domingo, 19 de agosto de 2018

Ronda - El Cañón Andaluz

A cidade de Ronda, que encontramos no alto de uma colina íngreme a 50km da Costa del Sol, é o maior e mais importante dos chamados Pueblos Blancos Andaluces, (conforme publicação neste blogue). Mas, Ronda não é apenas uma pequena aldeia de casas pintadas de branco, é antes uma bonita cidade com um centro histórico típico e acolhedor, onde encontramos alguns dos traços mais genuínos da cultura da Andaluzia. 

E o que mais se destaca na cidade de Ronda é o facto do seu Casco Antiguo se encontrar dividido por um grande desfiladeiro, o chamado El Tajo, um canyon (ou Cañón, em castelhano), que atinge uma profundidade superior a 100 m, por onde corre o Rio Guadalevín, e que separa a cidade velha, do período da ocupação muçulmana, da cidade nova, fundada no século XV. 

Mas, mais impressionante do que o próprio desfiladeiro, é a ponte que ali foi construída no século XVIII e que liga as duas partes da cidade. A chamada Puente Nuevo, uma extraordinária obra de engenharia e um monumento brutal, que é também uma das principais imagens de marca da Andaluzia. 
Na minha chegada à cidade de Ronda era já noite cerrada e não fui surpreendido pelo branco das casas nem pelo calor das ruas, sempre cheias de gente a caminhar ou nas esplanadas, a imagem mais comum destas terras andaluzas. 

À noite, a cidade já dormia e o ritmo frenético da Andaluzia já estava a abrandar, mas não deixei de fazer um pequeno passeio, que era apenas para desentorpecer as pernas, depois da viagem. E foi assim, quase sem me aperceber para onde estava a ir, ao virar de uma esquina junto ao que pareceria ser um pequeno miradouro, que encontrei uma paisagem quase arrepiante… com o desfiladeiro a perder-se na escuridão das profundezas, o casario perigosamente empoleirado sobre a parede vertical do rochedo, e a fantástica Puente Nuevo, uma obra-prima da engenharia, que ali estava iluminada e ainda mais sublime.

Na manhã seguinte partimos à descoberta da cidade e começámos pelo lado Sul da Ponte Nova, onde fica a cidade velha, atravessando mais tarde o Rio Guadalevín de regresso ao lado Norte, onde se desenvolve o centro histórico mais recente.

Os caminhos que percorremos, embora de forma um pouco aleatória, em função daquilo que nos ia despertando interesse, seguiram mais ou menos os trilhos assinalados no mapa seguinte:

Ciudad Vieja

Para melhor observarmos a encosta da Cidade Velha começámos ainda do lado Norte do desfiladeiro, no mesmo local onde tínhamos estado na noite anterior, o Miradouro do Paseo de Kazunori Yamahuchi, um balcão que está encostado ao Parador de Ronda (uma espécie de Pousadas de Portugal à espanhola), que oferece uma vista extraordinária, não só da ponte, mas também das construções que se instalaram perigosamente sobre as ravinas do El Tajo... El Cañón Andaluz

Dali podemos ainda observar um outro miradouro, o chamado Miradouro Ronda, mais afastado do desfiladeiro, mas com uma vista magnífica sobre toda a paisagem envolvente, com as montanhas de Ronda ao fundo. 
Mal atravessamos a ponte encontramos um novo local de observação privilegiada, o Mirador de Aldehuela. Dali, ficamos sobre o desfiladeiro cavado na rocha do lado montante do rio, com os peculiares Jardines de Cuenca, que ocupam sucessivos socalcos no topo da colina e são visíveis as casas brancas empoleiradas na ravina d’El Tajo, como do outro lado da ponte.

Continuámos depois pela Ciudad Vieja, que remonta ao período de ocupação muçulmana, da qual encontramos ainda alguns vestígios, como é o caso do Palácio de Mondragón, que terá sido a residência do Rei Abomelic, filho do Sultão de Marrocos Abul Asan, que foi convertido no atual Museu Municipal de Ronda. 
Mas para além de alguns edifícios de referência da época da ocupação dos mouros, esta parte da cidade é o típico Pueblo Blanco andaluz, com a traça arquitetónica das casas da Andaluzia, sempre muito brancas, revelando uma evidente influência da presença árabe nesta zona da península. 
Ainda neste aglomerado de casas, algumas delas são casas senhoriais convertidas em hotéis de charme, que aproveitam a extraordinária vista que esta zona proporciona, desenham-se também algumas praças e jardins bastante acolhedores nas horas de mais calor, como é o caso da Plaza Duquesa de Parcent, dominada pela Iglesia de Santa María la Mayor, uma bonita igreja católica inserida num jardim, também ele, bastante bonito. 

