segunda-feira, 18 de abril de 2022

Cantábria

A nossa primeira experiência nesta região aconteceu enquanto visitávamos os Picos de Europa, do lado mais Oriental desta cordilheira, onde o acesso à montanha se faz através do Teleferico Fuente Dé. Mas nesta zona da Cantábria junto aos Picos de Europa existe um outro local bastante interessante, trata-se da vila medieval de Potes, que fica a pouco mais de 20km do teleférico e que quisemos visitar.

Foi por aí que entrámos nesta região do Norte de Espanha, seguindo depois até perto da costa onde visitámos as vilas de Comillas e Santillana del Mar, onde se encontra o complexo paleolítico de Altamira e, mais tarde, visitámos também a cidade de Santander, a capital da região da Cantábria.

Não posso deixar de registar que esta região espanhola não é particularmente extraordinária, apesar dos lugares que visitámos se terem revelado interessantes, mas, por exemplo, não tem uma grande cidade, pois Santander fica muito aquém de outras cidades espanholas. Assim, esta zona acaba sempre por ser visitada de passagem, para quem vem ou vai entre os Picos e o País Basco, e foi também assim que a visitámos… ficou-nos em caminho.

O nosso percurso pela Cantábria seguiu mais ou menos os trilhos identificados neste mapa:   


Potes

É um dos vilarejos mais pitorescos de toda a Cantábria, situa-se em torno dos rios Quiviesa e Deva, na zona histórica da antiga província da Liébana, uma área de onde se avistam as montanhas imponentes dos Picos de Europa.

O centro histórico da vila de Potes leva-nos no imediato às referências medievais, com as suas ruas apertadas, as pontes que atravessam o rio e um conjunto de edifícios e monumentos com séculos de história.


Alguns dos edifícios e palacetes que encontramos são monumentos importantes e constituem a marca deste povoado, apesar da sua aparente simplicidade, em estilo barroco, construídos em alvenaria de pedra à vista.

Assim, encontramos referências importantes como a Casa-torre de Orejón de la Lama, uma torre quadrada de três andares, ou a Torre do Infantado, uma robusta construção do século XV, que até pouco tempo era a sede do Ayuntamento e é atualmente um dos principais monumentos da vila, que domina a sua praça central, a Plaza Capitán Palacios.

Encontramos também uma importante referência religiosa, a Igreja Paroquial de San Vicente, que possui alguns elementos construtivos que vão dos séculos XIV ao XVIII.
O centro histórico da vila de Potes está intrinsecamente ligado ao rio que o atravessa, o Quiviesa, só mais à frente é que este rio se junta com o rio Deva. Assim, a imagem desta zona histórica é marcada pelas suas pontes, uma delas mais recente, que é mesmo chamada de Puente Nuevo, e as outras duas mais antigas, as pontes de La Cárcel e de San Cayetano.


Além do centro histórico mais monumental a vila continua por mais uns quarteirões com a mesma imagem de uma aldeia antiga e pitoresca, sobretudo os edifícios que surgem nas margens do rio Quiviesa, que mantêm o aspeto de construções medievais.

Esta é talvez a zona mais bonita da vila, menos preenchida por esplanadas de rua, e também com menos afluência de turistas, tornando-se assim mais autêntica.


Mas encontramos também nesta parte da vila outras ruas mais turísticas, com bares, restaurantes e esplanadas que acolhem os turistas para uma bebida, ou mesmo para um almoço ou jantar onde poderão provar algumas especialidades desta zona da Liébana, como os guisados de carne de caça ou o típico cocido lebaniego.

         
Voltando ao centro historio, a tal zona com monumentos e pontes, encontramos também um conjunto de ofertas turísticas, como as esplanadas e as galerias comerciais, vocacionadas na oferta de souvenires, e que ocupam quase toda a envolvente da principal praça da vila, a Plaza Capitán Palacios.



