, trouxeram-nos uma bandeja com vários tipos de pão (pão português, pão com azeitonas, baguete, croissant, focaccia, etc), com azeite para molhar e uns quadradinhos de manteiga para barrar. A manteiga era claramente artesanal, com um paladar diferente da manteiga corrente e o azeite era transmontano, também bastante bom. Ao longo da refeição foram passando de novo com a bandeja de pão e foram reforçando os pratinhos de manteiga e azeite. 

Mais um comentário para o balanço final…..serviram-nos o azeite sem nos informarem o que estavam a servir. Foi preciso chamá-los de volta para que nos mostrassem o respetivo rótulo.


Entretanto a noite já tinha caído, deixando o céu salpicado de estrelas, e o local passou a ser dominado pela luz das velas nas várias mesas. Fizemos então uma primeira pausa, fomos até ao espaço dos fumadores e regressámos depois para desfrutar do menu de degustação principal.
E os pratos começaram a desfilar, principiando pelo “Hamachi, Funcho, Bergamota”.
Hamachi é um peixe semelhante ao atum (penso que é japonês mas nem sei se tem alguma correspondência em português). Neste prato, o Hamachi foi servido cru, cortado em sashimi, com uns fiapos de folhas e ervinhas, acompanhado por uns cubos de funcho, que é uma espécie de anis, com consistência de uma goma, e com um molho cremoso de bergamota, um tipo de tangerina.

Os paladares eram requintados e o peixe era suculento e saboroso, mas confesso que não foi um prato que me tivesse deslumbrado minimamente.

O prato seguinte era anunciado como “Burrata, Alcachofra, Trufa, Pata-Negra”.
Tirando os pedaços de alcachofra, os restantes ingredientes não podiam ser mais delicados. O presunto pata-negra com corte fino é sempre um pitéu fantástico. A burrata é um queijo italiano gourmet da região de Puglia, considerado um meio-termo entre a mozarela de búfala e a manteiga. Por fim as trufas, sempre delicadas e requintadas, surgem em películas finíssimas, de forma a moderar paladar intenso e dominante e, claro, limitar o custo astronómico.

Curiosamente, o resultado final do prato acabou por se revelar aquém da soma das partes. Talvez por causa do molho, meio aguado, o prato acabou por valer, não pela mistura e combinação dos paladares, mas por cada um dos componentes per si.....ou seja, o Chef aqui não se saiu muito bem.


Nova pausa para repor os níveis de nicotina, para os fumadores, claro, e voltámos à escolha de uma nova garrafa de vinho. Desta vez, depois de se repetir toda a misancene acabámos por escolher um elegantíssimo Quinta de S. José Tinto, um lote de Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Roriz da região do Douro, que harmonizou na perfeição pelo equilíbrio entre a fruta, frescura e mineralidade, com o próximo prato de peixe mas também o principal prato de carne. Talvez por isso este vinho foi servido num copo de fundo mais largo para libertar os aromas mais depressa. 

Era agora a vez do “Pargo, Risoto de Frutos do Mar, Pesto”.
Neste caso o conjunto foi bem mais do que a soma das partes. Um lombo suculento de pargo foi servido numa cama de um risoto de frutos do mar delicioso, adornado e apaladado por alguns salpicos de pesto que, juntamente com parmesão do risoto, conferiam ao prato um paladar mediterrânico. Fora da ementa, mas como complemento do risoto, o prato incluía ainda uma deliciosa espetada de camarão em espeto de lemongrass (ou chá príncipe).

Esta foi, sem dúvida, uma das melhores experiências da noite. A escolha irrepreensível dos ingredientes, a arte da confeção e o equilíbrio dos temperos, produziu um conjunto de paladares perfeitamente deliciosos......uma autêntica peça de arte.


Depois deste ponto alto faltavam ainda dois pratos fortes, um misto, de marisco e carne, e um outro só de carne e, neste momento, as expetativas começavam a ficar elevadas. Surpreenda-nos Herr Dieter Koschina!

“Molejas de Vitela, Lagostim, Cenouras, Caril”, era assim que o menu assinalava o próximo momento de degustação. 
Chamam-se molejas às massas glandulares que se encontram nas vitelas novas, na parte anterior do peito, junto à traqueia. Aparecem neste prato sob o lagostim, envolvidas no molho de caril, imensamente suculentas e deliciosas. As cenouras miniatura são confeitadas em diferentes molhos, surgindo dessa forma, estaladiças e com tonalidades distintas. Um lombo de lagostim panado com uma cobertura crocante com sabor a caril dominava o prato, dando-lhe a densidade necessária para satisfazer o apetite. O conjunto levava ainda uns adornos, como um gomo de bergamota e um apontamento de tomilho fresco.

Se o prato anterior nos tinha agradado este deslumbrou-nos. Não só pela mistura dos sabores, do lagostim, das molejas, das cenouras, sempre ligados entre si pelo paladar suave e o aroma do molho de caril……mas também pela combinação das texturas e consistências, do panado crocante do lagostim, da carne suculenta da moleja e das cenouras estaladiças……foi perfeitamente fantástico……definitivamente, o melhor prato da noite. Aumentaram as expetativas para o entrecôte americano, já só esperamos o melhor do grande Chef.

Era a hora do prato forte de carne, “Entrecôte Americano, Rabanetes, Beterraba, Rábano Picante”. Embora reconheça que não sou apreciador do paladar da beterraba, com aquele sabor a terra, mas fiquei expectante pelo entrecôte, acreditando que seria divinal.
O naco de novilho aparece envolvido por um molho entre o roxo e o grená, pelo domínio cromático da beterraba. Infelizmente, e tal como temia, também os sabores foram totalmente dominados pela presença da beterraba e do rábano picante, que tem um paladar semelhante. E dessa forma já estava estragada a carne, mas isso era apenas uma opinião muito pessoal, porque não gosto do gosto da beterraba. Mas o flop ainda foi mais longe, porque o próprio entrecôte estava seco e passado demais. Nem todos comeram a totalidade do prato o que motivou alguma preocupação por parte de um dos chefes de mesa, insistindo em repetir o serviço, invocando que a carne terá tido um tempo de espera exagerado e terá secado um pouco mais do que devia.….mas, com 2 estrelas Michelin, era o mínimo que podiam ter feito……de qualquer forma acabámos por não mandar repetir o prato.

Vou registar aqui apenas a desilusão que este prato nos deixou, sobretudo porque estávamos à espera de uma carne suculenta, do mais suculento que se pudesse imaginar…….mais à frente, no balanço final desta noite, não poderei deixar de voltar a referir este sentimento de frustração.

Continuando, e sabendo que nas degustações a doçaria desempenha sempre um papel relevante, avançámos animados para as sobremesas. Começámos também por uma cortesia do Chef fora do menu.
Um doce de pipocas, como uma espécie de mousse, um pouco mais consistente, com alguns topings estaladiços. Não sou fã de pipocas nem acho que o seu paladar vá bem como doce.


Uma outra cortesia do Chef foi constituída por uma série de ingredientes sobre os quais não fomos sequer informados, admitimos que era um mimo surpresa. 
Tentámos perceber o que era, mas ao fim de quase 3 h a degustar já nos era difícil adivinhar. Percebemos que tinha uma base de chocolates e uns nuts crocantes…..e que era muito bom. 

Entrámos de novo na ementa para a sobremesa oficial do menu de degustação, “Pêssego, Framboesa, Champanhe, Chocolate Branco”.
Uma panóplia de frutos que são autênticos mimos, acompanhados por um gelado de champanhe delicioso. Um conjunto muito equilibrado de paladares, com grande requinte........realmente maravilhoso.

Para o café foi ainda servida uma pedra onde se dispunham diversas pérolas da doçaria.
Uns delicados bombons de mousse de maracujá, umas pequenas tartes de amêndoa caramelizada, umas gomas artesanais de tangerina e uns chocolates de caramelo e mousse de kumquat.......uma delícia! 


Ficámos ainda pela noite fora a terminar o vinho, ao som de um pianista bastante virtuoso, que nos foi acompanhando com um repertório muito bem escolhido.


Antes da saída foi-nos ainda oferecido um último brinde, um batom reproduzindo uma imagem perfeita de um batom verdadeiro, feito em chocolate branco e azuleta, com um paladar bem agradável. 

Terminou assim uma noite fantástica num paraíso anunciado, um serviço de quase quatro horas com várias maravilhas da degustação, que nos proporcionou um momento muito agradável e, indiscutivelmente, uma experiência inesquecível.

Porém.......e há sempre um porém, não posso deixar o registo desta experiência sem referir alguns dos pontos fracos que foram também surgindo ao longo da noite. Saliento que a nossa expetativa era a mais alta possível, mas penso que era legítimo que assim o fosse......num restaurante com duas estrelas Michelin tudo tem que ser irrepreensível......e era essa a nossa ideia. Só por isso, por termos colocado a fasquia tão alta, é que sentimos que alguns detalhes ficaram aquém da expetativa e, por isso, vou referir aqui alguns deles.

Começo pelo preço......aliás, se o preço não fosse tão exagerado talvez estas críticas fizessem menos sentido.....mas não, é tudo muito, muito caro. Começa logo pelo menu, a 175 €, mas depois é tudo caríssimo….uma água a 10 €, um café a 5, e sobretudo os vinhos…….é um autêntico escândalo aqueles preços da carta dos vinhos.

Mas com preços tão altos então que tudo o resto fosse impecável. Mas não, nem o próprio serviço, apesar de toda a misancene no momento em que cada prato é servido, a verdade é que raramente fomos acompanhados por um chefe de mesa que nos informasse com detalhe o que estava a ser servido em cada prato, e esperava mesmo que nos pudessem falar um pouco mais sobre os pratos, afinal são eles próprios que os consideram como peças de arte, por isso devia ter sido mantido um certo élan artístico (como aliás já encontrei noutros restaurantes), mas que aqui não se verificou minimamente. Quando nos descreviam o prato, o que nem sempre acontecia, limitavam-se a papaguear o que aparecia escrito no menu e, em alguns casos, a informação foi mesmo transmitida por um dos jovens estagiários que só falavam inglês.....e nós éramos uma das poucas mesas de portugueses que ali estava, deveriam ter tido o cuidado de nos abordar na nossa língua. Chegámos ainda a fazer perguntas a alguns funcionários que nos responderam que só o chefe de mesa sabia responder.....pareciam os serventes a dizer que quem sabe é o encarregado. Realço contudo, no sentido oposto, a forma bem atenciosa e simpática de como fomos atendidos pelo sommelier durante a escolha dos vinhos.

