quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Al Andaluz - Viagens pela Andaluzia


Pela proximidade desta região espanhola com o nosso país, e também pela existência da estância de Sierra Nevada, a mais próxima onde podemos praticar um ski de qualidade, fui levado a fazer algumas dezenas de viagens até à Andaluzia, a região mais a Sul de Espanha, e aquela onde os traços da ocupação árabe se revelam de forma mais evidente.

No final de tantas viagens resolvi então escrever sobre estes locais, as suas principais atrações, as pessoas e os seus hábitos, mas também sobre as experiências que fui vivendo ao longo de quatro décadas, desde a minha primeira visita a Sevilha, ainda miúdo, até à mais recente viagem, em agosto de 2021. Pelo meio ficaram várias visitas às principais cidades e mais de duas dezenas de viagens até Granada e Sierra Nevada, para fazer ski.

Nesta crónica vou referir-me a cada um dos locais visitados ao longo dos anos, que se encontram representados no seguinte mapa:
Assim, dividi a região agrupando algumas zonas com características em comum, como a província de Cadiz, a Costa del Sol, a zona de Granada, e as cidades de Córdoba e de Sevilla. Pelo meio surge ainda o enclave de Gibraltar, uma península britânica ancorada em plena Andaluzia.

Neste percurso hipotético seguiremos a ordem representada no mapa, com início em Jerez e conclusão em Sevilla, na maior cidade da região. 

O acesso à crónica de cada local é feito a partir dos seguintes links:



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terça-feira, 28 de agosto de 2018

Sevilla - Sob os olhos da Giralda

Sevilha é a nossa segunda cidade, depois de Lisboa, é talvez a grande cidade que mais vezes visitei, já desde os anos 90 do século passado, aproveitando a sua proximidade com o Algarve, mas também por ficar a caminho nas minhas idas à neve, a Sierra Nevada, e até pela existência de um parque de diversões a sério, a Isla Mágica, onde temos ido várias vezes ao longo das últimas duas décadas.

Mas, apesar das tantas viagens que fiz a esta cidade, chegam-me a faltar referências e sou obrigado a recorrer aos meus registos fotográficos para me lembrar daquilo que por lá visitei, sendo que as memórias mais vivas remontam às três viagens mais recentes, em 2013, 2016 e 2018… e foram essas as fotos que escolhi para ilustrar as crónicas que vou escrever de seguida sobre a capital da Andaluzia.
Como forma de organizar os percursos realizados ao longo da cidade, assinalei os principais bairros na envolvente do centro histórico, conforme está representado no mapa seguinte… e é sobre cada um desses bairros e das principais atrações que lá encontramos, que farei as próximas crónicas.
 


La Macarena e Santa Catalina

Escolhemos um hotel junto à Isla Magica, já a contar com uma visita a esse parque de diversões, pelo que ficámos logo na zona Norte da cidade, próximo do bairro de La Macarena, por onde entrámos vindos da Puente de la Barqueta e atravessando o Parque de Los Perdigones, onde se ergue a Torre de Los Perdigones.

Esta torre fazia parte de uma antiga fábrica, que foi uma das muitas fundições da cidade, e que foi restaurada recentemente, tendo passado a ser propriedade da Câmara Municipal e a ser utilizada como nova atração turística, permitindo que os visitantes possam contemplar a vista da cidade de uma altura de 45 metros.
Um pouco mais à frente, junto às antigas muralhas da cidade, existe uma praça com um jardim de grandes dimensões, que é chamada de Praça do Parlamento. Por detrás deste jardim fica o edifício do Parlamento da Andaluzia, a instituição onde é exercido o poder legislativo da comunidade autónoma da região andaluza.
Numa das esquinas da Praça do Parlamento encontramos outro edifício notável desta cidade, o Hotel Sevilla Macarena, com uma arquitetura sóbria e bastante bonita, onde são visíveis os traços marcados pela influência árabe, que se encontram por toda a cidade e, em particular, nesta zona típica do bairro da Macarena.
Para lá da linha materializada por uma antiga muralha entramos no coração do bairro de La Macarena, atravessando o chamado Arco de la Macarena, que é uma das três entradas que hoje em dia se mantêm ainda conservadas ao longo de toda a extensão das muralhas da cidade. O portão que atualmente se ergue na entrada do bairro resulta de um conjunto de remodelações, em que os elementos islâmicos foram sendo substituídos por referências de inspiração cristã. Hoje é apenas uma porta de passagem opcional, exibindo uma traça adaptada aos edifícios de referência do bairro, mas, ao longo dos séculos, por este portão passaram vários reis e rainhas, sempre que entravam ou saíam da cidade.

Logo por detrás deste Arco encontramos a Basílica de Santa María de la Esperanza Macarena, a sede da Hermandad de la Macarena, uma irmandade de adoração católica, bastante importante para os sevilhanos, sobretudo para os habitantes do bairro da Macarena. A igreja é uma obra do arquiteto sevilhano Aurelio Gómez Milan e foi declarada como Basílica Menor por uma bula concedida pelo Papa Paulo VI.

A integração destes dois monumentos, o Arco e a Basílica, forma uma imagem bastante bonita e que é uma das marcas principais deste bairro.
Entrámos depois por entre as ruas apertadas deste bairro típico, com as casas de influência islâmica, quase sempre em tons de branco e amarelo, caminhando sob o calor tórrido da Andaluzia, por aquela malha de ruas, secas e escaldantes, encontrando, de vez em quando, algumas capelas católicas, locais de culto de uma população devota.

E quando já nos arrastávamos de tanto calor, chegámos à Alameda de Hércules e começámos por encontrar o monumento dedicado a Manuel Jiménez Moreno, um afamado toureiro da cidade de Sevilha, conhecido como "Chicuelo". Trata-se de uma estátua em bronze com a imagem desse toureiro sevilhano, localizada no lado Norte da alameda, junto a outras esculturas urbanas. 

Mas não foi a presença destas estátuas que haveria de nos fazer grande diferença, na verdade, esta extensa praça oferecia algo muito mais apetecível, tendo em conta o calor abrasador que vínhamos suportando ao longo de todo o bairro… trata-se de um conjunto de fontes que pulverizam água ao longo da praça, e que utilizámos para nos refrescarmos, felizes como se fossemos todos crianças, mesmo aqueles que já estão longe de ser crianças.
         