Saindo depois de Potes em direção aos Picos de Europa, subimos uma ligeira colina com pouco mais de 2 km, e encontramos o Monasterio de Santo Toribio de Liebana, que justifica uma breve visita. É um mosteiro católico que é considerado um dos cinco lugares do cristianismo que, juntamente com Roma, Jerusalém, Santiago de Compostela e Caravaca de la Cruz (perto de Múrcia), têm o privilégio de emitir indulgências perpétuas… seja lá o que isso for, mas deve ser como quando os processos prescrevem e o perdão se torna eterno!
O mosteiro foi fundado em torno do século VI e venera a Lignum Crucis original (mais conhecida por Vera Cruz, ou a cruz verdadeira, aquela onde Jesus terá sido crucificado) descoberta em Jerusalém por Santa Helena, a mãe do imperador Constantino. Terá sido trazido para este mosteiro o braço esquerdo da Vera Cruz e é aqui mantido num relicário de prata dourada.

No ano de 1961, foi confiada a guarda desta relíquia aos frades franciscanos, e o mosteiro tornou-se num templo franciscano. O aspeto do mosteiro é bastante sóbrio e sem quaisquer luxos, o que é típico das igrejas franciscanas, mas não deixa de ser um edifício bonito, sobretudo pelas suas fachadas.


Descemos depois o caminho que nos iria levar de novo até à vila de Potes, de onde saímos mais tarde para explorar outras paragens da região da Cantábria.

Carlos Prestes
Abril de 2022


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domingo, 17 de abril de 2022

Picos de Europa

A imensa cordilheira dos Picos de Europa estende-se ao longo de três regiões espanholas, as Astúrias, Castela-Leon e a Cantábria. Nos três dias em que explorámos esta zona fixámo-nos num hotel em Cangas de Onís e fomos percorrendo as estradas de montanha que nos levaram aos locais onde fizemos algumas das melhores caminhadas que ali se podem fazer, explorando trilhos localizados naquelas três regiões espanholas.

A escolha dos trilhos a percorrer teve como referência o nosso nível enquanto caminheiros, resistentes a uns bons quilómetros, mas não suficientemente aventureiros para avançarmos para aquelas caminhadas de vários dias por sítios inóspitos pernoitando em tendas ou casas-abrigo. Os percursos escolhidos são os mais frequentados, embora, alguns deles, já tenham um grau de risco acentuado e uns tantos quilómetros para palmilhar.

O acesso aos locais onde realizámos cada um destes percursos, bem como os próprios trilhos que percorremos, estão assinalados neste mapa:
 


Lagos Covadonga

À medida que começamos a subida da montanha desde o seu sopé, em Cangas de Onís, encontraremos quatro parques de estacionamento onde podemos deixar os carros, que estão impedidos de chegar ao topo nos dias da chamada época-alta, como acontecia neste dia, que era uma Sexta-Feira Santa. Aí começamos por pagar o estacionamento e, logo depois, pagamos também o acesso ao autocarro que nos levará até à zona dos lagos. O serviço de autocarro está bastante bem organizado, passa um autocarro em cada 5 a 10 minutos e facilmente estamos a caminho pela serra acima.

A primeira emoção deste percurso, mais até do que as paisagens que nos vão sendo reveladas à medida que subimos, algumas delas grandiosas, é a própria viagem do autocarro que vai percorrendo alguns quilómetros de uma estrada de montanha sinuosa e estreita, e ladeada por ravinas assustadoras, onde a necessidade de cruzar constantemente com os autocarros que surgem no sentido oposto, faz destes motoristas autênticos super-heróis… mas confesso que nos chegamos a sentir algo desconfortáveis nalgumas partes do trajeto.

Mas mais ou menos assutados com a viagem lá chegámos ao fim da estrada, junto ao estacionamento dos autocarros que fazem diariamente este vaivém pela serra, e que agora vão voltando a encher de turistas para a descida seguinte.

Ainda antes de começarmos a caminhada pela zona dos lagos passámos por um briefing de acolhimento que nos fazem à saída do autocarro, explicando os trilhos principais e quais as distâncias a percorrer. De qualquer forma é algo quase intuitivo, sem precisar de mapas ou grande sentido de orientação.

