Ao longo de quase toda a Andaluzia vão surgindo, aqui e ali, pequenas aldeias dominadas pelo branco das suas casas, e que são, por si só, um dos atrativos turísticos da região. Algumas dessas aldeias foram eleitas como as mais típicas e fazem parte da chamada Ruta de Los Pueblos Blancos Andaluces, que incluem sobretudo aldeias localizadas na província de Cádis, encaixadas nas montanhas que ficam por detrás da costa mediterrânica, mas incluem também algumas aldeias situadas mais no litoral, já na província de Málaga, na chamada Costa Del Sol.
Em muitas das viagens que fiz por esta região espanhola fui passando por alguns destes Pueblos Blancos, sem, contudo, ter feito um circuito específico para os visitar. Só em 2021 resolvemos percorrer os caminhos que ligam as principais aldeias que fazem parte da dita Ruta de Los Pueblos Blancos, começando junto ao Mar Mediterrâneo, na província da Málaga e terminando nas montanhas da província de Cádis.
Algumas destas aldeias valem sobretudo pela sua imagem vista à distância, com o casario caiado de branco ao longo de uma colina, sempre com a sua igreja e, por vezes, com as muralhas de uma antiga fortaleza. E confesso que algumas vezes nem cheguei a visitar os pueblos por onde passei, limitando-me a fazer breves paragens em miradouros, apenas para umas fotos, tentando não me expor muito às temperaturas abrasadoras do Verão na Andaluzia. Mas, nesta última viagem, acabámos mesmo por entrar na maioria destas aldeias.
Neste mapa, que fomos usando como guia, assinalam-se as localizações de cada um dos pueblos blancos visitados:
Ainda antes de começar a falar das principais aldeias, refiro-me aqui a um conjunto de outros pueblos, bem menores, que vamos encontrando e que vão povoando estas montanhas andaluzas de forma anónima, deixando sempre a sua marca de cor branca. Ficam aqui algumas fotos desses pequenos pueblos, não identificados.
Entrando agora na Ruta dos Pueblos Blancos, vamos passar pelas aldeias assinaladas no mapa, começando em plena Costa del Sol, pela aldeia de Mijas.
Mijas:
A menos de 10 km das praias de Fuengirola fica a vila pitoresca de Mijas, talvez o mais conhecido dos pueblos blancos da Andaluzia. Mas, neste caso, talvez pela proximidade das zonas mais frenéticas da Costa del Sol, Mijas acaba por ser quase um prolongamento dessa zona balnear, padecendo, por isso, de uma concentração massiva de turistas, que enchem a vila diariamente, fazendo perder alguma da sua genuinidade original.
Mas o vilarejo branco ainda lá está, quando observado a uma certa distância, identificamos os traços da pequena aldeia que, em tempos, terá sido certamente um dos mais bonitos pueblos daquela zona.
Por isso, o segredo será visitar Mijas já ao final da tarde, para evitar uma maior concentração de turistas, e procurar os melhores locais para a observação das paisagens que a vila oferece, e conseguiremos panorâmicas que mostram ainda o retrato de uma aldeia de montanha, no seu branco genuíno.
E depois podemos descer até às ruelas mais apertadas, onde nos iremos cruzar com recantos típicos e bastante bonitos, alguns enfeitados com vasos floridos, que dão uma imagem jovial à vila que nem os turistas conseguem perturbar.
Por fim, Mijas tem ainda uma outra particularidade, que é o facto de ser o pueblo de los burricos, encontrando-se algumas dezenas de burros que funcionam, nesta terra, como um dos principais meios de transporte. E é em simples montada ou puxando pequenas carroças, que vão percorrendo as ruas numa espécie de city-tour, dando a conhecer aquele que é o pueblo blanco mais visitado de toda a Andaluzia.
Ainda junto à costa mediterrânica, neste caso, já mais a Sul, a escassos 15 km das praias de Estepona, surge um dos Pueblos Blancos mais emblemáticos da província de Málaga, a aldeia de Casares. Fica encaixada na montanha que se ergue a partir da zona costeira, permitindo a combinação entre o aspeto rústico e típico da aldeia, com alguma influência turística, pela proximidade da zona balnear da Costa del Sol.
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E é impressionante como o conceito de pueblo blanco aqui se faz notar, não há uma parede que não esteja imaculadamente caiada de branco.