A Alameda de Hércules é formada por uma vasta área pedonal que foi recentemente restaurada, tornando-se numa zona urbana atrativa, de lazer, cultura e arte. A praça tem uma história com referências à época da presença romana na cidade, representadas pela existência de duas colunas retiradas de um templo romano dedicado a Hércules, que adornam uma das suas extremidades. 
Mais tarde, a extremidade oposta foi também decorada com outras duas colunas, cada uma suportando um leão e um brasão, uma representação de Espanha e da cidade de Sevilha.

No final desta praça saímos também do bairro de La Macarena e entrámos na zona de Santa Catalina, no limite do Centro Histórico da cidade.

Nesta zona, que se desenvolve mais ou menos ao longo da Calle Campana, encontramos algumas igrejas, como é o caso da Iglesia de Santa Catalina, mas não é isso que mais atrai os visitantes que por ali andam. No nosso caso, percorremos esta rua no trecho onde se encontram as principais atrações desta parte da cidade, o Museu de Belas-Artes e o Metropol Parasol. 

Começámos pelo Museu de Belas-Artes da cidade de Sevilha, que é o segundo museu mais importante de Espanha, no que se refere a obras de pintura, logo depois do museu do Prado de Madrid. Conta com 14 salas organizadas cronologicamente, que assinalam um percurso ao longo da história artística do país, com muitas obras religiosas, originárias do período barroco. 

Como não sou fã de arte sacra, durante anos nunca passei do exterior deste edifício, limitando-me a apreciar apenas a imagem das suas fachadas.
Porém, na visita que fizemos em fevereiro de 2023, apenas um dia de paragem a caminho de Sierra Nevada, resolvemos entrar neste museu e apreciar o seu vasto conteúdo.

Ainda na Calle Campana atingimos a praça de La Encarnación, onde encontrámos o Metropol Parasol, uma construção feita em madeira, que começou por ser apenas uma cobertura para sombreamento e decoração da praça, mas que passou a ser também uma das construções mais modernas e mais interessantes da cidade.

Tem uma dimensão imensa, com 150 por 70 metros e 26 metros de altura, o que faz desta obra a maior estrutura de madeira do mundo. Foi criada pelo arquiteto alemão Jürgen Mayer-Hermann e foi concluída em 2011 e, devido à sua forma, que se assemelha a um conjunto de cogumelos gigantes, foi apelidada, desde logo, como Las Setas de la Encarnación (os cogumelos da Encarnación).

Durante as obras do Metropol Parasol foram revelados vestígios do período romano de Tibério (cerca de 30 anos d.C.) e não só, foram também encontrados os restos de uma casa islâmica almóada dos séculos XII e XIII. Desta forma, foi criado um site arqueológico riquíssimo, que inclui registos desde a época romana, à idade média e ao período contemporâneo. Todo este conjunto de vestígios foi recuperado, dando origem ao Antiquarium, um museu concebido para que aquela riqueza arqueológica pudesse ser apreciada, aproveitando a imensa cobertura de madeira da praça, e utilizando uma membrana de vidro que envolve o site arqueológico, fazendo deste espaço um dos mais interessentes de toda a cidade de Sevilha.



Centro Histórico

O centro da cidade de Sevilha é enorme e integra alguns dos bairros mais antigos, mas a parte da cidade que é considerada como o seu Centro Histórico, é a zona que fica entre os bairros da Macarena e de Santa Cruz, onde ficam algumas das referências locais, como a Catedral ou a Torre del Oro.

Foi a essa zona central da cidade que chegámos vindos da Plaza de La Encarnación, entrando pelas principais ruas de comércio, como a Calle Sierpes e a Calle Tetuán, que acordam após uma prolongada hora de siesta, e mantêm depois uma agitação frenética ao longo das horas mais frescas do entardecer.
        
Nesse emaranhado de ruas, quase indistintas, os sevilhanos mostram-se na azáfama de um dia normal de Verão, entre os seus empregos, entrando nas lojas ou já bebendo umas copas para fechar o dia, lá estão eles, sempre animados e imunes aos tórridos calores da Andaluzia, que aprenderam a contornar com umas paragens para refrescar e descansar, a famosa siesta, que aqui é quase uma instituição, como se fosse um mini feriado nacional de pouco mais de um par de horas, que se repete diariamente, e dá ganas a este povo para continuar o que lhes falta do dia.

Mas não são só os sevilhanos que ocupam as ruas desta cidade, há também muitos turistas, muitos deles com um ar completamente arrasado, de quem sucumbiu a um calor insuportável e espera desesperadamente pelo fresco da noite ou por umas copas refrescantes nalguma esplanada. Mas até lá continuam seguindo os roteiros que lhes vão indicando o que têm de visitar. E nesta zona do centro histórico, o roteiro marca a Igreja do Divino Salvador.

Na Plaza del Salvador encontramos o maior templo da cidade, depois da Catedral, que foi erguido sobre os restos da antiga Mesquita Maior de Ibn Adabbas. A Igreja do Divino Salvador é uma construção em estilo barroco, com uma fachada grandiosa que marca bem a sua singularidade, que é distinta das demais igrejas da cidade.

No interior encontramos um templo de grandes dimensões com destaque para o órgão do século XVIII, localizado sobre a porta principal e vários retábulos de enorme riqueza artística. Para além do retábulo maior, salientam-se o retábulo do Cristo do Amor, o de Santa Ana ou o dedicado à Virgem do Rocío.
Continuando ainda na direção do centro histórico, atingimos outro dos locais obrigatórios em qualquer roteiro, a Plaza de San Francisco, uma das praças centrais da cidade. Esta praça, que fica entre dois edifícios de referência do centro histórico, o Ayuntamiento de Sevilla e a Fundación Cajasol, encontra-se, por vezes, protegida por toldos de ensombramento, para atenuar o calor nas horas de sol mais intenso, e assinala já a proximidade da Giralda, a torre da Catedral.