A própria comida também teve os seus pontos negativos. Não critico o resultado de alguns dos pratos, porque há gostos diferentes e, quando se trata de arte, nem todos gostamos do mesmo quadro nem da mesma escultura....ou do mesmo prato. Mas achámos pouco conveniente o episódio do entrecôte que, segundo a explicação, demorou um bocadinho mais e passou do ponto. Não pode acontecer....era um dos pratos fortes da noite, aquela carne tinha que ser suculenta, a desfazer-se na boca, senão não era preciso fazerem entrecôte americano, faziam um bife da alcatra bem passado. É verdade que se desculparam e sugeriram a repetição do prato mas, num sítio destes, mais do que em qualquer outro local, as desculpas não se devem pedir mas sim evitar.......imagine-se que éramos críticos da Michelin, ficaríamos satisfeitos com uma nova rodada para ver se desta vez acertavam no ponto da carne? Certamente que não!

O ambiente.......aqui já estou a entrar um pouco em contradição, porque no início desta crónica referi que tínhamos encontrado um ambiente excelente. Mas não há contradição nenhuma. O ambiente é muito agradável, mas não é de todo a nossa praia. Algo formal, casais estrangeiros de meia (e alta) idade, poucos portugueses, poucos jovens.....um tipo de frequência muito à medida dos preços praticados mas também por ser um hotel de luxo no Algarve. Outros restaurantes igualmente caros, mas em Lisboa ou no Porto, têm uma frequência onde nos integramos de forma mais natural.

Embora não seja fumador, registo também com desagrado que o espaço destinado aos fumadores fosse tão descuidado. Até parecia que o hotel e o restaurante seriam smokefree e por isso não existiria de todo um espaço de fumo. Mas não, aquele canto do jardim era mesmo o local destinado a uma pausa para um cigarro, em vez de um espaço nobre e acolhedor como se exigiria.

Uma outra crítica, talvez uma das mais lamentáveis, tem a ver com a casas de banho que, no final da noite, deixaram de estar minimamente em condições, além da limpeza do espaço, não haviam sequer toalhas limpas para secar as mãos…….pareciam os WC’s de um estádio de futebol no fim do jogo (talvez esteja a ser um bocado severo, mas as estrelas Michelin potenciam o meu grau de exigência e o meu desagrado). 

Apenas um último apontamento sobre este texto……as descrições dos momentos de degustação que fui fazendo ao longo desta crónica podem conter algumas incorreções e, ainda assim, só foram possíveis pela atenção com que explorámos cada prato e pela persistência junto do pessoal de mesa, para tentarmos saber aquilo que nos estavam a servir, porque se não fosse dessa forma, teria sido impossível fazer qualquer tipo de descrição pormenorizada.

E uma última crítica, é mais uma desilusão do que uma crítica, foi a ausência do Chef passando pelas mesas, como acontece habitualmente nos restaurantes estrelados. Mas o senhor se calhar nem estava lá.....e se calhar foi mesmo por isso que aconteceram algumas das falhas mencionadas. Sendo este desfile de sabores uma mostra artística do seu criador, o Chef deveria ter aparecido.....tal como acontece, por exemplo, nos desfiles de moda, onde é habitual a presença do estilista na passerelle, no final do show. Era disso que estávamos à espera.....tanto mais que o próprio restaurante valoriza bastante essa presença, tendo mesmo uma alternativa, a que chamam “À mesa com o Chef”, uma experiência que se pode apreciar por um custo de 225 €. Mas nós não queríamos jantar com o Chef, nem estávamos à espera que ele nos oferecesse uma flûte de Moët & Chandon.....só lhe queríamos dar as boas noites…..mas não nos foi dada essa oportunidade, o que nos desiludiu.

Mas ainda assim, mesmo sem Chef e com algumas falhas, foi uma noite inspiradora que certamente não iremos esquecer.


Carlos Prestes
Agosto de 2015


domingo, 28 de junho de 2015

Benelux e Vale do Reno

Esta é a primeira viagem em que vou ter a oportunidade de relatar, em tempo real, a experiência que vamos vivendo, usando um livro de notas onde vou apontando as principais informações e registando as sensações mais marcantes ao longo de todo o percurso. Tudo começou na madrugada do dia 28 de junho de 2015, quando eu, a Ana e as minhas filhas mais novas, Beatriz e Marta, apanhámos um avião da KLM com destino ao aeroporto de Schiphol em Amsterdão.

Já em plenos Países Baixos alugámos um carro e saímos, estrada fora, à descoberta do chamado Benelux, uma abreviatura para a zona da Europa que integra a Bélgica, os Netherlands e o Luxemburgo. Programámos começar pelo litoral holandês, fazendo algumas paragens, ainda nas proximidades do aeroporto, seguindo depois para Sul até entrarmos na Bélgica.   


Madurodam:

Como aterrámos bastante cedo, levantámos o carro alugado e, antes das 10h da manhã, estávamos já a caminho de Haia, ou Den Haag, em holandês, a capital administrativa da Holanda (atualmente Países Baixos), e fizemos a primeira paragem para visitar o parque Madurodam.
O Madurodam foi construído em 1952 com dinheiro doado pela família Maduro em homenagem ao seu filho George Maduro, que tinha morrido em combate durante a ocupação nazi.

Trata-se de um parque localizado perto de Haia, onde se representa em miniatura uma parte das cidades e da paisagem campestre da Holanda. Concebido num modelo a uma escala de 1:25 com uma perfeição impressionante, o Madurodam é composto por alguns dos principais marcos da arquitetura holandesa, as casas típicas e os moinhos ao longo dos canais, o Palácio Real na praça de Dam, o Rijksmuseum, a torre da catedral de Utrecht, alguns dos portos e principais obras hidráulicas do país e o aeroporto de Schiphol, entre outros símbolos do país. Tudo isto se encontra representado com os mais ínfimos pormenores e a fazer lembrar uma cidade real, com os moinhos, os barcos, os carros e comboios, tudo em movimento.

A visita foi interessante, mas já sabíamos que este parque dificilmente nos iria deslumbrar, ainda assim, faz parte dos locais de referência da Holanda e, por isso, não deixa de ser um ponto de visita obrigatória a quem quiser conhecer um pouco deste país. 



Scheveningen:

Depois da visita ao parque de Madurodam demos um salto à praia vizinha de Scheveningen, onde fomos almoçar. Uma marginal imensa com um calçadão pedonal ladeado por restaurantes e, bem a meio, o imponente Hotel Kurhaus, com uma linha arquitetónica clássica a fazer lembrar os hotéis monumentais de outras épocas. 
Scheveningen é a estância balnear mais popular da Holanda com um enorme píer que, em tempos, terá servido como ponto privilegiado para observar o mar, a praia, o calçadão e o hotel, mas atualmente está em obras e com o acesso fechado.
A praia até pode ser interessante, mas só para os holandeses, e num dia de céu cinzento como este, nada daquilo nos encantou. Aliás, nós, os portugueses, não nos deslumbramos facilmente com zonas de praia, porque vivemos à beira de uma das costas mais fantásticas da Europa, por isso, e como já se esperava, foi apenas uma breve paragem para o almoço sem quaisquer surpresas.


Kinderdijk:

Mas, como estávamos na Holanda, quisemos procurar pelas paisagens holandesas mais típicas. Assim, seguimos na direção da cidade de Haia, que atravessámos, e continuámos depois até Roterdão, outra cidade holandesa de referência. A pouco mais de 20 km de Roterdão entrámos na zona rural de Kinderdijk, onde encontramos uma paisagem típica dos Países Baixos, com as imagens bucólicas dos canais com os seus moinhos.
Na verdade, quando imaginamos a Holanda como um país cheio de moinhos por toda parte, estamos completamente enganados, não é nada disso que vamos encontrar... mas, particularmente em Kinderdijk essa imagem torna-se realidade. Aliás, Kinderdijk é mesmo mundialmente conhecida por ser o local com a maior concentração de moinhos em toda a Holanda, o que lhe valeu o título de Património Mundial da UNESCO, juntando um conjunto de 19 moinhos de vento, construídos no século XVIII.

A visita ao local é gratuita, mas terá de ser feita caminhando. A alternativa é ir de barco ou de bicicleta (que é possível alugar no local), porque não podem entrar automóveis nem motos, (mas podem ficar no estacionamento por um preço de 5€ - em 2015). 

Há um museu e um moinho aberto para visita por um preço de 7,50€ (adultos) mas nós preferimos apenas passear entre os moinhos e fazer um percurso de barco nos canais, por 5€ os adultos e 3€ as crianças.
Fizemos uma caminhada demorada pelas margens dos canais junto aos moinhos mais próximos e íamos entrando e saindo da embarcação que escolhemos para este passeio, que nos levou até aos pontos mais afastados do local e pudemos chegar bem perto dos moinhos mais distantes. 

O ambiente é bucólico, as paisagens são encantadoras, autênticos cartões-postal de uma Holanda imaginada. 
Estes moinhos tinham deixado de funcionar em 1927 mas, na Segunda Guerra Mundial, com a dificuldade em conseguir combustível, os moinhos voltaram a ser utilizados, o que se manteve até aos anos 50. A função destes moinhos de vento era bombar as águas dos canais para um reservatório com o objetivo de manter o nível da água dos canais, evitando as cheias que sempre têm assolado a Holanda. 

A última grande cheia registada nesta região é uma história de encantar, que está na origem do próprio nome do local e da aldeia vizinha. Segundo a lenda, em 1421, durante a maior das cheias de que havia memória, o berço de uma criança foi mantido em equilíbrio por um gato até à encosta de um dique, tendo assim sido salva. E foi assim que este local foi batizado como kinderdijk (kinder significa criança e dijk significa dique).
Voltámos à estrada e fizemos um último percurso de 180 km, saindo da Holanda até à cidade belga de Bruges, onde iríamos dormir, fechando assim um dia quase infinito, que começou com a chegada ao aeroporto de Lisboa perto das 3 h da manhã.