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A aldeia é bastante bonita, sobretudo pelo branco do casario e, tal como na maioria das típicas aldeias da Andaluzia, surgem também os principais símbolos locais, aqui de forma bem evidente, ocupando o monte mais alto... lá estão a igreja do pueblo e a antiga fortificação, criada para a defesa da aldeia durante séculos de história.
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Juzcar
Entre Casares e Ronda optámos por fazer um desvio de quase 30 km, sempre por estradas sinuosas de montanha, para visitarmos um pueblo andaluz muito especial.
Trata-se da aldeia de Júzcar que tem uma particularidade que a diferencia… é que em vez de blanca, como todas as aldeias vizinhas, Juzcar é um pueblo totalmente azul.
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Desde logo, esta singularidade cromática já justificaria uma visita a esta terra azulada que encontramos no meio do nada, mas a aldeia tem ainda uma história curiosa. É que Juzcar era mais um tradicional vilarejo com as suas casas pintadas de branco, até ao verão de 2011, quando mudou a sua aparência tornando-se na primeira e única vila oficial inspirada nos Smurfs (ou Estrunfes… no seu nome original).
Esta ideia criativa foi lançada pela Sony Pictures como parte da campanha realizada para promover o filme Os Smurfs. Face ao desafio que foi lançado, os moradores concordaram em pintar o tradicional pueblo blanco de um azul-claro brilhante. Era suposto que o projeto fosse temporário, mas a ideia pegou tão bem que Juzcar tem vindo a manter a cor das casas e até a organizar uma série de eventos e feiras inspiradas nos famosos desenhos animados belgas.
Só uma curiosidade… por que razão terá a Sony escolhido esta aldeia patusca plantada no fim do mundo das serras da Andaluzia, para fazer esta promoção? A resposta está associada à natureza dos próprios Smurfs que são especialmente conhecidos por gostarem de todo o tipo de cogumelos. Ora, esta aldeia tem uma longa tradição na cultura de cogumelos, tornando-se um paraíso para os apreciadores destes fungos, organizando passeios que combinam o contacto com a natureza e a gastronomia e, no final, acaba sempre tudo numa festa Smurf, como se entrassem num desenho animado em tamanho real.
Ronda:
É a maior das cidades que tem este estatuto de pueblo blanco, cujos traços típicos nos surgem de forma evidente em diversas zonas do povoado, revelando a presença da habitual fortificação e, claro, também o vasto casario caiado de branco.
Mas Ronda é bem mais do que um povoado branco das montanhas da Andaluzia. Ronda é também uma das cidades mais interessantes desta região espanhola e, por isso, a sua descrição foi objeto de uma crónica específica, que será a próxima crónica, e que surge neste blogue com a designação de Ronda - El Cañón Andaluz.
Mas, apenas para "abrir o apetite", deixo aqui uma das fotos da cidade de Ronda, que não mostra a zona onde se desenvolve o casario caiado de branco, mas revela o principal atrativo desta cidade - a sua Ponte Nova - construída no século XVIII, com uma altura impressionante de quase 100 m, atravessando o desfiladeiro do Tajo, por onde corre o rio Guadalevín.
Para lá da cidade de Ronda, no alto do complexo montanhoso que se estende à volta do parque natural da Sierra de Grazalema, percorremos os vários pueblos blancos que fazem parte da província de Cádis. Para visitarmos algumas destas aldeias, basta optarmos por chegar, ou por sair, de Ronda, na ligação a Sevilha, a Jerez ou a Cádis, seguindo pelas estradas de montanha, em alternativa ao trajeto que se faz pelo litoral, onde podemos utilizar alguns troços de autoestrada, mas não seremos surpreendidos por estas aldeias típicas da Andaluzia.
Foi assim que, ainda no século passado e conduzindo um mítico Citroen Dyane, vindo de Sevilha até Ronda por estradas secundárias, descobri algumas destas aldeias, num percurso de montanha de cento e poucos quilómetros.
Todas estas aldeias estendem-se ao longo de colinas, por vezes bastante íngremes, no alto das quais se erguem muralhas, ou as suas ruínas, das antigas fortalezas que as protegiam, normalmente do período da ocupação árabe.