Existem alguns edifícios notáveis nesta praça, nomeadamente: o Palácio da Fundación Cajasol, uma fundação cujo objetivo é o desenvolvimento da obra social e da valorização do património cultural da Andaluzia; e o edifício do requintado Restaurante Robles Laredo, que faz parte da conhecida cadeia de restaurantes Robles, embora, neste caso, se trate de um restaurante especializado em tapas e vinhos, mas mantendo o requinte habitual da marca.
         
Mas a referência principal desta praça é edifício do Ayuntamento de Sevilla, um prédio histórico com elementos artísticos de grande importância, mas que nunca visitámos, limitamo-nos a apreciar as suas fachadas, quer do lado da Praça de San Francisco, quer do lado oposto, na Plaza Nueva.

Do lado da outra fachada do Ayuntamento fica a Plaza Nueva, uma praça contornada por um conjunto de palmeiras, e com um imenso empedrado feito em mármore decorativo, ao centro do qual se ergue a estátua equestre de Fernando III de Leão e Castela, o conquistador da cidade de Sevilha aos Mouros.
Junto a estas duas praças passa a Avenida de la Constitución, uma rua larga, maioritariamente pedonal, embora passem por ali as composições do Metro de superfície, e estão também sempre a passar as charretes puxadas a cavalo que levam os turistas a conhecer a cidade, deixando para trás um cheiro nauseabundo a bosta de cavalo, que é uma marca (negativa) desta cidade… mas, ainda assim, não deixámos também de fazer o nosso passeio num destes veículos atrelados mal cheirosos.
A entrada nesta avenida faz-se pela esquina onde se encontra o Edifício de La Adriática, que, independentemente da sua origem e da sua história, vale muito pela beleza da sua fachada. A seguradora La Adriatia encomendou o projeto de arquitetura deste edifício que iria ser o rosto da cidade de Sevilha na Exposição ibero-americana de 1929. O resultado foi o edifício belíssimo que encontramos em plena Avenida de la Constitución, a pouco mais de 100 m da Catedral de Sevilha.
Ao percorrermos a Avenida de la Constitución deixámos para depois a visita à Catedral e procurámos uma passagem que nos iria levar até à Plaza del Cabildo, uma praça interior muito bonita, de forma semicircular. No centro do pátio existe uma fonte e, no contorno semicircular, ergue-se o edifício adornado com pinturas decorativas, com três pisos e uma galeria no rés-do-chão, apoiada em colunas de mármore.
Voltando à avenida de la Constitución passámos junto a mais um dos edifícios clássicos da cidade, o Arquivo Geral das Índias, uma espécie de Torre do Tombo da Andaluzia.
No trajeto seguinte, ainda sem sairmos do Centro Histórico, dirigimo-nos até à margem do rio que é dominada pela presença de um dos monumentos mais importantes da cidade, a Torre del Oro.
Diz-se que a torre recebeu este nome porque, antigamente, teria sido revestida com azulejos banhados a ouro, mas não é possível confirmar que foi mesmo assim. O que se sabe é que a Torre del Oro foi construída no século XIII pelo Califado Almóada, durante o período da presença islâmica, e que é, ainda hoje, um dos símbolos da capital andaluza e um dos pontos turísticos mais visitados.

Foi erguida para uma utilização com fins militares, fazia parte das muralhas que protegiam a cidade dos invasores que pudessem atacar pelo lado do Rio Guadalquivir. Mais tarde, já depois da reconquista cristã, a torre passou a ter funções diferentes, até que passou a funcionar como um museu marítimo.

Mas o que mais atrai a quem visita esta torre icónica, não serão certamente os artefactos que ali estarão expostos como símbolos das façanhas dos navegadores espanhóis, mas muito mais a imagem exterior desta torre tão bonita, sobretudo quando contemplamos a sua fachada com o enquadramento das águas do Guadalquivir.
Ao sairmos da zona da torre, seguimos pela marginal até ao Teatro de la Maestranza e escolhemos depois seguir de novo para dentro, e atravessar uma parte do centro histórico onde as ruas têm alguma animação, com bares, esplanadas e bodegas, como é o caso da Calle Arfe. E, no final de um percurso por estas ruas, que pode ser aproveitado para provarmos umas umas tapas e umas cañas, seguimos então na direção de outro símbolo desta cidade, a Real Maestranza de Sevilha… a praça de touros da cidade.
Conhecida pelos aficionados como a "Catedral da Tourada", a Plaza de Toros de la Real Maestranza de Caballería de Sevilla é uma das praças mais importantes em toda a Espanha, e é também um dos monumentos mais visitados da cidade. Trata-se de um local carregado de emoções ligadas às estórias que ali foram vividas, dos triunfos mais entusiasmantes até às maiores tragédias, foram ali escritas algumas páginas da história da tauromaquia e da própria cidade de Sevilha… e é um pouco de tudo isto que faz desta praça um lugar fascinante, mesmo para quem, como nós, não seja um apaixonado pela tauromaquia.
O Muelle de la Sal, ou doca do sal, está localizado no cais que se estende entre a Torre del Oro e a Puente de Isabel II, junto ao Paseo de Colón, e que é hoje um bonito passeio pedonal junto ao rio, onde a imagem da torre é sempre uma referência.
Esta zona corresponde a uma antiga área portuária com muita importância para o comércio local, onde chegavam os produtos que eram trazidos de Cádiz, vindos de todo o mundo. O nome atual deve-se ao facto deste cais ter servido para descarregar o sal que chegava das salinas de Cádiz, e que tinha uma importância vital para a conservação dos alimentos.

Em meados da década de 1960, as instalações de transporte rodoviário e a utilização de equipamentos de refrigeração, acabaram com o uso desse cais, que foi ficando abandonado. Mais tarde, no contexto da Exposição Universal Expo'92, o cais foi reabilitado, tendo sido ali instalado o Monumento à Tolerância, uma obra do escultor Eduardo Chillida.


Barrio de Triana

No lado oposto da Puente de Isabel II, também conhecida por Puente de Triana, que atravessa o Canal de Alfonso XIII, um desvio do Guadalquivir que banha o centro histórico da cidade, encontramos mais um dos bairros típicos sevilhanos, o Barrio da Triana.
É um dos principais eixos da cultura sevilhana, local de origem de cantores e dançarinos de flamenco, artistas e artesãos, sobretudo os mestres de olaria, o que se torna percetível nas principais construções que encontramos nas imediações da Plaza del Altozano, como o Castillo de San Jorge e o Mercado de Triana, ambos mostrando a influência da arte concebida pelos oleiros locais, feitos em blocos de tijolo e com painéis de azulejos decorativos.
As origens do bairro remontam a um passado distante dos tempos da presença romana, mas a origem desta zona enquanto bairro, só teve lugar já durante a ocupação islâmica, quando foi construída uma ponte rudimentar que unia o bairro ao resto da cidade.