Bruges:

Acordámos em Bruges, a bonita cidade belga que é capital da Flandres Ocidental, onde se fala a língua flamenga, e que é marcada pela presença de igrejas e dos seus carrilhões e pode ser associada a imagens saídas de contos de fadas. 

Bruges chega a ser chamada a "Veneza do Norte", por causa dos seus canais que a cercam e a atravessam... mas estes chavões em nada engrandecem ou diminuem, uma cidade que vale por si só, pelas suas paisagens e pela sua personalidade, e não precisa de comparações com quaisquer outras cidades.
À chegada a Bruges estávamos à espera de uma terra de sonhos e cheia de imagens de encantar. Mas talvez não tenha sido exatamente assim que a cidade se revelou. Não quer dizer que não achámos a cidade bonita, por que é efetivamente muito bonita, é só que, quando a expetativa é muito alta, a realidade nem sempre consegue lá chegar.

Mas, e repito, Bruges não deixa de ser uma cidade bem bonita, com uma arquitetura que nos situa nas terras de príncipes e princesas e com recantos de uma beleza sublime, que nos fazem apetecer ficar demoradamente naquelas ruas e praças, desfrutando do encanto que se vai descobrindo. Mas uma expetativa muito alta e o facto da cidade se encontrar repleta de turistas, não nos permitiu captar a plenitude dos seus encantos e ficámos com um ligeiro sabor a desilusão.

Assim, a quem decida visitar a cidade de Bruges, deixo apenas o conselho de moderar as expetativas, sabendo contudo que vai encontrar uma cidade com uma arquitetura bonita, cheia de igrejas, com recantos românticos e bucólicos, sobretudo nas margens dos canais, mas que não será fácil apreciar toda essa envolvente sem a presença constante de umas centenas de outros turistas com os mesmos objetivos.

Aqui encontrámos mesmo excursões de jovens onde todos usavam coletes refletores, transformando-os em autênticas manchas andantes, amarelas ou laranjas florescentes, que borravam a paisagem, supostamente medieval.

Mas, assumindo a cidade como ela é, não é difícil percorrer as ruas que nos levam às principais praças e aos monumentos mais relevantes e nos permitem encontrar as mais bonitas margens dos canais, e mesmo que não se goste muito de andar a pé, não são necessárias caminhadas muito exigentes.

O percurso que escolhemos levou-nos aos principais pontos de interesse, começando pela Igreja Nossa Sra. Mariastraat e pelos canais nas proximidades.
As paisagens dos canais são as mais bucólicas e mais encantadoras que podemos imaginar, sobretudo pela arquitetura medieval dos edifícios lindíssimos que se dispõem ao longo das margens, como se emergissem das próprias águas.

A poucos metros do canal principal chega-se à praça Burg, com um conjunto arquitetónico fantástico, que enverga o edifício da Câmara Municipal, o Stadhuis, construído no século XV, num estilo gótico luxuoso, mostrando o poder que Bruges ostentava na Idade Média.
Ainda na praça Burg, fica o santuário Heilig Bloedbasiliek, com uma entrada discreta e pequena que pode até passar despercebida. O acesso é bastante sóbrio, mas o interior da Basílica, cujo nome se traduz como a Basílica do Sangue Sagrado, guarda uma relíquia poderosa, um frasco que, supostamente, guarda o próprio sangue de Cristo. 

A rua Breidelstraat, com apenas 50 m, liga as duas principais praças da cidade, a Burg e a Markt. É uma rua repleta de lojinhas que vendem souvenires, gofres acabados de fazer e as famosas rendas de bilros da cidade (semelhantes às portuguesas), bem como de algumas lojas de chocolates belgas, como os Godiva.

A praça central, o Markt, é o coração de Bruges e ainda preserva boa parte de seu traçado original. Em tempos este local era chamado de fórum, tendo sido palco de muitos episódios da história da Flandres, desde batalhas a festas populares. 
Cada lado da praça é ocupado por edifícios de diferentes estilos e diferentes épocas. De um lado o grandioso Palácio Provincial e o antigo correio ocupam as edificações neogóticas. Num dos topos dispõem-se em sequência um conjunto de casas coloridas de quatro andares, muito bem conservadas, que parecem quase casas de brinquedo, atualmente ocupadas por esplanadas de cafés e restaurantes. 
Ao centro da praça fica a estátua de Jan Breidel e Piet de Konink, feita em 1887, em bronze e pedra, para homenagear o triunfo dos belgas numa batalha contra o rei da França, na revolução de 1302.
É também na praça central que fica o Belford ou Campanário de Bruges, principal símbolo da cidade. 

O Campanário de Bruges foi feito em etapas. Inicialmente, no século XIV, foram construídos o campanário e o corpo do prédio. Alguns anos depois, foi construído um terceiro trecho da torre, com secção octogonal (enquanto o corpo mais antigo é quadrado), levando-a até aos 80 m de altura. Assim a torre podia ser usada como observatório que servia, por exemplo, para evitar a propagação de algum incêndio, o que era bastante comum naquela época. 
Apenas eu e a minha filha Beatriz tivemos a coragem de avançar na escalada pela torre acima, subindo por uma escada em caracol de “apenas” 366 degraus para chegar ao topo e disfrutar de uma vista privilegiada sobre toda a cidade, e também para poder observar de perto o mecanismo do seu carrilhão que faz tocar 47 sinos. 

A Ana e a Martinha optaram por ficar a disfrutar de um gofre magnífico, numa daquelas esplanadas nas casinhas coloridas que se observavam lá do alto... mas logo nos juntaríamos a elas, também merecíamos o nosso gofre.

Depois de deambularmos pelas ruas envolventes à praça central, o Markt, e experimentarmos algumas das iguarias mais típicas, como os gofres, e até comprarmos uns souvenires, seguimos pela principal rua de comércio, a Steenstraat, passando pela Simon Stevinplein, uma praça cheia de esplanadas, totalmente repletas, neste dia de sol e calor, até chegarmos à catedral de Sint-Salvators.

No regresso até à ponte de saída do centro da cidade, para voltarmos ao hotel, passámos ainda pelo principal jardim da cidade, o Minnewaterpark, mais um recanto bucólico desta cidade belíssima.

Apesar da cidade ser relativamente pequena, este percurso ainda obriga a uma caminhada entre três e quatro quilómetros, mas existem ainda outras alternativas de caminhos que podemos percorrer. Na verdade, caminhamos sempre para além dos trilhos que estão representados no mapa, e vamos assim explorando outros recantos na envolvente das ruas e praças principais, menos notáveis, mas igualmente bonitos e interessantes. 

Mas há ainda uma outra hipótese de explorarmos esta cidade, que será fazermos um passeio de barco nos canais, aumentando a proximidade, e também a nossa entrega, nesta procura da face mais profunda da cidade... embora os canais, ao contrário do que acontece, por exemplo, em Amesterdão, não atravessem os principais pontos de interesse, cercando apenas o centro da cidade velha, mas, ainda assim, vão-nos dando uma perspetiva interessante daquilo que teria sido esta cidade medieval durante os séculos da sua existência.
 
Uma outra opção seria fazer um passeio de charrete o que me pareceu uma alternativa interessante, pelo menos para os mais preguiçosos (embora não tenha sequer sabido os preços, que não devem ser baixos, porque ali tudo é caríssimo). No entanto, esta proliferação de charretes pelas ruas do centro histórico provoca um efeito secundário bastante nefasto, com o cheiro a bosta de cavalo que domina a cidade, em vez daquilo que estaríamos à espera... que seria a mistura dos aromas vindos das casas de gofres e das chocolatarias.

Tivemos ainda a oportunidade de jantar numa das praças preenchidas por mesas e cadeiras das muitas esplanadas que a cidade oferece, e pudemos experimentar um dos pratos mais característicos da cozinha belga, os mules, ou mexilhões, que aqui se cozinham ao natural ou com vários tipos de molhos. O prato é bastante agradável e vale a pena experimentar pelo menos uma vez, embora os preços, como quase tudo nesta cidade, sejam proibitivos. Temíamos que viesse a ser assim em toda a Bélgica e até em toda a viagem mas, na realidade, Bruges foi mesmo a cidade mais cara que encontrámos.

Em jeito de balanço, referia atrás que houve uma pequena dose de desilusão, mas isso não quer dizer que Bruges seja uma cidade desinteressante, nada disso, e se dei essa ideia fui enganador. Foi só o problema de expectativas demasiado elevadas, porque, na realidade, Bruges foi mesmo um dos destinos mais interessantes de toda esta viagem e, claramente, uma das cidades mais bonitas da Bélgica. 

Raramente faço referência aos hotéis onde ficamos porque raramente esses hotéis têm importância relevante na viagem. Mas em Bruges o hotel foi uma agradável surpresa. Situado fora dos limites da cidade velha, que são materializados pelo canal principal, mas apenas a escassas centenas de metros, oferece facilidades de estacionamento, o que se torna impossível nos vários hotéis do centro. O hotel, o Bed&Breakfast Filemon&Baucis é um espaço extremamente acolhedor, numa casa antiga totalmente recuperada com muito bom gosto e com uma decoração de estilo romântico, cheia de peças de grande requinte, tornando os quartos e os espaços comuns muito bem decorados e bastante aprazíveis. A dona do hotel foi uma simpatia e, para completar, o pequeno-almoço foi divinal, o que não é nada habitual por estas paragens. Por isso, recomendo vivamente este hotel pelo deixo aqui o link para acesso à respetiva página de Facebook (apesar de não ter qualquer interesse direto ou indireto):


Gent:

Saindo de Bruges a caminho de Bruxelas, encontramos Gent a escassos 40 km. A cidade de Gent, que é também chamada pelo nome de Gante, é mais uma belíssima cidade da parte flamenga da Bélgica,.
Ao contrário de Bruges não tínhamos quaisquer expectativas relativamente a esta visita, o que talvez tenha sido decisivo para que, no final do dia, tivéssemos ficado surpreendentemente maravilhados. 

A cidade é fantástica, com catedrais e igrejas monumentais, e até um castelo, todas muito próximas umas das outras, num centro histórico banhado por um canal que faz com que esta cidade seja muito peculiar, diferente de qualquer outra cidade, na Bélgica como na Europa. 