Um outro jardim que ali encontramos é a Plaza de María Auxiliadora, com um miradouro com vista sobre as montanhas de Ronda e com acesso a um pequeno trilho que serpenteia ao longo da encosta e nos permite chegar perto do sopé do desfiladeiro, onde podemos observar o rio e a Ponte Nova de uma perspetiva diferente. O percurso é um pouco radical, sobretudo na subida de regresso… mas vale bem o esforço porque, dali de baixo, a imagem da ponte e do vale que a envolve, surge ainda mais bonita e mais impressionante. 
Ainda do lado da cidade velha percorremos o conjunto de ruas, sempre bonitas e bem arranjadas, e encontrámos mais algumas das influências do período muçulmano, como as muralhas que cercam a cidade, onde surge a Puerta de Carlos V, ou os Banhos Árabes, já mais em baixo, junto ao rio e à Puente Árabe. 

A travessia do rio por este lado apanha o desfiladeiro com uma altura muito menor, de apenas 31m de elevação sobre o nível do rio, por isso, foi aqui que construíram a primeira ponte de ligação entre as duas partes da cidade, a chamada Puente Viejo, 

A ponte que hoje encontramos e que é apenas pedonal, foi executada em 1616, após diversas reconstruções ao longo da sua história. É uma ponte de um único arco com 10m de diâmetro e só foi batizada com o seu nome atual no século XVIII, depois de ter sido construída a Ponte Nova. Alguns trabalhos de restauro ao longo dos séculos permitiram criar umas aberturas nos parapeitos da ponte que impediam a vista sobre a paisagem ao fundo com as belezas naturais do Tajo. 
A vista sobre a Ponte Velha alcança esta parte da cidade, de novo com a traça típica de um pueblo blanco da Andaluzia, com a sua igreja católica, neste caso trata-se da Iglesia de Nuestro Padre Jesús. 
Do outro lado da ponte seguimos pelos trilhos junto ao desfiladeiro, subindo pelos patamares que vão ocupando os socalcos que se criam ao longo do topo da colina, formando os Jardines de Cuenca. 

Mas, o mais interessante destes jardins, será podermos dispor de um miradouro em cada patamar, sempre com paisagens extraordinárias d’El Tajo, um prodígio da natureza criado por milénios de erosão, com as águas do Guadalevín a rasgar o maciço calcário formando a garganta que hoje ali encontramos. 
As vistas deste lado continuam a ser fantásticas... no topo da margem esquerda erguem-se vários edifícios onde se destaca La Casa del Rey Moro, apoiado no limite do precipício, desafiando as leis do equilíbrio. 

A Casa del Rey Moro é um palacete do século XVIII com uma decoração riquíssima no seu interior e nos seus jardins, com traços de palácio real dos sultões árabes. Quem quiser ver de perto toda esta riqueza, tanto no interior como nos jardins, pode visitar o palácio. 
Terminando a escalada ao longo do desfiladeiro, voltamos a ter um novo angulo de visão da Ponto Nova, que não me canso de observar e de fotografar.


Ciudad Nueva

A reconquista católica no século XV provocou uma profunda alteração, quer cultural quer na aparência da cidade. Foi assim, a partir dessa mudança, que foi criada a Cidade Nova do lado Norte do desfiladeiro, com novas ruas e praças onde foram construídas diversas igrejas católicas, em torno das quais fizemos o nosso percurso de reconhecimento. 

Começámos na Plaza España, uma praça encostada à Ponte Nova, onde se destaca o edifício do Parador de Turismo de Ronda. 
Depois percorremos as ruas desta parte da cidade, algumas delas transformadas em esplanadas ininterruptas, como Calle Nueva ou a Calle José Aparicio, que resolvemos espreitar, sobretudo devido ao aproximar da hora de almoço e aos aromas da comida andaluza que nos iam atraindo… mas que deixámos para mais tarde. 