Trata-se de um bairro muito autêntico e humilde, com grande influência do rio, que abriu as portas aos mares na busca do novo mundo. Com uma longa tradição marinheira, saíram daqui alguns dos homens que iriam navegar rumo às Américas, nas frotas da armada castelhana. Mas o rio não foi só fonte de riqueza e oportunidades para este bairro, foi também a causa de alguns episódios mais tristes, devido às grandes cheias que provocaram numerosas inundações na zona, trazendo a desgraça e a miséria às populações.

Hoje em dia, as imagens sobre o rio são uma das grandes riquezas do Barrio da Triana, onde nos brindam com as vistas da ponte de Triana, da Torre de Oro ou da silhueta da torre da catedral, a La Giralda.


A Plaza del Altozano, que nos recebe quando atravessamos a Puente de Triana, é o coração deste bairro e é de lá que saem todas as suas ruas.

É nesta praça que encontramos Castillo de San Jorge, construído sobre uma antiga fortificação do período dos visigodos e que, atualmente, é utilizada para exposições sobre o passado obscuro do edifício no período da Inquisição. É também ali que se encontra o Mercado de Triana, um espaço típico onde se reflete, nas suas bancas de fruta, carne e verduras, toda a essência do próprio bairro.

Ao entrarmos pelas ruas de Triana não precisamos destacar os principais pontos de interesse para visitar. Para sentirmos o encanto deste bairro basta passear pelas ruas e desfrutar do ambiente que ali se vive. Mas de todo o emaranhado de ruelas que formam o bairro destaca-se sobretudo a Calle Betis, que percorre toda a marginal, onde encontramos as suas casas típicas e um conjunto de bares de tapas que se estendem pelas esplanadas que ocupam a faixa junto ao paredão sobre o rio.


Este bairro é um dos locais imperdíveis para se passar um serão, aproveitando o ligeiro fresco que atenua o calor abrasador do dia e ficando a degustar umas tapas e uma cañas, enquanto apreciamos as paisagens do rio, ainda mais bonitas durante a noite.



Barrio de Santa Cruz e Plaza de España

Voltando de novo ao centro histórico, na envolvente da Catedral e sob o olhar permanente do seu campanário, a imensa torre da Giralda, chegamos ao Barrio de Santa Cruz.

Santa Cruz é o segundo maior bairro judeu de toda a Península Ibérica, depois de Toledo. O bairro acolheu a comunidade judaica após a reconquista católica da cidade pelo Rei Fernando III, de Castela, apesar de, durante os oito séculos de ocupação muçulmana, a religião judaica nunca tivesse sido proibida.

O nome do bairro vem da antiga Igreja de Santa Cruz, construída sobre as ruínas de uma sinagoga e que acabou por ser demolida durante as invasões francesas, mas, o pavimento original foi salvo e é hoje o piso da Plaza de Santa Cruz.

Entrámos no bairro pela Plaza Virgen de los Reyes, a praça onde se ergue a torre da catedral e onde encontramos o Palacio Arzobispal, com a sua belíssima fachada construída no século XVIII e considerada como uma das mais bonitas de todo o barroco sevilhano. 

Ao centro da Plaza Virgen de los Reyes ergue-se ainda a Fuente Farola, uma das fontes mais marcantes da cidade.

Esta praça é muitas vezes utilizada como cenário das fotos de muitos turistas que por lá passam, enquadrando as pessoas com a imagem da torre da Giralda em segundo plano.
Logo depois da Plaza Virgen de los Reyes seguimos pela Calle Mateos Gago e, a partir daí, entramos num labirinto de antigas ruelas, grande parte delas ocupadas por esplanadas de restaurantes e bares, para o tapeo sevilhano, e encontramos também alguns pequenos hotéis boutique.
Nesse emaranhado de ruelas que se vão sucedendo, algumas delas são uma referência do bairro, como a Calle Rodrigo Caro ou a Calle Santa Teresa, onde encontramos o Café-Bar Las Teresas, que temos o hábito de frequentar, sempre que estamos na cidade, para umas tapas e uma copas ao princípio da noite.
         


É nesta zona do bairro que se tornam mais evidentes os traços andaluzes, com as casas pitorescas, algumas delas com os seus pátios floridos, representando a imagem icónica de uma Sevilha antiga… a mesma que serviu de inspiração para romances e óperas, como o Don Giovanni, de Mozart, ou o Barbeiro de Sevilha, de Rossini.
         
Nesta zona do bairro as ruelas são cada vez mais apertadas e labirínticas, convidando a brincadeiras onde se misturam miúdos e graúdos, ano após ano.
         
Ao longo deste bairro, e para além das suas ruas, ruelas e becos, vamos encontrando praças arborizadas que são verdadeiros oásis nos dias mais quentes, entre laranjeiras e bancos forrados a azulejo, são um ótimo refúgio para quem precisa de fugir do Verão escaldante da Andaluzia.

Encontramos alguns parques e pátios de referência, como a Plaza de Santa Cruz, que dá nome ao bairro, a Plaza de los Venerables, ou a bonita Plaza de la Alianza.
Voltando de novo para perto da catedral, encontramos a Praça do Triunfo, limitada pelas paredes da própria catedral e pela muralha onde se encontra o arco que dá acesso ao Patio de Banderas, uma praça história, construída na época da ocupação islâmica, arborizada por um conjunto de laranjeiras e de onde podemos observar a Giralda… sempre atenta ao que se passa nesta zona histórica da cidade.

A própria Plaza del Triunfo é também um pequeno jardim onde se eleva a Estátua da Inmaculada Concepción, um monumento esculpido em mármore de Carrara no início do século XX, pelo artista Lorenzo Coullaut Valera.
         