E essa é uma característica bastante relevante. Na verdade, há uma tendência para que as cidades, em determinadas zonas e, neste caso, no centro da Europa, sejam muito semelhantes. Os centros históricos quase não se distinguem entre si, a menos de pequenos detalhes que resultam, por vezes, de algum monumento que se diferencie do comum. Existem depois as cidades mais do norte, como as holandesas, que são atravessadas por canais e apresentam, também elas, semelhanças entre si. É esse o caso da cidade de Bruges que podia ser uma cidade holandesa. Mas Gent é diferente de todas essas cidades, tem uma personalidade própria e isso constitui, desde logo, um grande atrativo para os visitantes. 

Gent é a capital da província de Flandres Oriental e chegou a ser uma das cidades mais ricas e prósperas do Norte da Europa. Hoje é a terceira maior cidade da Bélgica e tem pouco mais de 200 mil habitantes. Não é uma cidade muito grande, mas o seu esplendor arquitetónico mantém-se bem preservado. Além disso, é uma cidade bem animada por ser uma das cidades universitárias belgas, é muito frequentada por jovens, é alegre e movimentada, servindo de palco a festivais de música e cinema.

O centro histórico não é muito grande e pode-se perfeitamente caminhar passando pelos principais pontos de interesse. Foi isso que fizemos, caminhámos pelas principais ruas e praças, deambulando por entre monumentos e casas que parecem ter saído dos contos de fadas. O percurso passa obrigatoriamente por alguns dos principais monumentos.

Começámos junto ao canal e à rua pedonal, ambos com o nome de Kraanlei, em direção à praça Vrijdagmarkt. A praça fica em torno da estátua de Jacob van Artevelde, um antigo líder da cidade. A maior parte dos edifícios remontam ao século XVIII, mas já desde o século XII que a praça serve de palco a um mercado semanal. Logo à saída da Vrijdagmarkt surge a imponente igreja de Sint-Jacobskerk.


Seguimos depois atravessando uma das principais ruas de comércio, a Hoogpoort, em direção à Pensmarkt e à praça seguinte, a Korenmarkt. Cheia de esplanadas e com centenas pessoas na rua é aqui que o centro desta cidade palpita.


Do outro lado da praça fica o Post Plaza, a antiga sede dos correios, um imponente edifício em estilo neogótico, atualmente em obras para se tornar num shopping grandioso.
Chegados à rua Sint-Michielspleis é possível observar o alinhamento das três principais torres da cidade de Gent, razão pela qual lhe é dado o nome da "cidade das três torres".
A primeira das três torres é a da Igreja de St. Nicholas (Sint Niklaaskerk), construída no século XIII em estilo gótico, dedicada ao padroeiro dos mercadores. 
A torre seguinte é a do campanário (Belford) de Gent, que teve a sua origem do século XIV. O campanário foi construído para servir como torre de vigia, alarme e relógio e é um ponto de referência na cidade com os seus 90 m de altura. 
No final da rua surge a praça de St. Bavo, em torno da qual terá nascido a cidade e é por isso considerada como o coração de Gent. É aí que fica a terceira torre, na Catedral de St. Bavo (Sint Baafskathedraal), em estilo gótico, feita ao longo de vários séculos, entre o Séc. X e o Séc. XVI. 
Regressando no sentido oposto desde a Catedral de St. Bavo até ao canal que atravessa o centro histórico, chega-se à ponte de St. Michael. 

Esta é uma das zonas mais encantadoras da cidade, parece um porto medieval com uma paisagem lindíssima, com a imagem das casas junto às águas calmas do canal, que já serviu como principal ponto de comércio para os mercadores europeus. 





Foi nesta zona que nos demorámos mais tempo, e foi junto a essas margens do canal que escolhemos uma das muitas chocolatarias, a Chocolaterie Cédric Van Hoorebeke, onde comprámos algumas obras de arte da chocolataria belga. 

Os belgas orgulham-se de produzir alguns dos melhores chocolates do mundo. Normalmente são pequenos bombons com recheios delicados e coberturas do mais fino chocolate. As lojas de chocolate são também, elas próprias, dignas de uma visita, pelo modo como expõem os bombons em vitrinas de forma quase preciosa, como se fossem joias e estivéssemos numa ourivesaria. 

Selecionámos alguns exemplares, entre pralinés, gianduias, ganaches e outras pérolas. Escolhemos depois a esplanada de uma cervejaria, ainda junto ao canal, onde se podiam experimentar algumas das cervejas produzidas na Bélgica e onde acompanhámos os bombons comprados anteriormente com cerveja artesanal.

Talvez não seja um hábito gastronómico belga mas está mesmo a pedir que se juntem estas duas especialidades locais, acompanhando chocolates com cerveja... para mim faz todo o sentido e é delicioso.

Continuando ao longo do canal chegámos ao castelo de Gravensteen, uma fortaleza medieval que, inesperadamente, surge em pleno centro histórico da cidade.

O castelo parece 
Terminámos a visita à cidade em cerca de quatro horas, percorrendo os trilhos assinalados neste mapa e visitando os principais pontos de interesse do centro histórico.
 
Numa época de dias grandes, sobretudo nesta zona Norte da Europa, em que o sol se põe para lá das 10 da noite, permite-nos esticar os dias até nos levar quase à exaustão. Neste dia não será diferente e partimos para Bruxelas onde iríamos ficar duas noites e passar ainda o final deste dia. A viagem era de apenas 50 km de autoestrada mas que se revelaram difíceis de percorrer. 


Faço agora uma referência à rede de estradas que encontramos ao longo deste país, que é um ponto importante para quem viaja de carro. Foi na Bélgica que foram criadas as autoestradas tal como as conhecemos, com os sentidos do tráfego separados. Inclusive, na Bélgica, todas as autoestradas são totalmente iluminadas, e não apenas nos nós de ligação, como acontece em Portugal e na maioria dos outros países (o que não fez diferença nenhuma, porque só fazia noite quase às 23 h). Mas, o melhor é que não se paga qualquer portagem ao longo das muitas centenas de quilómetros de autoestradas belgas. Porém, como não há bela sem senão e, não havendo concessionárias de autoestradas, não há também obrigação em garantir que o tráfego se mantenha com o mínimo de perturbações, o que faz com que as obras de reparação decorram durante as horas do dia e mesmo nas horas de ponta, impondo estrangulamentos por cada local de interrupção... e são muitos. Ora, o resultado é que estamos sempre sujeitos a filas enormes, como foi o caso deste percurso entre Gent e Bruxelas, em que demorámos 1h30m para percorrer apenas 50 km. E uns dias depois, já a caminho de Luxemburgo, voltámos a passar pelo mesmo inferno.


Bruxelas:

Chegados a Bruxelas tivemos ainda uma receção semelhante no que se refere ao trânsito. A Av. Anspachlaan, onde ficava o nosso hotel e que é uma das principais artérias de acesso ao centro histórico da cidade, depois de toda uma vida comportando automóveis, foi cortada ao trânsito tendo passado a ser definitivamente uma rua pedonal, tal como outras ruas de ligação a esta avenida principal. E esta alteração, que provocou o caos na circulação automóvel na cidade, tinha que acontecer exatamente no dia em que lá íamos chegar. Assim, o GPS mandava-nos por uma rua e os polícias indicavam-nos outros caminhos. Um autêntico pandemónio com os túneis que cruzam toda a cidade e distribuem depois o tráfego pelas várias saídas para o centro, a ficarem totalmente entupidos. Conclusão, passámos uma hora dentro de um túnel para fazer apenas 6 km. Mais do que um conselho para futuros viajantes, esta referência é só um desabafo... tantas vezes dizemos, a respeito de Portugal, que só neste país é que estas coisas acontecem mas, afinal, acontecem coisas bem piores em países ditos civilizados.

A primeira noite na cidade acabou por ser bem agradável naquele conjunto de ruas que se tornaram pedonais naquele mesmo dia, o que levou centenas de pessoas a sair àquela hora e a permanecerem em pleno asfalto, usando skates ou bicicletas, ou ficando apenas sentados em grupos, bebendo e fumando…provavelmente algumas substâncias menos lícitas.

Mas, a verdade é que, naquela noite, Bruxelas estava uma cidade espantosa, cheia de vida na rua, naquele que foi o primeiro dia de uma cidade nova que ali tinha acabado de nascer.

Para o dia seguinte tínhamos planeado fazer uma caminhada passando pelos principais pontos de interesse da cidade, seguindo mais ou menos os pontos representados neste mapa:
 
Apesar do centro principal da cidade ser a Grand Place, para onde convergem todos os caminhos, acabámos por fazer um percurso ao longo das atrações mais periféricas, localizadas na envolvente, de forma a acabar depois o dia mais perto do centro histórico.

Fizemos um percurso passando por alguns dos locais mais interessantes, tendo começado pela Catedral de St. Michael, uma igreja católica romana do Séc. XVI localizada no monte Treurenberg.
Passámos depois pelas estátuas de bronze de Don Quichotte e do seu servo Sancho Panza, próximas da estação ferroviária da cidade, a Gare Central, que muitos anos atrás me tinha acolhido na minha primeira chegada à cidade de Bruxelas.
Continuando na mesma rua, bem na proximidade da Grand Place que, propositadamente, quisemos deixar para mais tarde, chegámos ao Mont des Arts. Uma zona elevada que oferece uma das melhores vistas da cidade. Na paisagem destaca-se a famosa torre da câmara municipal de Bruxelas, na Grand Place, que é sempre bem visível. Num dia com boa visibilidade, como acontecia neste dia, consegue-se ver ao longe a basílica Koekelberg e até mesmo o Atomium.
Mais à frente chegámos ao Parque de Bruxelas, também designado por Quartier Royal, um imenso jardim que termina, num dos lados, no Palais Royale, o palácio oficial do rei da Bélgica na cidade de Bruxelas.