O percurso realizado, que pode também ser visto em pormenor no mapa interativo que foi incluído no início desta crónica, segue mais ou menos os trilhos representados nesta planta:
A caminhada começa com uma subida bastante pronunciada, que é mesmo o trajeto mais difícil que iremos encontrar em todo o percurso, até que atingimos o Mirador del Príncipe de Asturias onde nos deparamos com as primeiras paisagens deste local, de um lado uma zona pantanosa muito verde e, do outro, alguns dos picos que formam este complexo montanhoso e que se encontravam cobertos de neve.

O percurso seguinte é ainda através de trilhos inclinados até atingirmos o ponto onde começa a primeira descida e onde começamos a ver as primeiras imagens de um dos lagos, o Lago de La Ercina, que nos surgem quase como uma miragem, no meio daquela imensidão rodeada pelas montanhas nevadas.

O Lago de Ercina surge ao fundo de um vale com um imenso prado, onde é habitual existirem algumas vacas a pastar, e é por esses campos relvados que fazemos a descida de aproximação até ao lago, para assim melhor desfrutarmos das paisagens lindíssimas em torno do espelho de água.

É junto às margens deste lago que podemos fazer uma primeira paragem, pode ser mais ou menos demorada, se quisermos aproveitar para fazer um picnic, ou mesmo, se tivermos coragem, para entrar na água... mas que estava ainda bastante gelada, talvez pela altura do ano, lá mais para o Verão admito que as águas aqueçam e a ideia de dar um mergulho possa ser aceitável. Mas neste dia de abril só molhámos os pés e descansámos um pouco, enquanto nos íamos deliciando com as bonitas paisagens do lago e das montanhas que nos rodeavam.

Depois desta pausa voltámos a subir, desta vez seguindo uma escadaria que nos levou até ao Mirador de Entrelagos, um local onde podemos ver o Lago de Ercina de uma perspetiva diferente e que é ainda mais bonita, e onde podemos também avistar os dois lagos em conjunto, tal como sugere o próprio nome do miradouro.

O Lago Enol, tal como o de Ercina, é de origem glaciar e encontra-se a uma altitude de mais de mil metros. Do alto do Mirador de Entrelagos conseguimos apreciar a vista deste lago enquadrado na sua envolvente, num autêntico cartão-postal, que constitui uma das imagens de marca desta zona dos Picos de Europa.
Tínhamos agora de seguir os trilhos que nos iriam levar até à margem do lago, desta vez, sempre a descer, atravessando os extensos relvados que ali se formam e sem perder de vista as extraordinárias paisagens deste local.
Já lá em baixo, com uma outra perspetiva do lago, quisemos molhar os pés e pouco faltou para que alguém fosse mesmo ao banho… não foi o meu caso, que continuei caminhando tranquilamente junto às margens, enquanto registava mais algumas belas fotos do lago.

Faltava agora apenas o último dos cinco quilómetros da caminhada que fizemos à volta dos lagos de Covadonga, chegando de novo ao estacionamento para apanhar o autocarro de regresso.

O caminho para baixo voltou a ser emocionante, quer pelo risco iminente da condução daqueles autocarros enormes quer também porque as imagens que nos rodeavam continuaram a ser lindíssimas, como esta nova perspetiva do Lago Enol, que não deixámos de registar.
Desta vez não iriamos seguir diretamente até ao carro, faríamos uma paragem a meio caminho para visitar a Basílica de Covadonga e a Santa Cueva, duas atrações religiosas que se encontram neste complexo montanhoso.


Santuário de Covadonga

A 12 quilómetros da zona dos lagos encontra-se a Santa Cueva e a Basílica de Covadonga, que constituem o chamado Santuário de Covadonga, um lugar de culto e peregrinação dedicado à Virgem de Covadonga, a padroeira das Astúrias. Este local constitui um ponto de visita obrigatória para quem vem aos Picos de Europa e, por isso, os autocarros que levam os turistas aos lagos fazem ali uma paragem.