Tínhamos previsto visitar algumas das praças principais, inevitavelmente com as respetivas igrejas, e foi o que fizemos. Começámos assim pela Plaza de los Descalzos, onde se encontra a bonita Iglesia de Santa Cecilia. 
No regresso escolhemos a Carrera de Espinel, uma rua muito concorrida, que constitui o principal centro de comércio da cidade, com todo o tipo de lojas e também algumas esplanadas… não sendo uma rua particularmente típica e bonita, é ali que encontramos o centro nevrálgico da cidade, não só com turistas, mas também com os seus habitantes. 
Chegámos assim à praça mais bonita da cidade, a Plaza del Socorro, um local típico e acolhedor, onde se concentram algumas atrações, como o edifício do Casino, a Parroquia de Nuestra Señora del Socorro, ou a fonte, no centro da praça, com escultura de Hércules e os leões. 
O seguinte ponto de visita foi a Alameda del Tajo, um jardim que fica encostado ao limite da colina e, por isso, permite contemplar toda amplitude da paisagem envolvente. 

Logo depois surge a Plaza de la Merced, com mais uma das igrejas católicas da cidade, a Iglesia de Nuestra Señora de la Merced. 
Ainda na Cidade Nova e bem perto da Alameda del Tajo, encontramos a típica Plaza de Toros que pode ser vista como um dos ícones desta cidade, pela sua história e a sua arquitetura, e que é também o símbolo da tradição tauromáquica, tão apreciada pelos habitantes de Ronda. 


La plaza de toros de Ronda 

Começámos por apreciar o aspeto exterior da praça, um edifício pequeno e simples, também ele caiado de branco, que não deixa antever a beleza que iriamos encontrar no seu interior. 
A entrada principal é ornamentada pelas estátuas de dois toureiros famosos, Cayetano Ordonez e Aguilera e, do seu lado posterior, encontramos a estátua de um touro, um monumento construído como homenagem da cidade ao toro bravo, “pilar de la fiesta, cultura e história de un pueblo”, como está escrito na placa colocada aos seus pés. 

A Plaza de Toros, que é propriedade da Real Maestranza de Caballería de Ronda, é um bonito edifício histórico de estilo neoclássico e é considerada a praça mais antiga de toda a Espanha, o que faz com que a cidade de Ronda seja considerada como um dos berços da tauromaquia moderna, surgida no século XVIII nesta região, com grande tradição na arte equestre. 

O interior da praça é visitável, as bancadas, as cavalariças e os curros, mas também a própria a arena, que é a parte mais interessante, e ainda o museu de tauromaquia que se encontra no edifício. 

O edifício da praça, da autoria do arquiteto Martín de Aldehuela, foi construído em 1785, e tem uma beleza muito particular, nomeadamente o seu interior e as suas bancadas, com pórticos apoiados em colunas toscanas. 

Apesar do edifício parecer bastante pequeno, na verdade não é bem assim, comporta uma arena com 60m de diâmetro e tem uma capacidade para 6 mil espetadores. 

Esta praça está também associada à história das touradas espanholas, já em meados do século XX, quando a respeitada família de toureiros, os Ordóñez, criaram uma nova forma de tourada. Ficaram conhecidas, e mundialmente famosas, como as Touradas de Goya, onde toda a decoração e as vestimentas dos participantes são inspiradas na época do pintor Francisco Goya (um pouco à semelhança das nossas touradas à antiga portuguesa… que é algo que conheço muito mal e pela qual não tenho particular interesse). 

Interessa-me mais este papel histórico e cultural que as touradas desempenharam ao longo dos anos, e em particular estas Touradas de Goya, que acrescentam uma beleza peculiar à própria beleza plástica da festa brava, que tem inspirado figuras ilustres da cultura como Picasso, Orson Wells ou Ernest Hemingway. 


Apesar de não serem aficionadas, outras figuras - também ilustres - visitaram esta praça de touros e puderam apreciar toda a beleza que é proporcionada por este ambiente que nos leva a viajar pela história da tauromaquia espanhola. 


Terminámos a visita à cidade de Ronda numa das esplanadas de rua experimentando alguns dos paladares andaluzes, que aqui incluem ainda outras especialidades locais que não quisemos deixar de provar, como os ibéricos da serranía de Ronda, os tomates corazón de buey e um excelente guisado de rabo di toro… tudo perfeitamente delicioso… a cereja sobre o bolo, depois da visita a esta cidade preciosa e completamente imperdível.