Passámos algum tempo no parque, aproveitando a aragem e o fresco das zonas sombreadas, que nos ajudaram a carregar baterias, num dia tão inesperadamente quente com que Bruxelas nos recebeu. Mais tarde, observámos o imponente Palais Royale onde observámos alguns movimentos com a saída de membros da família real, e com a expectável azáfama por parte dos seguranças do palácio. 
Seguimos depois pela Place Royal, uma praça construída no local do antigo mercado da cidade, junto ao palácio de Coudenberg. O palácio sofreu um grande incêndio em 1731, tendo destruído grande parte dos edifícios daquele complexo. A praça foi entretanto reconstruída até 1780, com novos edifícios e monumentos, em que o palácio original foi reconstruído e é utilizado atualmente a Igreja Saint Jacques-sur-Coudenberg.
Ainda nesta mesma praça encontramos os Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique e, localizado bem ao centro, está a estátua equestre de Godfrey of Bouillon, um dos líderes da primeira Cruzada no século XI.
Continuámos pela Rue de La Régence e passámos até à Église Notre-Dame du Sablon, om bonita catedral, e chegámos depois à Place Poelaert, onde se destaca o imponente edifício do Palais de Justice.

É o edifício do tribunal mais importante na Bélgica e um dos maiores tribunais do mundo. Foi construído entre 1866 e 1883, em estilo eclético pelo arquiteto Joseph Poelaert, que dá o seu nome à praça. O palácio terá sido o maior edifício construído no século XIX e constitui um marco notável de Bruxelas.

No percurso seguinte fomos entrando gradualmente no centro histórico e fizemos uma paragem na junto à pequena estátua, quase ridícula de tão pequena, mas que tem o peso de ser o principal ex-líbris desta cidade, o Manneken Pis.

Trata-se de uma fonte constituída por uma pequena estátua em bronze de um menino a urinar. As fotografias de primeiro plano tiradas à estátua, que surgem em postais ou folhetos turísticos, dão uma sensação errada da sua verdadeira estatura, parecendo muito maior do que é na realidade, uma vez que a estátua apresenta a dimensão real de um bebé... o que deixa os turistas desapontados.
Entrámos depois no centro da cidade, a caminho da Grand Place, através da Rue de l'Etuve, onde as lojas de souvenires para turistas se misturam com as montras decoradas por gofres com as mais variadas e coloridas coberturas, dispostos de forma apelativa para fazer babar quem vai passando e que acaba quase sempre por ceder à tentação, como aconteceu connosco.
Quaisquer que sejam as ruas escolhidas nesta zona do centro encontraremos as ditas casas de gofres, as esplanadas dos inúmeros restaurantes, ou as sofisticadas chocolatarias belgas, por onde se vão atropelando centenas de turistas, seguindo por trajetos diferentes mas que acabam sempre por convergir no coração da cidade, a Grand Place.

A Grand Place é o centro geográfico, histórico e comercial de Bruxelas e o local mais visitado por todos os turistas. Uma praça empedrada, sempre movimentada, onde se mantém em funcionamento o centro político da cidade, passados séculos da sua criação. Trata-se do melhor exemplo da arquitetura barroca do século XVII, mas a sua origem remonta ao século XI, quando se realizavam mercados ao ar livre naquele local. No entanto, o seu edifício principal, o Hotel de Ville, só foi construído no final do século XIV. Em 1695, dois dias de intensos bombardeamentos franceses, destruíram todos os edifícios à exceção do Hotel de Ville. A praça foi então reconstruída com a imposição do estilo arquitetónico por parte do conselho municipal, originando assim a harmoniosa unidade de edifícios da renascença flamenga que se vêm ainda hoje.

A arquitetura na Grand Place é única e grandiosa e como não se trata de uma praça muito grande, com cerca de 110 x 60 m2, a concentração de monumentos com aquela impressionante riqueza arquitetónica, dá-nos a sensação de que aquele local é quase um museu de arquitetura, onde se observam lado a lado, e sem qualquer vestígio de arquitetura mais moderna, palácios, palacetes, um conjunto de edifícios adornados com fachadas artísticas, e sobretudo o majestoso edifício do Hotel de Ville, a Câmara Municipal da cidade. Com a sua fachada gótica, ocupa toda a zona sudoeste da praça e é esplendoroso com as suas inúmeras colunas decoradas, torreões, arcadas e estátuas, como a de São Miguel (padroeiro da cidade) colocada no cimo da sua maior torre. Atualmente, como outrora, funciona ainda como edifício oficial da Câmara Municipal da Bruxelas.
Nos outros alçados da praça dispõem-se os restantes edifícios, não tão altos como a torre da Câmara Municipal, todos eles com uma arquitetura sofisticada e sublime, como a Maison du Roi, uma antiga residência de monarcas que é hoje o Musée de la Ville, onde estão expostos vários quadros e tapeçarias do século XVI, ou o Le Pigeon, outrora a residência do escritor Victor Hugo. 

Contudo, a probabilidade de encontrarmos alguns destes edifícios com obras de recuperação é muito grande. E foi o que aconteceu nesta altura em que um dos lados da praça estava tapado por uma tela enorme reproduzindo as fachadas que encobria, onde estariam a decorrer trabalhos de restauro. 

Outra das perturbações que podemos encontrar é a utilização da praça como arena de espetáculos. Sendo este o local mais central da cidade é natural que ali se realizem alguns eventos que poderão descaracterizar, mais ou menos, os aspeto original da praça. Nesta altura existiam dois grandes blocos de bancadas e, numa das noites, o local transformou-se numa imensa festa medieval, com centenas de atores e figurantes, reproduzindo todo o tipo de acontecimentos medievais, num festival de luzes e som. Embora se tratasse de um evento apropriado à época a que a praça nos transporta, e as cores das luzes tivessem dado uma dimensão grandiosa àqueles edifícios, talvez tivesse sido mais conveniente poder ver a praça tal como ela é, sem adereços e sem bancadas, sem atores e sem cenários.

Demorámo-nos naquela zona envolvente à Grand Place, onde acabámos por almoçar as famosas frites de Bruxelas, batatas fritas aos palitos que são vendidas em cartuchos, como as castanhas assadas, e que pingam gordura e colesterol por todo o lado, mas que ainda molhamos na maionese, para que a overdose se complete……de qualquer maneira, tínhamos que provar este clássico da cidade e que acabaram por nos saber bastante bem, devidamente acompanhadas por uma das típicas cervejas belgas. Mas para que a glicémia não ficasse desequilibrada em relação aos picos de colesterol, já tínhamos ido aos gofres e, mais à noite, iremos aos chocolates artesanais e aos macarons, sempre com uma cervejinha bem fresquinha, que vai bem com tudo.

Ainda nas proximidades existem alguns locais interessantes, como é o caso das Galeries Royales Saint-Hubert, com entrada pela Rue du Marché aux Herbes. As galerias são compostas por dois edifícios principais, cada um mais de 100 metros, a Galerie du Roi e a Galerie de la Reine, separadas pela Rue des Bouchers, e por uma galeria menor, perpendicular às outras, chamada Galerie des Princes. Desde a sua abertura, a meio do século XIX que estas galerias, que albergam lojas, cafés, restaurantes e auditórios, constituem um polo fundamental da moda e da cultura da cidade. Os visitantes são atraídos sobretudo pelas marcas de luxo, pelos elegantes cafés e pelos espaços culturais, onde se incluíram o Théâtre du Vaudeville, o Cinéma des Galeries e o antigo Café des Arts, que, até à última década do século XIX, serviu de ponto de encontro para pintores e escritores da época, incluindo a comunidade de refugiados franceses ilustres, como Victor Hugo, Alexandre Dumas e outros. Uma placa comemorativa recorda a primeira exibição da câmara de cinema dos irmãos Lumière em 1896. 
Saímos pela Rue des Bouchers, a rua que separa as duas galerias principais, uma rua pedonal com enorme frequência turística que concentra um grande número de restaurantes com esplanadas. Caminhámos até à Place de la Monnaie onde se situa o teatro La Monnaie de Munt, que é atualmente a Ópera Nacional da Bélgica. Entrámos depois pela Rue Neuve, uma rua pedonal que funciona como um centro comercial, com lojas de um lado e do outro. Quando atingimos a Av. Anspachlaan, aquela que passou a ser exclusivamente pedonal no dia anterior e onde ficava o nosso hotel, fizemos o percurso de volta até à Place de la Bourse, com o imponente edifício do Palácio da Bolsa de Bruxelles. A envolvente do Palácio da Bolsa é uma das zonas mais frequentadas pelos habitantes locais, que deixam a Grand Place para os turistas, apesar da proximidade entre estas duas praças, nota-se bem a diferença no tipo de frequência. 
Estávamos no final da tarde, de um dia que seria enorme como os anteriores, com um pôr-do-sol que se esperava para depois das 22h30. Foi tempo para uma pequena pausa no hotel e para uma nova saída, desta vez de carro. 

Assim, depois da árdua tarefa de sair de carro do centro de Bruxelas, chegámos à zona do Atomium.
Trata-se de um monumento feito em aço inox, construído propositadamente para a exposição mundial de 1958, e que é atualmente um dos símbolos mais emblemáticos e representativos da cidade. O Atomium representa a estrutura de uma molécula de ferro, ampliada 165 biliões de vezes e cada uma das nove esferas tem 18 metros de diâmetro e estão ligadas umas às outras por tubos onde foram instaladas escadas rolantes, permitindo assim visitar o seu interior. Também optámos por não ir, os bilhetes eram caros demais para o interesse proporcionado. 
A zona do Atomium é também ocupada por um parque temático, o Little Europe, com miniaturas dos vários países da Europa, incluindo, por exemplo, a nossa Torre de Belém. Não entrámos, desde logo porque tinha fechado às 17h, mas também não entraríamos….não nos pareceu nada interessante.


Mas neste complexo existe ainda um outro local importante, um dos estádios mais marcantes de toda a história do futebol, e pelas piores razões……o estádio do Heysel que, durante décadas, foi o mais importante estádio de Bruxelas e da equipa principal da cidade, o Anderlecht.

Em 1985, numa final da taça dos campeões europeus entre o Liverpool e a Juventus, as claques dos dois clubes envolveram-se em confrontos, provocando a fuga do público em massa, o que originou que as pessoas dos lugares junto às grades que separavam os vários setores das bancadas, tivessem começado a ficar desesperadamente comprimidas. Morreram 39 pessoas na bancada de adeptos da Juventus esmagados pela pressão da grande massa de adeptos que se deslocava fugindo dos conflitos. Foi uma das mais negras páginas da história do futebol mundial, que contribuiu para que a Inglaterra estivesse vários anos sem acesso às competições europeias, tendo, a partir dessa data, implementado um conjunto de medidas severas contra o holiganismo, o que veio a ter efeitos perfeitamente visíveis, sendo hoje justamente a Inglaterra, um dos locais em que o futebol se tornou menos violento, com a presença constante das famílias nos estádios.