Ainda à distância deste santuário, que emerge entre montanhas e está rodeado por uma vegetação densa, é possível avistar a silhueta da Basílica, com uma imagem que é o ex-líbris deste lugar.
O primeiro local de culto religioso que ali encontramos é a Santa Cueva ou Caverna da Senhora, que é formada por uma gruta que se encontra no sopé do Monte Auseva. A origem deste lugar santo está ligada à figura do Rei Pelayo, o primeiro monarca do Reino das Astúrias, e tem a ver com o facto desta caverna ter sido utilizada para refúgio e proteção dos cristãos, durante as batalhas da reconquista das Astúrias aos muçulmanos. No final da Batalha de Covadonga, que os cristãos venceram, foi levada uma imagem da Virgem para aquele local, em agradecimento pela proteção que lhes teria sido dada. Mais tarde, as próprias ossadas do Rei Pelayo seriam ali depositadas.

A gruta está encaixada num rochedo que se ergue sobre um lago onde é visível uma pequena cascata, junto à qual existe uma fonte mítica de sete orifícios, à qual são atribuídos poderes mágicos... e toda a gente faz questão de lá ir molhar as mãos.


O acesso à gruta faz-se através de uma escada ingreme que se ergue pelo rochedo junto ao lago, ou por um túnel que faz ligação à zona onde encontramos os edifícios de apoio ao Santuário, sendo o próprio túnel um local de oração e deposição de velas. 

No interior da caverna fica uma pequena capela e encontramos a imagem de La Santina, a Nossa Senhora de Covadonga, e que constitui o principal lugar de romagem, sobretudo para os mais devotos.


Ao percorrermos o interior do túnel encontramos uma pequena abertura onde nos surge uma paisagem ampla e magnífica da montanha com a Basílica de Covadonga.
A igreja original que ali foi construída era de madeira e sofreu um incendio no ano de 1777, destruindo-a parcialmente. Mais tarde, alguns deslizamentos de terra acabaram por destabilizar completamente a antiga construção. Só no século XIX, em 1877, começou a construção da nova Basílica de Covadonga, um bonito edifício em estilo neo-românico, com duas torres altas na sua fachada principal.


Ruta del Cares

No dia seguinte atravessámos uma estrada de montanha que liga o Principado das Astúrias à região de Castela-Leon, já na vertente Sul da cordilheira dos Picos de Europa. O caminho seguido está assinalado no mapa que se encontra no início desta crónica, onde o objetivo era atingir o vale do rio Cares e percorrer o trilho que o vai seguindo.

Mas ao longo da estrada que fomos percorrendo neste dia encontrámos vários pontos que justificaram algumas paragens, sobretudo pelas magníficas paisagens que fomos sempre encontrando.

O primeiro local de paragem foi a Cascade Aguasaliu, onde fizemos uma pausa para café no restaurante do Hotel Puente Vidosa, seguindo depois num pequeno passeio, escalando pela encosta, para espreitarmos de perto a cascata que ali se forma.

O hotel serve de base a um conjunto de atividades de montanha, estando o vale preparado com vários equipamentos para escalada, rappel ou slide, ou ainda outras experiências que fazem disparar a adrenalina de quem se quiser arriscar.

Não foi o nosso caso, limitámo-nos a subir as escadas e trilhos que percorrem o vale ao longo da linha de água, desde o hotel, cá em baixo, até à cascata principal, já lá no alto.

No final vale bem a pena esta pequena escalada, as paisagens são interessantes e a chamada Cascade Aguasaliu é bastante bonita.
No percurso seguinte até à Ruta del Cares fomo-nos deparando com diversos pontos de interesse, que foram justificando algumas paragens, quer em miradouros quer apenas na própria berma da estrada que íamos atravessando. Fomos assim apreciando as paisagens que nos iam surgindo, sempre bonitas, sempre grandiosas, numa zona dos picos que é magnífica.


No percurso de regresso iriamos ainda fazer novas paragens ao longo desta estrada incrível, que atravessa aqui as montanhas de Castela-Leon. Mas agora queríamos chegar o quanto antes àquele que era o nosso destino principal para este dia, a Ruta del Cares, e seguimos diretamente até à povoação de Caín de Valdeón, onde esta aventura começa.

