sábado, 15 de dezembro de 1990

Chamonix - Mont Blanc

Esta pequena vila encaixada entre os mais altos picos da cordilheira dos Alpes, foi um ponto de partida para uma descoberta pessoal de um gosto profundo pela atividade de ar livre, explorando montanhas e vales e, mais tarde, para a prática do ski, que me leva todos os anos a procurar locais para descer pistas nevadas e absorver toda excitação que essa experiência provoca, e que, até então, me era desconhecida.

Tive a oportunidade de visitar duas vezes a vila de Chamonix. Primeiro no verão de 1985, quando constatei, com surpresa, que em pleno agosto, as montanhas podiam estar cobertas de neve, o que me deixou fascinado ao explorar aquelas magníficas paisagens em torno do imenso Monte Branco. Mais tarde, já em 1990, voltei de novo a esta simpática vila, mas desta vez já armado de skis e botas, para explorar as pistas que descem pelas colinas em torno deste vale magnífico.


A grande montanha:

O Monte Branco constitui um tremendo fascínio, desde logo para todos aqueles que visitam o vale de Chamonix, e que ficam deslumbrados com a dimensão daquela cordilheira imponente, mas, sobretudo para os montanhistas e alpinistas, que têm esta montanha como uma das principais referências planetárias. Com os seus 4.810 metros de altitude, o pico do Monte Branco atrai milhares de pessoas todos os anos, que percorrem os trilhos de escalada até ao topo, podendo seguir por diferentes vertentes e com níveis dificuldade e aventura muito distintos, desde os mais tranquilos, quase em regime de caminhada, até às escaladas mais técnicas e arrojadas.
Mas sabe-se que os verdadeiros alpinistas utilizam muitas vezes as escaladas nos Alpes e, concretamente, no Monte Branco, como forma de preparação para o seu grande objetivo, e que será escalar os picos com mais de 8.000 m, que são 14 em todo o mundo e todos eles nos Himalaias, liderados pelo incontornável Mont Everest, que atinge os 8.848 m e que é só para os verdadeiros profissionais, ao pé do qual o nosso Monte Branco parece uma montanha de brincar.

Mas aqui, mesmo os menos preparados terão alternativas para experimentarem um cheirinho do que é o universo do alpinismo, e é sempre assim que eu entro… pelos trilhos mais soft e sem grande risco, mais como turista do que como alpinista, utilizando, por exemplo, Teleférico da Aiguille du Midi, que nos deixa logo à cota de 3.842 m, já a meio caminho da grande montanha.
Este tipo de percursos, quase de alta montanha, devem ser feitos no verão ou na primavera, para evitar o risco de tempestades e das avalanches. Se assim for, e apenas com alguma preparação física, mas sem ser necessário a permanência em patamares intermédios para nos ambientarmos à altitude, podemos fazer parte de um tour, no qual o guia nos conduz até ao topo e nos traz de volta a Chamonix num só dia. Mas chegamos como autênticos heróis… na verdade, heróis de coisa nenhuma.

O Monte Branco faz parte do conjunto montanhoso que ocupa toda colina do lado Sul do vale de Chamonix e que se estende por muitos quilómetros, onde se sucedem montanhas e pistas de ski, que vão de França até Itália, e outras até à Suíça, sendo que, Chamonix se encontra muito próximo do vértice onde se juntam as linhas de fronteira destes três países, e está a uma altitude de 1.035 m. Esta cordilheira é claramente a mais alta de toda a Europa e apresenta diversos picos com mais de 3.500 m, e quatro deles acima do 4.000 m.

Explorar uma montanha é algo perfeitamente incrível, naquela época nem tinha bem a noção do privilégio que era estar ali, num local tão icónico como aquele, e a viver uma experiência assim tão rara. Caminhar pelos trilhos que nos fazem subir estas montanhas leva-nos a uma dimensão quase inacreditável, como quando nos posicionamos sobre o espesso manto de nuvens que cobre todo o vale e contemplamos as imensas montanhas que nos rodeiam… magnífico.



A vila de Chamonix:

A melhor forma de chegar a esta terra será voar até ao aeroporto de Genève, na Suíça, e depois, de carro alugado, autocarro ou comboio, percorrer os cerca de 80 km até ao vilarejo de Chamonix.

Da primeira vez que ali cheguei vinha de comboio diretamente de Paris e, da segunda vez, cinco anos mais tarde, vim de carro diretamente de Portugal, numa loucura jamais repetível de cerca de dois mil quilómetros, para cada lado.

Em agosto de 1985 esta vila estava cheia de luz e de cor, com as centenas de montanhistas que ali encontramos, e os esquiadores, com fatos garridos, muito na moda naquela época, preparados para um ski fora de época, pelas neves eternas nesta zona dos Alpes. Mas aquilo que mais marca este local é a presença da neve que cobre as montanhas, num branco que quase encandeia, e ilumina as ruas da aldeia, como se fosse um segundo sol.
Mas a chegada no inverno, e após um intenso nevão, é um abrir de portas às imagens dos contos de fadas, um mundo fantástico que nos fascina, sobretudo numa altura em que era ainda um jovem e tudo isto era uma completa novidade.