Assim, para explorarmos estes pueblos, é quase necessário escalarmos por entre o casario, padecendo muitas vezes do calor que se sente nos Verões da Andaluzia. E, por isso, nessa primeira viagem que fiz até Ronda, limitei-me a fazer breves paragem nas aldeias por onde fui passando, sem a coragem de mergulhar no seu interior... até porque, aquela é uma zona onde a siesta é ainda um hábito popular, deixando as aldeias quase desertas durante várias horas do dia.
Mas, desta vez, em 2021, resolvemos entrar com alguma profundidade nestas aldeias, e optámos mesmo por pernoitar numa delas.
Setenil de las Bodegas:
Entre Ronda e Olvera surge o pueblo de Setenil de las Bodegas, uma aldeia com uma configuração estranhíssima, onde a sua rua principal se dispõe como que abrigada sob um imenso rochedo que domina toda a aldeia, no topo do qual se ergue a fortaleza do pueblo.
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As casas caiadas de branco distribuem-se ao longo de um vale estreito, formando uma bonita aldeia que é dominada pelas falésias deste rochedo, que a acolhe e protege, mas que a nós mais nos parece que a ameaça.
Uma das atrações desta aldeia é a existência de uma rua muito peculiar, a Calle Cuevas del Sol, localizada na margem de um curso de água, e que fica literalmente encaixada sob o rochedo, onde se encontram várias casas denominadas localmente como "abrigo bajo rocas". E é aqui, nesta rua, que se encontram os bares e restaurantes, preparados para acolher os turistas com as suas esplanadas, que aproveitam a sombra de um teto formado pela superfície da rocha, literalmente na horizontal... deixando uma sensação assustadora de permanente risco de derrocada.
Olvera:
Esta é uma das aldeias mais importantes desta ruta, não só pela paisagem do aglomerado de casas brancas ao longo da colina, mas sobretudo porque enverga dois dos monumentos mais interessantes desta zona, a Parroquia Nuestra Señora de la Encarnación e o Castillo de Olvera.
A igreja da Nossa Senhora da Encarnação é uma construção neoclássica do século XVIII localizada no alto da colina, salientando-se no recorte da paisagem da aldeia e constituindo, dessa forma, a sua principal imagem de marca.
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Quanto ao Castelo de Olvera, conhecido como Castelo Árabe, é uma construção do século XII que fazia parte do sistema defensivo do antigo emirado de Granada. Foi implantado sobre o mais alto rochedo daquela montanha, e marca também a paisagem da aldeia, dando uma imagem de diversidade, na combinação entre estas duas construções de estilos tão distintos, e que representam simbolicamente os poderes, árabe e católico, e que ali parecem combinar em perfeita harmonia.
Foi esta a cidade que escolhemos para ficar durante a noite e, por isso, tivemos oportunidade de percorrer as principais ruas, a maior parte delas sem grande interesse e, quase sempre, autênticas ladeiras, colina acima.
Concluímos, da pior forma, que os encantos deste pueblo não se encontram nas ruas e praças que, com dificuldade, lá fomos escalando. A grande atração deste local são as suas paisagens quando vistas à distância, com as casas brancas que ocupam a colina e, lá no topo, as silhuetas da igreja da Nossa Senhora da Encarnação e do castelo.
Felizmente era essa a imagem a que tínhamos acesso da janela do quarto do nosso hotel, o que nos permitiu assistir a esta bonita vista, primeiro ao entardecer, depois já à noite e com as luzes acesas, e de manhã cedo, com os magníficos tons quentes do nascer do sol.
Zahara de la Sierra:
Esta é uma aldeia bem diferente das demais. Desde logo porque o casario caiado de branco não se estende ao longo de uma encosta, como acontece na maioria dos outros pueblos, mas localiza-se apenas em torno do sopé de uma montanha, onde a aldeia se encosta, parecendo pedir por proteção.
De qualquer maneira, é mais um pueblo que deve ser observado à distância e não pelo seu interior, aproveitando os vários ângulos da bonita Serra do Jaral, um penhasco rochoso onde se ergue antiga fortaleza árabe.
Mas este pueblo tem uma outra singularidade, que é o facto de estar envolvido por um imenso lago artificial, a albufeira da barragem de Zahara el Gastor.