Não visitámos aquele estádio, não é sequer visitável, mas reavivei a memória daquele dia negro em que, pela televisão e em direto, segui aquela tragédia, que me marcou durante anos e mudou a minha forma de encarar os espetáculos de futebol.

No caminho de volta ao centro passámos ainda pela maior catedral da cidade, a basílica Koekelberg ou Basilique Nationale du Sacré-Coeur, uma das dez maiores igrejas católicas romanas do mundo. Feita em betão armado e revestida a tijolo maciço, a igreja apresenta duas torres finas e uma cúpula na nave central que atinge 89 m de altura e está revestida a chapa de cobre de cor verde, dominando o horizonte noroeste da cidade de Bruxelas. A igreja foi dedicada ao Sagrado Coração, inspirada no Sacré-Coeur de Paris, e a sua primeira pedra foi lançada simbolicamente pelo Rei Leopoldo II em 1905. A construção foi interrompida pelas duas guerras mundiais atrasando a conclusão da basílica, que aconteceu apenas em 1969. 
À noite voltámos ao centro, à mesma praça e às mesmas ruas, igual ao dia e igual à noite anterior. Percorremos a envolvente da Grand Place onde existem ruas com esplanadas de restaurantes que são quase ruas temáticas, restaurantes belgas, italianos, gregos......cada especialidade em sua rua……como a Rue des Bouchers ou a Rue des Brasseurs. Optámos pela comida italiana, que é sempre uma garantia de qualidade seja em que país for.

Depois voltámos às lojas da arte do chocolate, por exemplo, na Rue au Beurre, com montras que nos prendem o olhar e a gula, com macarons de todas as cores e paladares e chocolates de fabrico artesanal, alguns deles são pequenas esculturas de sabor e glicémia, ou de fabrico mais industrial, mas de marcas top, como a Godiva.
E finalizámos o dia e esta visita a Bruxelas, no local em torno do qual toda cidade gravita, a Grand Place. Desta vez transformada num cenário medieval numa profusão de luz e cor que deixava a praça com um aspeto ainda mais sofisticado.


É sempre assim em Bruxelas, pelo menos para nós, turistas, que não conhecemos outros locais de interesse mais reservados……tudo gira à volta do centro de gravidade que é a Grand Place


A minha memória, de há quase 30 anos, na minha única visita à cidade, já era quase exclusiva da Grand Place e das ruas vizinhas. Mas mesmo a Ana, que esteve 6 meses em Bruxelas a fazer Erasmus, há 20 anos, tinha exatamente a mesma memória……sempre aquele centro histórico, sempre aquela praça, sempre uma enorme concentração de turistas.


E assim, a Bélgica fica vista para mais 20 anos……


Dia 4:

Antes da saída de Bruxelas fizemos ainda dois desvios dentro da cidade. Primeiro junto das instalações da Comunidade Europeia, com um acesso muito condicionado e o trânsito entupido e com dificuldades em chegar aos estacionamentos devido a obras. Esta zona pareceu-nos pouco interessante do ponto de vista turístico, porque, embora lá estejam os grandes edifícios da CEE, não se torna nada fácil chegar lá perto, pelas dificuldades no trânsito, mas também devido aos perímetros de segurança que são garantidos, sobretudo em ocasiões das principais reuniões e cimeiras. Mas a zona não nos traz nada mais que não seja a possibilidade de reconhecer algum edifício que tenhamos visto nos telejornais. 


O outro desvio foi uma breve paragem na faculdade de engenharia onde a Ana tinha estado a fazer Erasmus, 20 anos atrás, apenas para avivar memórias.


Partimos então para mais um dia de viagem e mais um país, o nosso próximo destino seria o Gran Ducado do Luxemburgo.
O Luxemburgo é daqueles países que não tem razão aparente para existir. Entalado entre a Bélgica, a França, e a Alemanha, parece ser um bocado de terreno que ninguém quis. Mas a realidade é diferente. O Luxemburgo desempenhou sempre um papel geoestratégico naquela zona da europa, funcionando muitas vezes como fiel da balança nas várias disputas de poder que envolveram alguns dos poderosos países vizinhos, ao longo dos séculos.

Mas ainda hoje parece-nos que o país não faz sentido. Tão pequeno e nem uma língua materna consegue ter, com o francês, o alemão e o próprio luxemburguês, como línguas oficiais, e admito que, com a quantidade de portugueses que lá vivem, a língua portuguesa será também quase uma língua oficial alternativa. 

Mas apesar desta falta de personalidade, a verdade é que o Luxemburgo tem hoje, como no passado, uma posição na Europa perfeitamente definida, com um papel ativo nos processos da governação europeia.

E é um país que permite um bom nível de qualidade de vida, embora a grande quantidade de emigrantes portugueses que lá vivem, e são muitos, privilegiem sobretudo o acumular das poupanças e não tanto a qualidade de vida no dia-a-dia. Mas há indicadores interessantes, como o salário mínimo de 1.900 €/mês, que é o mais elevado de toda a Europa. O custo de vida é caro, mas não mais que nas vizinhas Bélgica, França ou Alemanha……mas também não parece que a comunidade portuguesa frequente assim tanto restaurantes e hotéis, ou lojas de roupa, por exemplo……por isso deve dar para amealhar um bom dinheiro. 


Como polo turístico a cidade do Luxemburgo não é particularmente interessante. Não é contudo mais uma cidade do centro da Europa. Tem um formato diferente do habitual por se localizar em torno de um vale cavado, que é ligado por várias pontes que nos permitem contemplar os dois lados da cidade e a parte mais baixa da cidade, que ocupa o próprio vale ao longo do rio.

Fizemos um percurso que nos levou ao longo da zona histórica da cidade que, apesar de não ter sido muito extenso, foi penoso, devido aos 30 e muitos graus com que a cidade nos aguardava.


Começámos pela travessia da Pont Adolphe ou Adolphe-Brücke, no sentido oposto ao centro histórico. Com um vão central de 90 m, a Pont Adolphe era a maior ponte em arco de alvenaria de pedra, quando foi construída no início do século XX. O seu nome vem do Grão-Duque Adolphe que reinou no Luxemburgo entre 1890-1917 e a sua finalidade era garantir a travessia do Vale Pétrusse, ligando assim os dois lados da cidade. 

A ponte tornou-se um símbolo nacional não oficial por representar a independência do Luxemburgo, e tornou-se uma das atrações turísticas da cidade. 

Mas não tivemos sorte e apanhámos a ponte em trabalhos de reforço e reabilitação estrutural e alargamento do tabuleiro. Para garantir as condições de segurança para a população, a ponte foi totalmente coberta por uma tela de proteção que a ocultava completamente. 

Do lado oposto da ponte passámos pelo edifício da Alta Autoridade da Communauté Européenne du Charbon et de l'Acier, isto é, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA).
Entrámos depois na Avenue de la Liberte, uma avenida a fazer lembrar os boulevards parisienses, até à Place des Martyrs, onde fizemos uma pausa, até regressarmos de novo ao vale, para o voltar a atravessar, desta vez no sentido do centro histórico da cidade.
A ponte utilizada nesta nova travessia foi a Passerelle. Um viaduto construído entre 1859 e 1861 para ligar o centro da cidade à nova estação ferroviária do Luxemburgo, que foi localizada na margem sul do vale Pétrusse. É feita em alvenaria, com 24 arcos e tem 290 m de comprimento e uma altura de 45 m. É também conhecida como a ponte velha, sendo que a nova ponte, nessa comparação, será a ponte Adolphe. 

Do lado norte do vale, no centro histórico da cidade, parámos na Catedral de Notre-Dame. É a igreja mais importante do país e a catedral da Arquidiocese do Luxemburgo. Trata-se de um edifício gótico do séc. XVII, que tem uma estátua da Virgem no portão principal, cercada pelos apóstolos Pedro e Paulo, e pelos jesuítas Inácio de Loyola e Francisco Xavier. Posteriormente, uma estátua de São Nicolau completa o conjunto.
Mais à frente, em pleno centro histórico, passámos pelo Palais Grand-Ducal, o palácio da residência oficial do Grão-Duque do Luxemburgo para o exercício das suas funções como Chefe de Estado. 
Durante a ocupação alemã, na Segunda Guerra Mundial, o Palácio Grão-Ducal foi usado como estalagem e salão de concerto pelos nazis. Nesse período várias mobílias e obras de arte do palácio foram destruídas ou pilhadas. Com o fim da guerra, no ano de 1945, e com o regresso da grã-duquesa Charlotte, o palácio tornou-se novamente a sede da corte. Entretanto, e ainda sob a supervisão de Charlotte, o palácio foi redecorado durante a década de 1960. Desde então, o seu interior, que não se encontra aberto ao público, tem sido regularmente renovado para ficar compatível com os padrões modernos de conforto.

Seguimos depois até à fortaleza do Bock, um miradouro privilegiado sobre o bairro do Grund, onde se situam as Casemates du Bock, que foram as antigas muralhas da cidade de Luxemburgo, da época da sua fundação, por volta do ano 1000 e que, em 1994, foram declaradas pela UNESCO como património da humanidade. Atualmente estão abertas ao público durante a primavera e o verão. A visita a este lugar pode ser interessante, embora não seja recomendável para claustrofóbicos, cheia de passagens e cavernas ocultas. 
A partir da fortaleza podem contemplar-se diferentes paisagens da cidade, com destaque para a vista sobre o Grund, um bairro que foi considerado património da humanidade e que fica lá em baixo no fundo do vale. É um bairro típico e muito calmo, que se desenvolve ao longo das margens do rio, de onde se salienta a igreja de St. Jean du Grund.

Voltámos até ao centro passando desta vez pela Rue du Cure, uma rua pedonal de comércio com imensas lojas e que é a única rua onde se regista alguma azáfama. 