À chegada a este pueblo a primeira dificuldade será conseguirmos parar o carro, sobretudo num dia de grande afluência, como acontecia neste sábado de Páscoa. Existem alguns terrenos privados que estão a ser explorados como parques de estacionamento, e foi assim que conseguimos deixar o carro, pagando um valor fixo de 4€, com direito à oferta de um cajado de madeira, que nos dá logo um estilo de caminheiros profissionais.

Começando, entretanto, a descer pelas margens do Cares, atravessamos o rio na Pasarela de la presa de Cain, uma ponte que marca o início deste percurso que é chamado de Ruta del Cares.

No mapa interativo inserido no início desta crónica encontramos o detalhe deste percurso, mas que se pode também resumir conforme representado na seguinte figura:
O primeiro percurso atravessa um desfiladeiro quase vertical, onde o trilho vai perfurando o rochedo em sucessivos túneis, e também algumas galerias de onde podemos observar o rio que vai correndo no fundo do vale.

Saindo desta zona mais apertada vamos encontrando outras faces deste vale, seguindo sempre o percurso das águas do rio, que se vão tornando cada vez mais furiosas.


No sentido em que começámos a caminhada, saindo de Caín de Valdeón, a Ruta del Cares vai acompanhando a descida do rio Cares, através de trilhos que se formam pela encosta, por vezes largos e tranquilos, outras vezes mais apertados e até um pouco periclitantes, com as ravinas pendentes até ao rio demasiado próximas.

Ao fim de cerca de um quilómetro e meio encontramos o primeiro dos lugares notáveis deste percurso, a Puente de Los Rebecos.

Trata-se de uma ponte construída com treliças metálicas que atravessa uma zona apertada e bastante bonita do vale, e à sua saída encontramos alguns dos trilhos mais estreitos e vertiginosos do percurso, onde nos cruzámos com umas cabras de montanha, que nos deixaram um certo desconforto, não resolvessem investir sobre algum de nós… mas pareciam estar suficientemente habituadas aos caminheiros que iam passando.


Mais uns 300 m de um percurso estreito e sinuoso, encontramos a outra ponte metálica deste trilho, a Puente Bolín, que fecha uma zona de ravinas estreitas, abrindo-se de seguida um troço mais amplo do vale.

Logo depois desta ponte surge uma estreita cascata que se desenha pela encosta e é mais um dos pontos notáveis do trilho.
Iriamos ainda continuar por mais alguns quilómetros para depois fazermos meia-volta e regressarmos pelo mesmo caminho.

A questão é que este trilho que acompanha o rio Cares e que começa junto à vertente Sul desta cordilheira, do lado de Castela-Leon, chega à vertente Norte, do lado das Astúrias, ao fim de 12 km. Ora, para quem quiser fazer o percurso completo e não tiver um carro que o vá buscar no final do caminho, terá de regressar pelo mesmo trilho, percorrendo assim um total de 24 km sempre a andar a pé. Muitas são as pessoas que assumem fazer esses 24 km, mas nós achámos que seria uma perda de tempo e de esforço, repetir todo o percurso de volta, e até porque, no resto do caminho, já não iriamos encontrar outros locais especiais, a menos da Puente La Jaya, que se encontra mesmo na parte final, mas que iríamos visitar no dia seguinte, enquanto fizermos um outro trilho… mas deixo aqui a imagem dessa ponte que é bastante bonita.
Portanto, decidimos seguir até um pouco depois da fronteira entre regiões, saindo de Castela-Leon e entrando nas Astúrias, e ao fim de quase 5 km, voltámos para trás regressando de novo a Caín de Valdeón, e completando assim uma caminhada que se aproximou dos 10 km.

Fomos assim percorrendo mais uns tantos quilómetros de bonitas paisagens, sempre rodeados por estas montanhas rochosas que acompanham o vale, com a imagem do rio Cares lá em baixo, fazendo o seu caminho e, por vezes, encontrando também o canal da levada, que transporta a água de um dos lados da cordilheira para o outro.

No final deste percurso fantástico ficámos ainda algum tempo na terrinha de Caín de Valdeón, uma aldeia transformada num spot turístico com vários restaurantes e esplanadas ocupadas por caminheiros.