A escaços metros desta praça situa-se a Puerta del León, ou Puerta de la Montería, que constitui a principal entrada no Real Alcázar de Sevilha, um monumento riquíssimo, mas que nunca tive a oportunidade de visitar, pelo que não vou fazer aqui qualquer tipo de descrição.

Este pórtico foi construído no tempo dos almóadas, tem uma altura de 8,5 m e serve de acesso ao Pátio do Leão e ao palácio de D. Pedro I. Numa próxima viagem até à cidade de Sevilha vou tentar visitar o imenso complexo do Real Alcázar e dos Jardines de Murillo, que ilustram uma grande parte da história desta cidade, desde a época da presença muçulmana até aos reinados dos reis católicos, após a reconquista.

Voltando até à avenida mais importante desta zona, a Av. de la Constitución, tomámos a direção da Praça de Espanha, começando por encontrar a chamada Puerta de Jerez. Trata-se de um dos principais espaços públicos da cidade, que está ligada aos Jardines de Cristina, formando um espaço pedonal bastante frequentado.

O seu nome vem da antiga Porta de Jerez que existia nas muralhas, neste mesmo local, uma das principais entradas na cidade, onde chegava a estrada que ligava Sevilha a Jerez de la Frontera.

A praça é bastante rica e inclui alguns espaços e construções de referência, como o Hotel Alfonso XIII, a Casa Guardiola, ou a Fuente de Híspalis, uma fonte que ali foi instalada para a Exposição Ibero-americana de 1929, composta por um conjunto de esculturas que representam a própria cidade.
Ainda nesta zona da Puerta de Jerez, em frente aos Jardines de Cristina, encontramos mais um edifício clássico, o Palacio de San Telmo.

É um dos edifícios mais impressionantes de Sevilha, um palácio barroco do final do século XVII, com uma fachada muito bonita e um portal de entrada que é uma verdadeira obra-de-arte.

Foi mandado construir pelo Tribunal do Santo Ofício, a instituição responsável pela inquisição espanhola, mas acabou por ser utilizado como academia marítima e orfanato para filhos de marinheiros, e foi por isso que recebeu o nome de "Santo Elmo", o padroeiro dos navegadores. Atualmente é a sede do governo regional, a Junta da Andaluzia.
Voltando à Fuente de Híspalis, seguimos o nosso percurso até à Praça de Espanha e encontrámos, logo de seguida, mais um dos edifícios históricos da cidade, a Real Fábrica de Tabacos. É um enorme edifício neoclássico que foi uma antiga fábrica de tabaco, referenciado como a maior obra industrial de toda a Europa, durante o século XVIII. Atualmente o edifício pertence à Universidade de Sevilha.
No final do quarteirão que é ocupado pela Fábrica de Tabacos chegamos à Plaza Don Juan de Austria, conhecida pela sua rotunda, onde se ergue a fonte da Alegoría al Otoño, encontrando-se, do seu lado esquerdo, o Paseo de Catalina de Ribera, um longo caminho pelos jardins que se formam junto à muralha que delimita o Real Alcázar e os Jardins de Murillo. Este Paseo, feito em honra de Catalina de Ribera, uma figura da nobreza castelhana do século XV, tem ainda um monumento em homenagem a Cristóvão Colombo e uma fonte dedicada à própria Catalina de Ribera.
Estávamos a chegar ao imenso Parque de María Luisa, onde se encontra a Praça de Espanha, mas, ainda antes, cruzámo-nos com outro edifício ligado à história da cidade, o Teatro Lope de Veja. É um dos teatros clássicos da cidade e é hoje utilizado para diversos tipos de espetáculos (teatro, dança, ópera, jazz ou flamenco), sendo umas das salas de espetáculos de referência em toda a Espanha.

Foi construído para ser o Teatro e também o Casino, da Exposição Ibero-americana de 1929. A sua arquitetura é bastante bonita, fiel ao estilo neobarroco, mas a beleza desta sala de espetáculos estará principalmente nos seus interiores, que são luxuosíssimos… mas que não tivemos oportunidade de visitar.
Entrámos finalmente no imenso pulmão da cidade, o Parque de Maria Luísa, um espaço verde lindíssimo que ocupa uma área de 34 hectares, e que é assumidamente um dos parques mais bonitos de toda a Espanha e um dos lugares mais apreciados de Sevilha.

O parque está cheio de espaços encantadores, como jardins, os habituais lagos cruzados por pequenas pontes, algumas alamedas preciosas, decoradas por monumentos, estátuas e fontanários.

Mas os locais mais importantes deste parque, e que o tornam realmente singular, são a Plaza de España, o Museu de Artes e Costumes Populares e o Museu Arqueológico.

A Plaza de España foi contruída por ocasião da Exposição Ibero-americana de 1929 e é o ex-líbris do parque, constituindo também um dos principais símbolos da identidade sevilhana. É composto por um edifício monumental implantado em forma de arco, que define uma praça semi-elíptica lindíssima, que se abre como se fosse um imenso abraço, capaz de acolher os visitantes.

O edifício encontra-se revestido com tijolo e azulejos decorativos, terminando em duas torres de estilo barroco com cerca de 70 m de altura, que se elevam em ambas as extremidades do arco.


No interior do arco elíptico que é descrito pelo edifício, encontramos a imensa praça revestida a tijoleira decorativa e um canal que acompanha a fachada, e que é cruzado por quatro pontes enfeitadas com azulejos, também elas uma das imagens de marca da praça. Ao longo deste espaço dispõem-se também 48 bancos, todos revestidos a azulejo decorativo, que representam as províncias espanholas, com figuras de alguns dos principais capítulos da história do país.


Numa das extremidades do parque Maria Luisa encontramos mais dois edifícios de referência. Um deles, o Museu Arqueológico, vive sobretudo pela riqueza do seu conteúdo que é exposto aos visitantes. Mas, já o Museu de Artes e Costumes Populares, que mostra atualmente exemplos representativos da cultura tradicional andaluza, vive sobretudo da beleza do seu edifício, um palácio magnífico, também construído para a Exposição de 1929, com traços notáveis da arquitetura andaluza, inspirados pelo aroma da presença árabe.

Terminando o percurso entre o bairro de Santa Cruz e a Praça de Espanha voltámos de novo ao centro histórico para visitar a catedral e a sua torre.