As casas estavam cobertas por espessos mantos de neve e assim permaneceram pelos dias em que lá estive, devido aos sucessivos nevões, transformando toda a vila num ambiente que nos fazia lembrar a terra do Pai-Natal.

Enquanto que, no verão de 1985, tinha aproveitado para explorar os trilhos de caminhada, usufruindo do bom tempo e desfrutando das paisagens, nesta época, em pleno dezembro, além do ski, que fui sempre praticando, aproveitei também o ambiente bucólico que a neve confere, quer nas próprias ruas do vilarejo quer nos múltiplos locais na envolvente, que nascem no sopé das montanhas e nos vão dando imagens de autênticos cartões-postais.

Bem no centro da povoação, senti a necessidade de olhar para o topo, seguindo a indicação da figura representada na estátua com os alpinistas Balmat e Saussure, que regista aquela que foi a primeira subida ao Monte Branco.
        



Ski em Chamonix:

Nesta estadia em dezembro de 1990 o objetivo era mesmo fazer ski. Ainda com receio de me aventurar pelas estâncias principais, localizadas nas cotas superiores, comecei por experimentar algumas pistas a altitude mais baixa, onde o céu se encontrava coberto e nevava frequentemente, prejudicando a minha já fraca competência enquanto esquiador, mas com a compensação de estarmos numa zona de floresta, esquiando entre as árvores cobertas de neve, num cenário lindíssimo.
Depois dos dois primeiros dias a treinar nas pistas cá de baixo, resolvi então subir de nível e subir também até ao alto da montanha. Apesar de continuar a nevar no fundo do vale, os teleféricos que nos levam até às estâncias lá de cima ultrapassavam o denso manto de nuvens e despertavam no alto de cada uma das montanhas com um sol brilhante e uma neve fantástica, pronta para um ski de enorme qualidade… que eu ainda não dominava completamente.


Depois, já lá no alto, as pistas e os meios mecânicos levam-nos a percorrer quilómetros e quilómetros de trilhos, de um conjunto de estâncias que gravitam em torno da vila de Chamonix e que incluem o acesso a estações de ski francesas, suíças e até italianas. Só esquiei em estâncias do lado francês, mas apenas por receio de apanhar pistas demasiado difíceis… se tivesse sido uns anos depois teria explorado cada uma das zonas onde fosse possível esquiar, e que são muitas, conforme se vê neste mapa dos meios de elevação… telecadeiras, telecabines e teleféricos.

Já no mapa seguinte, representam-se apenas as duas estâncias francesas que explorei, Brevént e Flégèr, com as suas pistas, onde se encontram demasiadas negras para o meu gosto, isto é, muito difíceis.

O ski em Chamonix é algo que remonta aos primórdios da modalidade do ski alpino e, mesmo ao nível da competição, este foi um lugar pioneiro, por exemplo, com a realização dos primeiros Jogos Olímpicos de inverno, que ocorreram em 1924, e cujos símbolos e referências, e até algumas infraestruturas, são ainda visíveis, como é o caso da rampa para saltos de ski utilizadas nessas olimpíadas.

Mas escolho aqui alguns dos posters anunciando esses Jogos Olímpicos, um deles mantenho ainda hoje exposto em minha casa, desde que o comprei em 1990.

Mas, voltando ao meu ski, naquela altura, ainda muito pobre e atabalhoado, sempre que me encontrava no topo da montanha era com enorme preocupação que me aventurava pelas pistas, algumas eram apenas azúis, ou seja, de dificuldade média, mas, para mim, eram quase todas dificílimas… que pena não ter conseguido aproveitar devidamente.
         


Um dos locais que explorei nas duas visitas que fiz a este lugar foi o pico Le Brévent, através do teleférico com o mesmo nome. Este pico leva-nos a uma das pistas de ski mais famosas de toda esta área, a Piste Charles Bozon, em homenagem ao esquiador natural de Chamonix, que morreu jovem num acidente de escalada. Trata-se de uma pista preta que, naturalmente, evitei, regressando no mesmo teleférico para o patamar de baixo (mas que hoje vejo em vídeos e constato que será uma pista fantástica). 

Mas, naquela época, tive que concentrar o meu ski nas pistas menos exigentes... e foi assim que vivi a minha primeira experiência a sério como esquiador, como já tinha vivido, cinco anos anos, e neste mesmo lugar, uma outra experiência como caminheiro de alta montanha.


         

Termino a descrição de duas viagens feitas já há séculos atrás, que até mal recordo, só as fotos, que na altura eram limitadas, me ajudaram a reavivar as memórias e a escrever esta crónica.

É claramente um local onde gostaria voltar mais uma vez, mas desta vez para usufruir de forma menos deslumbrada, e ficar demoradamente, voltando a experimentar os mesmos desafios, mas com uma maturidade diferente, seguindo os trilhos de escalada até ao Monto Branco, e aproveitando as centenas de quilómetros de pistas esquiáveis que ali estão disponíveis.


Carlos Prestes
Dezembro de 1990


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