O dia para esta caminhada acabou por ser bem escolhido, porque estava bastante sol, mas sem muito calor, e todas estas paisagens estavam ainda mais bonitas, embora fosse sábado de Páscoa, em plena época-alta, e isso já não é claramente a escolha ideal, porque encontramos inúmeros caminheiros ao longo de todo o trilho. Mas ainda assim, consegue-se fazer o percurso sem grandes problemas, temos apenas de ter algum cuidado sempre que nos cruzamos com outras pessoas, para evitar uma aproximação excessiva às ravinas.

Mais à frente, já na estrada de regresso, escolhemos ainda um pequeno parque de merendas para relaxar um pouco e comer alguma coisa, aproveitando o dia soalheiro. 

Depois do esforço sabe bem fazer uma paragem e dá até para refletirmos um pouco sobre tudo isto… o que nos leva a palmilhar quilómetros e quilómetros por montes e vales; certamente será pela beleza das paisagens que vamos encontrando e que, de outra forma, não conseguiríamos apreciar; há uma sensação especial quando parece que fazemos parte da montanha, sem estradas por perto, bem diferente de quando a contemplamos à distância a partir de algum miradouro; mas há também algo de desafio dos nossos próprios limites, quando sentimos a tensão constante da vertigem, pela altura das ravinas e pela falta de proteção nos trilhos, no final não é como se tivéssemos percorrido os mesmos 10 km numa cidade, aqui, cada metro percorrido, tem uma carga especial, de desafio, de vertigem, de superação… mas também de deslumbramento e de emoção; é muito compensador cada pingo suor que aqui deixamos… sabe-se lá porquê!
Em torno deste local onde parámos as paisagens continuavam a esmagar-nos de tanta beleza, e encontrámos ainda uma pequena capela que nem sabíamos que ali existia, a Ermita de Corona.

No caminho de volta até Cangas de Onís parámos ainda em dois miradouros, o Mirador del Tombo e o Mirador De Valdeón, onde nos continuavam ainda a oferecer paisagens grandiosas.




Naranjo de Bulnes

Neste novo dia nos picos íamos explorar as vertentes asturianas da cordilheira, seguindo na direção de Cabrales, passando depois pelo pequeno pueblo de Las Arenas, uma povoação que é conhecida pelo queijo que ali se fabrica, o chamado Queso de Cabrales, uma espécie de Roqueford, mas, na minha opinião, bastante melhor do que o seu irmão francês, por ter um paladar bem mais suave, mas do mesmo género de queijo bolorento. Existe mesmo uma espécie de museu do queijo, a Cueva del Queso de Cabrales, que, no entanto, não visitámos. Mas mais tarde haveríamos de comprar uns bocadillos para almoçar e foi aí que provámos esta especialidade local, saborosa e mal-cheirosa.

Mas ainda antes de chegarmos a Las Arenas, fizemos uma primeira paragem no Mirador del Naranjo de Bulnes. A imagem do Picu Urriellu, também conhecido por Naranjo de Bulnes, é fantástica, trata-se de uma montanha com uma configuração muito particular, que é muitas vezes associada à imagem de marca dos próprios Picos de Europa.
Mas não nos ficámos por este miradouro de estrada, quisemos também explorar a encosta que nos iria permitir avistar este pico de ângulos e perspetivas diferentes, e foi assim, subindo até a alguns pontos de observação, que conseguimos registar mais umas bonitas fotos deste pico.

O objetivo desta manhã era chegarmos até à aldeia de Bulnes, o pueblo mais isolado de toda a Espanha que, durante anos, só foi acessível através de um trilho sinuoso e arriscado… que diabo lembrarem-se de construir ali uma aldeia.

Esta condição de povoado isolado do resto do mundo mudou recentemente, quando, em 2001, foi inaugurado um funicular dentro de um túnel, que permitiu substituir uma viagem penosa de algumas horas por uma subida tranquila no funicular, de apenas oito minutos.

Mas para chegarmos a Bulnes ainda tínhamos muito que penar. Era domingo de Páscoa e a quantidade de visitantes a esta zona não nos permitiu estacionar no parque junto ao funicular, sendo que o estacionamento mais próximo fica a 2 km, o que significa acrescentar ao nosso plano de caminhadas para este dia mais 4 km… tudo bem, venham eles.