Assim, aquilo que mais nos pode impressionar numa visita a esta aldeia, em vez de percorrermos as suas ruas e praças, será encontrar uma estrada ou um carreiro, ou aquilo que se costuma chamar de “caminho de cabras”, que seja suficientemente afastado para se conseguir contemplar uma paisagem à distância que enquadre toda a aldeia, com as suas casas brancas, o castelo no alto do penhasco e a vista do imenso lago que envolve aquele local. O resultado é espantoso e não fosse o dia soalheiro e o branco das casas, iria parecer um outro qualquer lugar, algures na Escócia ou na Irlanda.
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Grazalema
É a povoação que tem o nome de todo este complexo montanhoso da província de Cádis por onde temos andado, a Sierra de Grazalema. A aldeia foi uma agradável surpresa, não contávamos que fosse tão interessante.
Começou logo por ser uma zona de montanha algo atípica nesta região da Andaluzia, aqui, em vez das terras secas e despidas, encontrámos uma paisagem verde com montanhas por onde correm ribeiros e onde se salientam alguns penhascos rochosos... é no meio desse verde que a aldeia se foi acomodando.
Ao contrário das suas vizinhas, esta aldeia evolui num planalto e não sobe pelas colinas ingremes até atingir alguma fortificação que por lá exista. Em Grazalema o objetivo parece não ter sido apenas resguardar o povoado e obter proteção, aqui foi mesmo criada uma aldeia em função das necessidades práticas da sua população, e encontramos algumas bonitas ruas e praças, com as suas casas, as suas lojas e os seus restaurantes, sempre imaculadamente caiados de branco.
E já quando estamos de saída a estrada contorna o pueblo e revela novas paisagens, dando uma perspetiva global desta aldeia, numa vista muito interessante.
Arcos de la Frontera:
Quando avistámos a aldeia de Arcos de la Frontera, que ocupa toda a parte superior de uma imensa colina, percebemos que se tratava de um dos pueblos mais ricos desta ruta, desde logo pelas paisagens que nos eram oferecidas ainda à distância. Assim, e ainda antes de subirmos até ao povoado, resolvemos percorrer algumas estradas e caminhos envolventes, para tentarmos encontrar miradouros, ou pontos de observação, onde fosse possível apreciar as mais bonitas paisagens desta terra.
Foi assim que contornámos toda a colina e, ainda à distância, pudemos observar os diversos ângulos de visão, tendo obtido imagens que nos impressionaram, sobretudo pela configuração arrojada da aldeia, disposta ao longo de uma arriba, que chega a ser totalmente vertical... e o pueblo lá em cima, aparentemente sem receio de uma possível derrocada.
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Depois disso ganhámos coragem para uma incursão pelo labirinto de ruelas do casco histórico e, para além da habitual presença do branco, ficámos agradados com aquilo que vimos. Trata-se de um pueblo bastante bonito, pelas suas casas típicas, as suas ruas, sempre inclinadas, por onde se espalham as esplanadas dos restaurantes, as pequenas praças e a existência de alguns pormenores marcantes, como os arcos, que estarão certamente na origem do nome da aldeia.
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E depois há também a presença de algumas construções de maior porte, como a Iglesia de San Pedro e o Castelo da aldeia, este bem perto da Basílica de Santa María de la Asunción, três monumentos que marcam a paisagem deste pueblo blanco de forma dominante e imponente.
Terminámos assim esta viagem seguindo alguns dos pontos da ruta de los pueblos blancos, que poderia incluir cerca de 20 aldeias, só em Cádis, e mais uma dúzia, já na província de Málaga, das quais escolhemos apenas os destinos principais que mencionámos nesta crónica.
Uma visita por esta Andaluzia profunda leva-nos quase sempre por um ambiente abrasador, com o calor local que se faz sentir habitualmente, que nos faz parar e descansar à sombra, presos num ritmo lento e sonhando com uns momentos de siesta. Mas, infelizmente, o nosso ritmo não é esse, não podemos permanecer demoradamente em todas as aldeias, temos que nos erguer depois de cada paragem, e voltar ao carro e ao refúgio do ar condicionado.
Mas, ainda assim, e mesmo sem que seja possível mergulhar na lentidão destes pueblos e absorver toda inspiração da vivencia das suas gentes, conseguimos ainda captar muito mais do que apenas uma visão fotográfica de cada local, e saímos deste tour em reflexão sobre aquelas pessoas que optaram por se fixar ali, por entre montanhas no meio do nada, mas fazendo questão de mostrar orgulhosamente a quem os visite, as suas aldeias sempre imaculadamente caiadas de branco.
Carlos Prestes