A Catedral de Sevilha

Durante o período da ocupação muçulmana da atual Andaluzia, em torno do século XII, os Almóadas, o povo árabe proveniente do Norte de África que dominava a península, decidiram transferir a capital do seu califado para Sevilha e construíram uma imensa mesquita, com um minarete que se assemelhava à torre da mesquita Koutoubia, em Marrakesh, cuja construção ocorreu na mesma época.

Nasce assim o templo que viria a ser durante toda a sua história, e até aos dias de hoje, um dos principais monumentos, não só da cidade de Sevilha, mas de toda a Espanha… mas a sua existência foi mudando ao longo do tempo, juntamente com a própria história desta região da Península Ibérica.

No século XIII, Sevilha foi reconquistada pelos cristãos, por Fernando III, Rei de Castela, com o regresso da religião católica à cidade, o que levou a que a mesquita existente passasse a ser utilizada como um templo dedicado ao culto cristão. Em 1248 a mesquita foi mesmo consagrada como uma Catedral.

Ao longo dos séculos este edifício foi sofrendo várias alterações, algumas apenas de reabilitação e restauro, mas outras no sentido de substituir as influências muçulmanas por traços cristãos, sempre aprimorando a identidade arquitetónica do gótico. Essas alterações fizeram deste templo um monumento majestoso, conhecido, hoje em dia, por Catedral de Santa Maria da Sede, reconhecida sobretudo pela sua dimensão, que faz dela a terceira maior catedral em todo o mundo, com os seus 126 m de comprimento e 76 m de largura.

Num dos processos de restauro foi colocada uma estátua no topo do antigo minarete, para representar a fé cristã, transformando definitivamente aquela torre no campanário da catedral. Essa estátua de bronze, pesa pouco mais de uma tonelada, tem forma de um cata-vento e chama-se Giraldillo.

Com o tempo, a torre do campanário passou a adotar o nome alusivo à sua estátua, e começou a ser conhecida como Giralda, nome que se mantém até à atualidade.
Apesar de tantas alterações a que a catedral esteve sujeita, no interior da Giralda mantêm-se ainda as rampas originais, como se tratasse de um minarete islâmico, e que serviam para que o Imã da mesquita pudesse subir de cavalo até ao topo, onde são feitas as habituais orações.

Hoje em dia a Giralda é um dos monumentos mais visitados da cidade de Sevilha. Escalamos até ao alto dos seus 96 m e encontramos uma vista fantástica sobre a cidade, fazendo-nos parecer que se trata apenas de um extraordinário miradouro… mas estamos enganados, a Giralda é uma dos campanários mais relevantes em toda a história da arte, tendo influenciado a construção de muitas outras torres em Espanha e, mais tarde, também pelas Américas.

Depois de uma subida bastante exigente, percorrendo a infindável rampa em espiral que nos leva até ao topo, chegamos ao balcão dos sinos, onde conseguimos alcançar uma vista ampla sobre a própria catedral e sobre toda a cidade, onde identificamos alguns dos seus principais símbolos, como a Plaza de Toros de la Maestranza ou o Patio de los Naranjos, que mais tarde iríamos visitar.
         


Um passeio pela Catedral será sempre algo entusiasmante, tal a riqueza e diversidade que ali vamos encontrando, mas chega até a ser demasiado, o que nos leva a perder o foco e a deixar passar algumas preciosidades sem a devida atenção, tal a oferta grandiosa que ali nos envolve.

O monumento conta com um património artístico bastante rico e variado, que inclui algumas obras-primas da escultura e da pintura, às quais nem prestei a devida atenção, tendo-me focado sobretudo nos principais espaços desta catedral.

Começámos pela imensa Nave Central, um magnífico e gigantesco espaço, que se eleva a uns impressionantes 42 m. Possui um total de 80 capelas e cinco naves, por onde se distribui uma quantidade colossal de ouro, nos retábulos e capelas, que logo nos chama a atenção, mais pela ostentação do que pela beleza… é essa a minha opinião, que não sou um grande apreciador de arte sacra.

De tudo o que nos rodeia nesse imenso espaço em toda a Nave Central, registo o conjunto de pórticos que formam as naves nas duas direções principais, e um dos seus retábulos, neste caso o Retábulo da Capela Maior, que é mesmo o maior retábulo que existe em todo o mundo cristão. Trata-se de uma obra de arte feita pelo escultor Pierre Dancart em talha dourada, com 400 metros quadrados de superfície, e que inclui mais de 200 figuras de vários santos, formando um dos melhores exemplos da escultura gótica de todo o mundo.

Uma outra preciosidade da Catedral é a sua Sala do Capítulo, também conhecido como Cabildo de la Catedral. É uma sala em formato elíptico e é considerada como uma das mais belas obras de arquitetura do Renascimento, sendo de destacar as pinturas e esculturas que decoram a sua abóboda, incluindo uma lindíssima pintura da Inmaculada Concepción do pintor Bartolomé Esteban Murillo.

Junto a esta sala está a Sacristia Maior, um dos espaços mais deslumbrantes da catedral, onde se encontra um tesouro formado por um importante conjunto de peças riquíssimas... meu Deus, tanto luxo que quase nos ofusca.

Entre capelas, sepulturas, pinturas e esculturas, tudo nos pode passar despercebido, tal a vastidão deste espaço, e também a impreparação com que assumi esta empreitada… mas há um único local que ninguém quer deixar de visitar, trata-se da escultura que inclui o Túmulo de Cristóvão Colombo, o grande almirante que é também uma das principais figuras da epopeia dos descobrimentos, cujos restos mortais foram trazidos de Cuba, e se encontram ali guardados. A escultura representa quatro portadores do caixão onde descansam as ossadas do almirante, figuras alegóricas que representam os reinos de Castela, Leão, Aragão e Navarra.
A saída da Catedral leva-nos às suas portas, também elas uma referência em toda a sua história. Existem um total de 10 portas, entre elas a Puerta de la Asunción, que é a principal, a Puerta del Perdón, que é a mais antiga e a única que se conserva da antiga mesquita almóada, e ainda a Puerta de San Cristóbal ou Puerta del Príncipe, que é a porta de entrada para os visitantes e onde encontramos, em jeito de boas-vindas, uma réplica do Giraldillo, a estátua que ocupa o pináculo da torre do campanário.