Deixando o carro no parque o caminho vale o esforço, sempre ao longo do rio, o mesmo Rio Cares do dia anterior, vamos passando por alguns locais com paisagens bem interessantes, tanto nos troços em que o rio desce furiosamente, como na albufeira de uma pequena represa que ali existe, formando um lago bastante bonito.

Já perto do funicular e sempre junto ao rio Cares, chegamos à minúscula povoação de Poncebos, assinalada pelo hotel com o mesmo nome, cuja imagem do edifício sobre o lago é uma referência desta zona dos picos.

Chegados ao Funicular de Bulnes fizemos o que tínhamos previsto, comprámos apenas bilhetes de ida pelo preço de 17,6€/pessoa, e subimos até ao topo em apenas 8 minutos, para mais tarde descermos pelos trilhos que se formam pelo meio das montanhas que ali se erguem.

E lá fomos nós, numa pequena composição, que parecia uma carruagem de metro, seguindo pelo túnel acima numa distância de 2.227 m e vencendo um desnível de 402 m.
À chegada estávamos num imenso vale entre montanhas rochosas, faltando ainda 400 m para fazer a pé até à aldeia de Bulnes, a tal que tem o estatuto de pueblo mais isolado da península.

A aldeia é formada por duas zonas distintas, Bulnes - El Pueblo, que visitámos, e Bulnes - El Castillo, que fica um pouco abaixo da saída do funicular, mas no alto de um penhasco, tornando-se ainda mais isolada.

O pueblo forma-se em torno de um ribeiro e é formado por algumas casas rústicas bastante bonitas, feitas em alvenaria de pedra à vista, todas bem cuidadas e, na maioria, funcionando como restaurantes ou alojamentos turísticos.

Um dos atrativos principais para quem visite esta aldeia será desfrutar das esplanadas junto ao rio, que até se chama rio Tejo, o mesmo nome do nosso, mas, um rio diferente, claro.

Mas há ainda quem visite também a pequena paróquia que ali se encontra.

Pelo facto de estarmos em Bulnes estranhamos não ser visível o complexo rochoso que partilha o nome com o da aldeia, o Naranjo de Bulnes. Mas há uma hipótese de o tentarmos avistar e foi o que fizemos, bastou subir cerca de 10 minutos por um trilho apertado e ingreme, chegando ao chamado Miradouro de Naranjo de Bulnes, e pudemos ver uma parte desta montanha rochosa, com o seu pico principal, o Picu Urriellu, que daqui nos aparecia bem mais próximo.

Todo este percurso demorou mais ou menos duas horas, incluindo uma paragem para umas bebidas, e que bem sabe uma cerveja gelada num sítio bonito como este, neste caso literalmente à beira Tejo.

Haveria agora que fazer o percurso de descida, mas já não de funicular, agora iríamos a pé, sempre ao longo do vale do rio Tejo que desce vertiginosamente montanha abaixo, formando cascatas e rápidos que nos foram sempre acompanhando.

Nesta altura ainda não imaginávamos como iria ser difícil esta descida, quando o tio Tejo passou a correr no fundo do desfiladeiro e nós lá em cima, em trilhos muito estreitos, por vezes ao longo de ravinas de mais de uma centena de metros de altura.

São cerca de 4 km de uma descida vertiginosa, com momentos de grande tensão, pela atração do abismo sempre presente, mas também de grande contentamento, pelas paisagens deslumbrantes ao longo de todo o vale. É preciso vencer o medo das alturas, ali não há espaço para fobias, temos que encarar cada metro desta descida com controlo total, como se estivéssemos habituadíssimos a escalar montanhas, e desfrutar de toda aquela emoção.


Se nos abstrairmos do perigo e desfrutarmos da paisagem, vamos experimentar momentos sublimes, porque as imagens são grandiosas e quase estonteantes… e com mais ou menos esforço acabamos por descontrair e aproveitar as sensações.