Da Rue du Cure descemos até à Place Guillaume II que fica a situada no coração do centro histórico da cidade, no bairro Ville Haute. A praça é dominada pelo edifício da Câmara Municipal e pela estátua equestre do antigo Grão-Duque Guilherme II, que dá o nome à praça. 
Antes de terminarmos o dia passámos pela Place d'Armes onde jantámos. Estava uma grande animação com o som da música que saía de um palco, onde decorria uma festa popular que fazia lembrar as festas de verão das nossas aldeias... seria só coincidência ou haveria dedo de portugueses por detrás daquele evento.... acredito bem que sim.

No caminho de volta o hotel, eram já quase 22 h, apesar do sol estar ainda visível, voltámos à Place de la Constitution, onde surge a estátua dourada, iluminada pelo sol que começava a alaranjar, do Monument du Souvenir. 
A Place de la Constitution, mais que uma praça é sobretudo um miradouro, com uma vista ampla sobre o vale Pétrusse, entre as pontes Adolphe e Passerelle. 

Foi naquele local que permanecemos o tempo que faltava para que o dia acabasse, observando o verde intenso do vale e os monumentos de tons amarelados pela luz do pôr-do-sol que se começava a desenhar.
E foi desta forma que conhecemos uma nova cidade e um novo país que, como era esperado, não nos prendeu o suficiente para termos vontade de querer voltar. 


Dia 5:

Fizemos um percurso de 190 Km atravessando a fronteira com a Alemanha, entrando no vale do rio Rhein ou Reno, como o conhecemos, que iremos percorrer ao longo das suas margens, passando por aldeias pitorescas, por encostas de um verde vivo, algumas cobertas de vinha, e onde se salientam os vários castelos e palácios que marcam a paisagem do vale. No final do dia chegaremos a algumas das grandes cidades alemãs que são banhadas pelo rio Reno.
O Vale do Reno é a região envolvente do rio com o mesmo nome, que se estende desde os Alpes até aos Países Baixos. O rio Reno nasce nos Alpes suíços e percorre a Europa no sentido Sul-Norte, atravessando a Suíça, o Liechtenstein, a Áustria, a França, a Alemanha, e segue até à sua foz na costa da Holanda, onde se forma um extenso delta.

Desde a colonização dos países por onde passa, o rio Reno constituiu sempre uma fronteira bem demarcada. No vale e nos terrenos envolventes foram crescendo pequenos burgos, alguns deles que são ainda hoje pequenas aldeias, mas outros acabaram por se transformar em grandes cidades de cada um dos países atravessados. Foram também construídas diversas fortificações ao longo do curso do rio, que dominam e caracterizam a paisagem do vale. Atualmente, uma das principais atrações do vale são mesmo os numerosos castelos e fortificações visíveis sobre as escarpas, a maioria deles construídos entre a idade média e o barroco, demarcando cada zona dominada pelos senhores e nobres que controlavam o vale.

Com o seu potencial agrícola, pastoril, piscatório, eólico e hidroelétrico, o vale do Reno tornou-se numa das mais importantes regiões comerciais da Europa, desde a Idade Média até aos dias de hoje.

Em 2000, a UNESCO inscreveu uma parte do vale do Reno, numa extensão de 65 km, como património mundial da humanidade.


Começámos a nossa viagem ao vale do Reno pela aldeia de Boppard. Uma aldeia muito mimosa, entre as encostas cobertas de vinha e o rio, com a presença do habitual castelo no topo da colina e com edifícios que parecem quase casas de bonecas.
Percorremos cada uma das ruas da aldeia até chegarmos à beira do rio, até ao cais onde chegam e partem barcos que fazem os passeios, subindo ou descendo o rio, o que constitui um dos programas turísticos mais procurados em toda a Alemanha. E assim entrámos no próprio vale e na típica paisagem, com um rio largo que corre para Norte entre colinas, maioritariamente cobertas por vinha, onde vão surgindo, como se estivéssemos em pleno conto de fadas, castelos e palácios de épocas, tipos e tamanhos diversos.
Saímos de Boppard para Norte, fazendo a descida do rio pela estrada marginal, parando nas aldeias mais típicas e nos vários miradouros que vão aparecendo ao longo das margens e que nos permitem contemplar as bonitas paisagens do vale.

A estrada que percorremos é bastante calma e pouco concorrida, embora o Reno seja um polo turístico muito movimentado, a verdade é que os turistas preferem fazer o percurso do rio num dos muitos barcos que oferecem esse tipo de viagens. Mas de carro podemos ir parando quando queremos e estamos sozinhos e não entre uma multidão de turistas numa espécie de aquário de vidro, que é o que nos faz lembrar aquele tipo de barcos.

Os castelos não têm o encanto dos da Baviera, nem as colinas cobertas de vinha têm a beleza do nosso vale do Douro, mas em conjunto, o que aqui se encontra oferece algumas das mais encantadoras paisagens que já tive oportunidade de conhecer.

Por isso, a quem queira visitar a Alemanha ou o centro da Europa, deixo o conselho para não perder a visita a este vale……seja de carro ou de barco, este deverá ser um local obrigatório. 

Das aldeias por onde fomos passando escolhemos Stolzenfels para uma paragem mais demorada para almoçar. Fizemos questão de acompanhar a refeição com um vinho branco feito das uvas daquelas encostas. 

A paisagem é indiscutivelmente muito bonita, mas já os vinhos, ficam a anos de luz dos nossos e particularmente daqueles que se fazem nas encostas do nosso vale do Douro.

Ao fim de cerca de 90 km pelo Vale do Reno, acompanhando o rio na sua descida até ao mar, chegámos a Bona, a antiga capital da República Federal Alemã, antes da reunificação que se verificou após a queda do muro de Berlim em 1989.

Percorremos o centro histórico da cidade, que não é mais que um conjunto de meia dúzia de praças e as ruas que as ligam, semelhantes às da maioria das cidades alemãs, embora neste caso sejam visíveis várias alusões à sua figura maior, o compositor Ludwig van Beethoven.

Resolvemos percorrer a pequena teia de ruas e praças da cidade, começando pelo seu centro, a Münsterplatz, com a estátua de Beethoven, como anfitrião de quem ali chega. 
Seguimos depois à Friedensplatz, sempre por ruas pedonais cheias de lojas e preenchidas por esplanadas.
E logo depois continuámos até à Beethoven-Haus, a casa-museu do compositor, onde visitámos algumas das relíquias do espólio de um dos criadores mais marcantes na história da música. Beethoven ficou conhecido, tanto pela sua magnífica obra, como pela sua surdez, aparentemente incompatível com a criação musical mas que, neste caso, não o impediu de continuar a compor. Registo por exemplo que, na sua última década de vida, numa fase em que já estaria completamente surdo, conseguiu ainda compor 44 obras musicais. Ao morrer, em 1827, estava a trabalhar numa nova sinfonia e projetava escrever ainda um Requiem. 

Mas a visita ao museu não nos leva à dimensão do compositor, aliás, nada nos poderá transportar até à grandeza de tal figura a não ser a sua própria música. Por isso, nada será melhor para nos aproximarmos de Ludwig van Beethoven do que escutar atentamente alguma das suas composições, só assim conseguiremos um conhecimento mais profundo sobre o autor de obras-primas como o Hino à Alegria, que faz parte da 9ª sinfonia, ou o concerto para piano Für Elise. Mas o museu não nos transmite essa magia que só a música nos pode dar. E sendo assim, acabámos por comprar algum merchandising……que é o que se costuma fazer neste tipo de museus.
Continuámos depois até à praça do mercado local, o Markt, onde se localiza o Bundesstadt Bonn, a antiga Câmara Municipal da cidade de Bona. O edifício é composto por uma fachada rococó e por um interior com salas e grandes salões luxuosíssimos.
Continuámos o percurso, ao longo de novas ruas pedonais que nos levaram a mais um conjunto de atrações arquitetónicas da cidade, como a Universitätsarchiv, a praça Dreieck e a Martinsplatz.
Acabámos onde tínhamos começado, na Münsterplatz, desta vez chegámos pelo lado oposto, junto à Bonner Münster. Trata-se da catedral da cidade, construída no século XI, é também chamada como Basílica Münster. É a principal igreja católica em Bona e um marco importante da cidade.

Foi uma paragem curta mas suficiente para aquilo que a cidade tem para oferecer. O centro é interessante, embora muito semelhante a outras cidades alemãs, mas com a particular presença da sua figura mais ilustre, o compositor Ludwig van Beethoven. Impressionaram-nos também alguns bairros com vivendas clássicas, quase apalaçadas, que terão sido ocupadas pelos diversos membros do corpo diplomático, na época em que Bona era a capital administrativa da chamada Alemanha Ocidental.


Ainda ao longo do Reno, mas agora já por autoestrada, fizemos mais 30 Km e chegámos à maior das cidades alemãs desta zona, Köln, ou Colónia. Fizemos o check-in num hotel bem perto da imensa e majestosa catedral e saímos para uma cidade animadíssima onde as pessoas enchiam as ruas, praças e os espaços verdes junto às margens do Reno. Jantámos numa das muitas esplanadas e, desta vez, quisemos escolher comida alemã, como as típicas salsichas, e para beber, umas weizenbiers, a cerveja de trigo alemã que foi sempre a minha escolha preferida nas várias visitas que tenho feito à Alemanha. 

Desta vez deixámo-nos ficar até depois da meia-noite para conseguirmos assistir a um pôr-do-sol verdadeiro, de modo a que a escuridão da noite se instalasse, fazendo realçar algumas imagens lindíssimas que a noite de Colónia nos oferece, com os principais monumentos iluminados, sobretudo a Catedral, a igreja de Sankt Martin e a ponte metálica­­ Hohenzollernbrücke, proporcionando uma paisagem magnífica. 


Ao voltarmos ao hotel passámos pela Hauptbahnhof, a grandiosa estação de caminho-de-ferro, localizada junto à praça da catedral o que me fez recordar quando, há muitos anos atrás, numa madrugada, enquanto o comboio onde eu ia, vindo de Munique para Amesterdão, fazia ali uma paragem noturna. Resolvi dar um salto até à porta da estação e fiquei estarrecido com a imponência daquela imensa catedral que ali se erguia totalmente iluminada. Foi uma imagem que guardei como algo quase místico que me tinha aparecido inesperadamente no meio da noite, mal tinha acabado de acordar, quase sem saber se aquilo era realidade ou era construção de algum sonho. E durante muitos anos guardei essa imagem daquela grande catedral a surgir ali à porta da estação, imaginando se seria mesmo verdade ou se tudo teria sido distorcido, pelo sono e pelas trevas. Mas não, ao fim de todo este tempo pude confirmar que à porta da estação está ali mesmo aquela imensa catedral, quase fantasmagórica, que nos oprime quando a contemplamos lá de baixo.