Mas saímos do edifício por uma outra porta, a Puerta Almóada, que nos conduziu diretamente até ao famoso Patio de los Naranjos. Um imenso jardim cheio de luz e cor… e, claro, muitas laranjeiras, numa zona da catedral que contém o que ainda resta da mesquita do século XII… e permanentemente sob os olhos da Giralda, a antiga torre do minarete, que ali encontramos, sempre presente e ainda dominante.
Neste pátio repleto de laranjeiras, que também existiam no antigo jardim da mesquita, vamos encontrando vestígios daquela época, como a fonte onde os muçulmanos faziam a habitual lavagem dos pés e das mãos antes da oração, ou a Puerta del Perdón, a mesma da antiga mesquita, por onde haveríamos de sair da catedral, entrando de novo na teia de ruas do centro histórico da capital da Andaluzia.
         


Isla Cartuja

Fora do perímetro histórico de Sevilha, encontramos a Isla Cartuja, uma zona moderna que, nas últimas décadas, adquiriu vida própria e tornou-se num destino imprescindível para quem visita a cidade. O nome desta ilha que se forma no Rio Guadalquivir, vem da existência, naquele local, do Monasterio de Santa María de las Cuevas, um mosteiro da Ordem Religiosa Cartuja, onde Cristóvão Colombo viveu enquanto planeava a sua viagem para o Novo Mundo.
Mas, apesar deste episódio histórico, na verdade, poucos conheciam aquela língua de terra que se forma entre dois braços do rio que banha a cidade de Sevilha, até terem escolhido esta ilha para ali fazerem a feira mundial que comemorava o 500º aniversário das primeiras expedições colombianas, conhecida como Expo'92, a primeira exposição mundial que muitos de nós, portugueses, e eu próprio, tivemos oportunidade de visitar.
Com as obras da Expo foi criado um sistema de canais que fez com que a ilha fosse ligada ao continente num dos lados, pelo que, atualmente, aquela zona já não forma uma ilha perfeita. No entanto continua separada do centro da cidade pelas águas do rio, e ligada por várias pontes, algumas delas notáveis, como a Puente de la Barqueta ou a Puente del Alamillo, desenhada pelo arquiteto Santiago Calatrava.

Depois de um período, de mais de uma década, em que os terrenos da Expo ficaram meio abandonados, ou em obras, pouco a pouco, foram surgindo algumas das principais infraestruturas que atualmente encontramos, como o parque Cartuja 93, um complexo de pesquisa e desenvolvimento que emprega 15 mil pessoas, alguns centros universitários de Engenharia e Comunicações, e um complexo de jardins, que inclui o Jardín Americano e os Jardines del Guadalquivir.

A Cartuja tem também agora alguns dos principais espaços de diversão da cidade, com discotecas e salas de espetáculos, incluindo o Teatro Central, o auditório Rocío Jurado e o Estádio Olímpico de La Cartuja.

Algumas das infraestruturas atuais integraram edifícios construídos para a Expo’92, para além do próprio Mosteiro de Santa Maria de las Cuevas, onde foi criado o Centro Andaluz de Arte Contemporânea. Assim, encontram-se, por exemplo, o Pabellón de la Navegación, que funciona como museu, e a Torre Schindler, um observatório sobre o rio... mas também outras construções mais recentes, como a Torre Triana, um edifício administrativo do governo da Andaluzia, inspirado na arquitetura do Castelo de Sant'Angelo de Roma, ou o arranha-céus Cajasol Tower, um centro comercial construído em 2016 e conhecido atualmente como "Torre Sevilla".

Mas de todas as construções e infraestruturas que nasceram na Isla Cartuja depois da Expo’92, aquela que se tornou mais relevante, captando todos os anos vários milhares de visitantes, foi o parque temático da Isla Mágica, o parque de diversões mais próximo da fronteira portuguesa, que já visitámos mais de uma dezena de vezes, em busca de diversão e emoções fortes.



Isla Mágica

No coração da antiga Expo’92 encontramos a joia da Cartuja, a Isla Magica, um extraordinário parque de diversões que atrai todos os anos vários milhares de visitantes, grande parte deles portugueses, e nós próprios, que já lá fomos mais de uma dezena de vezes, acompanhando o crescimento de cada uma das miúdas, que foram experimentado atrações cada vez mais radicais à medida que foram crescendo… só eu não tive a mesma coragem e continuo a dispensar algumas das atrações mais populares, que são também as mais assustadoras.

Por muito que se possa dizer ou escrever sobre um parque de diversões, o máximo que se pode fazer é mencionar cada uma das principais atrações, que estão representadas no mapa abaixo, e convidar os leitores a experimentarem, por si mesmo, cada uma delas.
Mas o parque não são só atrações radicais, como aliás acontece na maioria dos parques de diversões, há também todo um ambiente que é criado para nos fazer sentir em destinos longínquos, exaltando o espírito aventureiro em cada um de nós. Assim, podemos estar em diversas zonas temáticas, que ali são recriadas, como na floresta amazónica a descer uma cascata, retrocedendo à época dos piratas, ou indo mais à frente e entrando num ambiente futurista. E o conjunto dessas paisagens, apesar de artificiais, costuma ser sempre bastante interessante e ajuda-nos a entrar no espírito que é pretendido.
À entrada do parque viramos à nossa direita e chegamos à área da Puerta de América, onde encontramos a Anaconda, a atração principal desta zona temática. É uma montanha-russa de água que faz um percurso comprido e sinuoso, tal como a cobra que lhe dá o nome, por onde somos transportados dentro duns carrinhos em forma de barris, que vão subindo lentamente para depois caírem a alta velocidade, sobretudo na última queda, com uma altura de 17 m. No final acabamos quase sempre encharcados… o que é normalmente bastante apetecível, tendo em conta o calor tórrido que se faz sentir em Sevilha durante o Verão.