À medida que fomos descendo íamos ficando cada vez mais perto do rio, diminuindo assim a profundidade dos desfiladeiros e acalmando um pouco stress da caminhada. E já não faltava muito para estarmos de novo ao nível do rio e encontrámos até uma pequena ponte que nos permitiu atravessá-lo, já próximo da primeira estrada e do local onde o rio Tejo iria desaguar no nosso conhecido Rio Cares.

A saída do desfiladeiro do Tejo leva-nos ao vale do Cares numa zona lindíssima, onde as águas do rio ganham cores de um azul impressionante e onde encontramos uma bonita ponte medieval, a Puente La Jaya, aquela que faz parte da Ruta del Cares.

Junto à ponte já nos encontrávamos na Ruta del Cares, o mesmo trilho que tínhamos percorrido no dia anterior, mas agora do lado oposto, a Norte, na vertente das Astúrias. Aqui estávamos a cerca de 10 km da vertente Sul de Castela-Leon onde ontem tínhamos começado a nossa caminhada.

Para acabarmos o percurso escolhido para esta manhã ainda nos faltavam cerca de 3 km ao longo das margens do Cares, seguindo ainda para Norte, até chegarmos ao estacionamento público de Poncebos onde deixámos o carro.


Os picos da Cantábria

Depois de um almoço de bocadillos onde pudemos apreciar o afamado Quejo de Cabrales, o tal queijo bolorento que é a especialidade local, seguimos para Leste onde a cordilheira dos Picos de Europa atinge a região da Cantábria.

O principal acesso aos picos por este lado é feito através de um teleférico, o que permite uma alternativa completamente light para visitar estas montanhas em que basta subir no teleférico e avistar a imensa cordilheira que dali se torna visível… algo que se pode fazer de salto alto e saia justa, sem precisar de entrar em modo caminheiro.
O conjunto de montanhas que ali encontramos tem um potencial imenso para quem as quiser explorar, e a ideia de nos ficarmos apenas pelo miradouro do patamar de chegada do teleférico é apenas uma caricatura daquilo que pode ser feito quando queremos realmente conhecer esta zona dos picos.

De qualquer forma, o acesso ao topo é sempre feito pelo Teleférico de Fuente Dé, pelo preço, nada amistoso, de 20€ por pessoa (isto na época-alta, baixa para 17€ fora desta época). 

Depois de chegarmos ao topo podemos escolher o que fazer, desde ficar pelo miradouro a apreciar as paisagens, sem ter de trocar os saltos altos, ou assumir as botas de montanha e aí teremos um conjunto diverso de trilhos para percorrer.
No nosso caso, não quisemos explorar esta zona em profundidade porque isso obrigaria a um dia adicional nesta região, e agora penso que talvez tivesse sido a melhor opção. Mas tínhamos outros planos e, por isso, nem fiquei a saber que trilhos poderíamos percorrer no alto daquela montanha e qual a extensão e grau de dificuldade de cada um deles. Na verdade, limitámo-nos a apreciar as paisagens, como se fossemos os tais turistas de saia justa e saltos em bico… valeu-nos que a beleza das montanhas era bem compensadora, mesmo vista à distância.
Nesta zona da Cantábria, além da cordilheira dos Picos de Europa, existe um outro local bastante interessante e que merece ser visitado, trata-se da vila medieval de Potes, que fica a pouco mais de 20 km do Teleferico Fuente Dé.

A visita a esta vila e a outros locais da Cantábria faz parte de uma outra crónica, onde descrevo a viagem realizada pelas terras desta região, e que pode ser visitada através do seguinte atalho: Cantábria


Termino assim a descrição de um conjunto de viagens que fizemos pela cordilheira dos Picos de Europa, talvez pudéssemos ter experimentado outros locais e diferentes percursos, estes que escolhemos não eram certamente os mais radicais que se podem fazer neste complexo montanhoso, mas também não foram os mais tranquilos ou mais calmos, deu bem para experimentar a sensação de vertigem, a adrenalina a mil e algum cansaço no fim de cada percurso, e estiveram perfeitamente ajustados à medida no nosso nível de aventureiros moderados.


Carlos Prestes