Dia 6:

Reservámos toda a manhã para uma visita à cidade de Colónia. Voltámos à Kölner Hauptbahnhof, a Estação Central de Colónia, que é uma das mais movimentadas estações ferroviárias da Alemanha, com uma estimativa de 280 mil viajantes diários. A estação está umbilicalmente conectada à via-férrea proveniente de Sudeste, através da ligação sobre a ponte de Hohenzollern que cruza o rio Reno. A estação, para além ser um polo ferroviário determinante para aquela zona do país, é também o interface principal de ligação a todos os transportes públicos que operam na cidade.
O edifício da estação é ainda uma importante obra de engenharia, concebido com várias naves de grandes dimensões, com cúpulas construídas em estrutura metálica, que lhe conferem uma dimensão majestosa.
À saída da estação para o pátio principal de acesso, estende-se uma escada de nos leva diretamente até à magnífica Catedral de Colónia, o ex-libris da cidade.

Chegámos assim à grande catedral, a Kölner Dom, um monumento considerado pela UNESCO como património da humanidade, é a terceira igreja mais alta do mundo e é indiscutivelmente o símbolo desta cidade. Atrai mais de seis milhões de turistas por ano, o que lhe dá o estatuto do local turístico mais visitado da Alemanha. 

A construção da igreja de estilo gótico começou no século XIII e levou mais de 600 anos para ser acabada. A sua nave central tem um comprimento de 144 m e uma largura de 86 m, e as duas torres têm 157 m de altura. Quando foi concluída, em 1880, era o edifício mais alto do mundo. A catedral é dedicada a São Pedro e à Nossa Senhora. 
Na Segunda Guerra Mundial a catedral sofreu 14 ataques de bombardeamentos aéreos, mas ainda assim, nunca caiu completamente, ao contrário da vizinha ponte ferroviária, a Hohenzollernbrücke. 
De qualquer forma foi sujeita a obras de reconstrução profundas no pós-guerra, que foram acabadas apenas em 1956, quando a Catedral adquiriu o aspeto que apresenta nos dias de hoje, embora seja frequentemente sujeita a trabalhos de restauro, o que acaba por perturbar sua imagem com os sempre inconvenientes andaimes que forram os monumentos mais emblemáticos das grandes cidades por essa Europa fora.


Segundo a lenda que envolve esta Catedral, no seu interior estará guardado o relicário de ouro com os restos mortais dos Três Reis Magos, Baltazar, Belchior e Gaspar. Conta a história que, em 1164, foram trazidas de Milão as supostas ossadas dos Três Reis Magos e que as mesmas estarão guardadas atrás do altar, numa arca de ouro e prata, ornamentada com pedras preciosas. A arca está lá, as ossadas talvez também lá estejam, agora se são ou não dos Reis Magos, isso já dependerá da fé de cada um.
No pátio de saída da Catedral destacam-se duas obras de arte relevantes. Uma reprodução à escala natural do pináculo de cada uma das duas torres e a magnífica porta gótica da entrada da igreja. 
Saindo da catedral atravessámos a praça Domplatte e entrámos no posto oficial de vendas da água-de-colónia 4711, embora o edifício original da perfumaria desta marca fique na rua Glockengasse, justamente no nº 4711, a apenas 600 m da Domplatte. Comprámos um frasquinho desta famosa água-de-colónia, um tipo de perfume mais suave, composto por uma solução de óleos de perfume, entre 2% e 4%, diluídos em etanol. Quando foram testados pela primeira vez, estes novos aromas eram bastante inovadores, pois tratavam-se de fragrâncias muito frescas, em comparação com os aromas bastante mais fortes dos perfumes que se usavam à época. A criação deste líquido de aroma suave aconteceu exatamente na cidade de Colónia, o que lhe deu o nome que ainda hoje se mantém de água-de-colónia.

A marca da flagrância Nº 4711, a água-de-colónia da empresa alemã Mäurer & Wirtz GmbH & Co, obteve a denominação da empresa e respetiva marca devido à morada do edifício da sua loja original, na Rua Glockengasse nº 4711, bem no centro da cidade de Colónia. 
Saímos da Domplatte na direção do rio, através da Hohenzollernbrücke, a ponte ferroviária mais utilizada em toda a Alemanha, que cruza o rio Reno junto à estação e que é também um dos principais símbolos da cidade de Colónia, funcionando num conjunto harmonioso com a catedral, pelo enquadramento paisagístico e porque o alinhamento central da ponte coincide exatamente com o eixo central da nave da catedral.
Originalmente, a ponte era já ferroviária mas também rodoviária, no entanto, após sua destruição em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, e após a sua reconstrução, passou a ser exclusiva para o transporte ferroviário e tráfego pedonal. A ponte foi construída em 1911 e é formada por três vãos em arcos formados por treliças metálicas, de onde se suspendem as lajes dos tabuleiros, que acomodam quatro vias férreas e dois passadiços pedonais.
Os passadiços pedonais são caracterizados pelos muitos milhares de cadeados que estão presos aos guarda-corpos interiores de cada um deles, num gesto que muitos casais de namorados escolheram para selar o seu amor, prendendo à ponte um cadeado que simboliza a ligação entre eles e deitando a chave ao rio e, dessa forma, garantindo que essa ligação jamais se irá romper……mas é bom que não confiem apenas nos cadeados e façam mais alguma coisa no dia-a-dia para manter a relação forte e unida……digo eu.
Depois de atravessar o rio percorremos a margem Sul e voltámos de novo para a margem do centro histórico, cruzando dessa vez a Deutzer Brücke, uma ponte rodoviária que atravessa o Reno. Ao longo deste percurso somos acompanhados permanentemente pelas mais belas paisagens que podem ser contempladas em Colónia, que enquadram as maiores atrações arquitetónicas desta cidade.

Para além da ponte ferroviária, são visíveis os contornos da Cidade Velha, de onde se destaca a igreja de Sankt Martin e, claro, a imponente Catedral de Colónia.
Chegados à margem Norte entramos no coração da Cidade Velha, com as suas casas típicas e os espaços verdes junto ao rio, a zona do Fischmarkt. Mais atrás fica o Alter Markt e a praça da câmara municipal da cidade, o Historisches Rathaus. E bem no meio destes aglomerados que formam a cidade velha, sobressai a Gross Sankt Martin, a grande Igreja de Saint Martin, uma igreja românica católica cuja origem dos atuais edifícios remonta ao século XII. A igreja foi muito danificada na Segunda Guerra Mundial tendo sido sujeita a trabalhos de restauração profundos que foram concluídos em 1985.
A envolvente à cidade velha é uma zona ocupada por restaurantes, bares e esplanadas, onde se misturam habitantes e turistas. 

Neste dia preparava-se uma festa de orgulho gay e por isso as ruas estavam preenchidas de uma forma um bocadinho peculiar……com muita gente, digamos que, “orgulhosa”.

Saímos do centro pela Hohe Straße, a principal rua comercial de Colónia, constituída pelo trajeto pedonal entre a Praça Wallraf e a Rua Porte. Na extremidade desta rua chegámos de novo a praça Domplatte junto à Catedral, onde terminámos a visita à cidade.

Seguimos viagem mais 40 km até Düsseldorf, o último destino nas margens do Reno.

Durante alguns anos, no início da década de 2000 fiz várias viagens a esta cidade sempre em trabalho e, por isso, sem grandes memórias. Tal como a maioria das cidades alemãs não deslumbra mas tem sempre algum interesse. Düsseldorf é marcada pela forma como os seus habitantes utilizam as ruas que se transformam em autênticos bares e cervejarias através de esplanadas contínuas, quer seja verão ou inverno, onde eles bebem as suas cervejas de final de tarde, nos dias de semana, ou ao longo de todo o dia, nos sábados.
Percorremos a zona comercial da cidade com lojas de marca de topo, a demonstrar bem o poder de compra dos alemães. Chegámos depois às ruas da cidade velha, junto à margem direita do Reno. É aí que as ruas se transformam em bares e as esplanadas que se vão pegando umas com as outras. No inverno, atenuam o frio com enormes aquecedores a gás, mas, neste dia, com temperaturas perto dos 35ºC, as ruas, sobretudo o passeio pedonal na margem do rio, estavam transformadas quase numa zona de praia. Havia areia branca nas esplanadas e mesmo com recipientes de água onde alguns clientes se deixavam ficar com os pés de molho. 

Algumas mangueiras deixavam sair esguichos de água que pulverizavam as ruas para refrescar quem passava, fazendo lembrar o hábito andaluz nas tórridas “calles” de Sevilha.
Parámos para almoçar e sobretudo para nos refrescarmos numa das muitas esplanadas e voltámos depois a sair, sempre sem destino definido, passeando apenas pelas ruas mais movimentadas, quer pela existência de restaurantes e esplanadas quer por todo o tipo de comércio que vai surgindo nas principais ruas e praças.
Acabámos a viagem ao longo do rio Reno e faltava agora apenas chegar a Amesterdão. Primeiro até ao aeroporto para entregarmos o carro alugado e depois, já de transportes públicos, com destino à cidade para passarmos o fim-de- semana que nos restava desta viagem.
Fecho aqui este passeio pelo Benelux, embora, na realidade, a viagem se tenha prolongado por mais 3 dias já em Amesterdão. Mas Amesterdão é uma cidade especial que será referida numa outra crónica dedicada exclusivamente a esta cidade.


Daquilo que vimos deste Benelux ficam alguns lugares interessantes como Bruges e Bruxelas e outros mesmo encantadores, sobretudo Kinderdijk, Gent, ou o Vale do Reno, incluindo a cidade de Colónia mas, no global, foi uma viagem muito interessante mas não arrebatadora……embora falte ainda acrescentar a parte de Amesterdão. 


Registo ainda que se trata de uma das zonas mais caras, tanto em hotéis como em restaurantes, por onde viajámos nos últimos anos, pior do que, por exemplo, Itália, França e mesmo Inglaterra, e este facto também condiciona alguns graus de liberdade.


Carlos Prestes
Julho de 2015