     
Ainda na Puerta de América vamos encontrar o Forte de São Felipe e o porto de Cartagena das Índias, onde se fazia a troca de mercadorias e pessoas entre as américas e o velho continente, e onde está ancorado uma replica de um barco de guerra espanhol do século XVI, El Galeón.
A zona seguinte tenta reproduzir o ambiente da Amazónia, recriando uma selva húmida e chuvosa. A primeira atração desta zona é mais uma montanha-russa de água, chama-se Iguazú e representa as impressionantes Cataratas de Iguaçu, levando-nos numa barcaça a percorrer um pequeno troço do rio que alimenta as quedas de água, para depois cairmos do alto das próprias cataratas, a mais de 60km/h. A queda vai provocar uma onda enorme, que vai molhar todos aqueles que tinham escapado ao banho na atração anterior.

Ainda na Amazónia, por entre a espessa vegetação que ali é recriada, encontra-se o Jaguar, a grande prova de coragem para os exploradores mais aventureiros… onde eu não me incluo. É a maior montanha-russa da Isla Magica e basta vê-la de longe para imaginar o seu tremendo rugido, e sentir o arrepio que nos atrai para o perigo, ou nos dá a certeza absoluta que não é para contarem connosco… e, neste caso, não contem comigo.
A montanha-russa desafia as leis da gravidade, numa espécie de testes para astronautas, com quedas vertiginosas de 32 m de altura a uma velocidade máxima de 85km/h, rodando como um parafuso e com loopings sucessivos… tudo isso acompanhado por uma gritaria infernal que ainda torna esta experiência mais arrepiante… não contem mesmo comigo.

Para acalmar de tanta emoção podemos fazer uma pausa na La Guarida de los Piratas, um local em que se forma uma pequena enseada do lago, onde está ancorado um barco de época, e onde vamos encontrar os mais temidos corsários e piratas de todos os mares.

Nesta zona existe um restaurante onde podemos aproveitar para fazer uma pausa para almoço, enquanto assistimos ao espetáculo La Fragata, com lutas, tiros e quedas na água, reproduzindo um verdadeiro motim num barco de piratas.
Uma condição indispensável para se ser um bom pirata é conseguir suportar os intensos enjoos que são provocados pelas longas temporadas em alto mar... e, sobretudo, pelo excesso rum.

Mas acredito que nenhum pirata será suficientemente valente para suportar os enjoos causados pela atração seguinte, o Los Toneles, sobretudo depois de uma refeição carregada de gordura, como aquelas que são servidas nos restaurantes do parque. Subimos a um barril e deixamo-nos levar por uma rotação vertiginosa que certamente nos fará parar a digestão… visto na minha perspetiva, claro, haverá outros piratas que fazem isso mesmo, sem qualquer dificuldade.
Logo depois da enseada dos piratas encontramos a zona do parque de inspiração futurista, com alguns jogos que usam tecnologias mais avançadas, como a caça ao pirata com pistolas de laser, mas sobretudo com o imenso Cinemoción, com salas para espetáculos 4D e com simuladores que nos levam a entrar quase fisicamente nas aventuras que nos são oferecidas, e que vão mudando de sessão para sessão, e também de um ano para o outro.

Pouco depois do Cinemoción entramos na zona temática do El Dorado, um espaço com motivos que reproduzem a mítica cidade perdida da busca do ouro, procurada durante séculos por exploradores espanhóis e ingleses.

Logo à entrada desta zona surge o El vuelo del halcón um carrossel frenético, que faz girar a alta velocidade um conjunto de cadeiras suspensas por correntes, que vão subindo à medida que a velocidade vai aumentando, tornando-se, no final, num autêntico voo do falcão, como o nome quer fazer supor.

Seja como for, será sempre algo entre um simples baloiço e um falcão a voar, mas qualquer dos dois será sempre demasiado para o meu frágil estômago.
Ao longo deste voo radical vamos observando a outra atração principal desta zona, os Rápidos de Orinoco, um rio com algumas descidas rápidas, que serpenteia toda esta área arborizada, passando junto às ruínas de um antigo tempo Maia.

A atração leva-nos a percorrer este rio a bordo de um barco pneumático, que vai ganhando velocidade à medida que o rio se torna mais rápido… sempre sob a ameaça das cascatas que vamos encontrando, ou dos jatos de água e de salpicos por todo o lado, que certamente nos vão ensopar até aos ossos, para nos refrescar mais uma vez contra o calor tórrido da Andaluzia.

Voltando de novo até à entrada principal, que faz parte da zona temática de Sevilla, Puerto de Indias, que reproduz o ambiente que se vivia na Sevilha no séc. XVI, a cidade mais povoada do reino, sempre virada para a conquista comercial e cultural do Novo Mundo, encontramos mais duas atrações importantes. Começámos pelo Ciklón, uma atração vertiginosa que, hoje em dia, já nem existe no parque, apesar de ser uma das favoritas da miudagem, pela grande emoção que provocava… e é também uma daquelas em que dificilmente me iriam apanhar.


Para terminar faltava-nos uma das principais atrações de todo o parque, a grande torre panorâmica, também conhecida por El Desafío.
Aqui, não podemos deixar de subir até ao alto dos 68 m desta torre, quer seja para usufruir da emoção da queda, que pode ser alucinante, quer seja para desfrutar das fantásticas vistas sobre a própria Isla Mágica, mas também sobre a cidade de Sevilha.


O El Desafío dispõe de seis modos de funcionamento que vão mudando ao longo do dia, apresentando diferentes níveis de intensidade, e também de emoção, do mais soft ao mais radical, que vão desde o modo panorâmico, intensidade baixa, e quase um passeio para ver as vistas, até ao modo pojo, apenas para os mais aventureiros, com uma queda quase livre.

Terminámos assim esta crónica sobre uma cidade que é quase nossa, tal a proximidade com o Alentejo e com o Algarve. É uma das principais cidades espanholas e também uma das mais ricas do ponto de vista histórico, tendo sido palco de algumas das principais façanhas do reino de Espanha, da ocupação muçulmana, à reconquista, até à exploração do Novo Mundo, servindo de sede da missão comandada pelo grande Cristóvão Colombo.

Mas Sevilha é também a luz da Andaluzia, com os seus hábitos muito próprios, da siesta, dos toros, das tapas, de um sem número de rituais que nos são aprazíveis, na nossa condição de descendentes dos mouros, e apreciadores de uma tarde descansada à sombra, fugindo do calor, com umas copas e umas tapas de embutidos ibéricos, que nos deliciam… que cidade fantástica e como poderia viver por aqui.