quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Pela costa dos algares – Em Stand-Up Paddle


Ao longo desta crónica vou registar uma experiência algumas vezes repetida durante as nossas férias de Verão no Algarve, percorrendo a costa que faz parte do conselho de Lagoa, entre a Praia da Nossa Senhora da Rocha e a Praia de Benagil, e que constitui um dos mais belos trechos da costa algravia, com pequenas praias que surgem entre falésias e um conjunto de grutas e algares, que são um dos ex-líbris da imagem do Algarve.

Durante vários anos fomos conhecendo esta zona da costa algravia percorrendo a pé os trilhos que se formam ao longo da parte superior das falésias… espreitando o interior dos algares e observando as praias lá em baixo, por entre rochedos que parecem ter sido feitos pelas mãos de um escultor.

Mais recentemente experimentámos percorrer este mesmo trajeto, mas por mar, seguindo mais ou menos as rotas dos barcos que levam os turistas a visitar as “caves”, mas usando, não um barco, mas sim uma prancha de Stand-Up Paddle.

No ano de 2021, já com duas pranchas, assumimos com mais facilidade o percurso completo entre a praia da Senhora da Rocha e o algar de Benagil, num total de cerca de nove quilómetros, calculados graficamente através deste mapa:


Ao nascer do Sol


Na primeira viagem em que fizemos este percurso no Verão de 2021, para tentar evitar o flagelo dos barcos que percorrem constantemente este caminho, transportando diariamente centenas de turistas, optámos por sair bastante cedo, tendo aproveitado as paisagens lindíssimas do nascer do sol junto à igreja da Senhora da Rocha, enquanto nos preparávamos para esta aventura mar adentro… e não eramos os únicos que se inspiravam nas cores quentes do sol nascente antes de partir.

O primeiro ponto de referência desta viagem foi justamente o seu local de partida, a Capela da Nossa Senhora da Rocha.

Construída no alto de um rochedo que avança sobre mar, onde em tempos se ergueu uma fortaleza militar, esta pequena igreja incorpora elementos que remontam aos finais do século XV, período da sua construção. A capela contém alguns pormenores arquitetónicos interessantes, como uma coluna com capitel visigótico, ou, no seu interior, uma imagem quinhentista de Nossa Senhora com o Menino.

Mas, para mim, a verdadeira preciosidade desta capela é a sua silhueta enquadrada na paisagem envolvente do rochedo sobre o mar… e estava particularmente bonita com as cores do amanhecer.
O programa para este percurso incluía pararmos em algumas das praias que iríamos encontrar e explorarmos todas as grutas e algares onde fosse possível entrar, algumas delas onde os barcos não conseguem chegar. Os pontos principais que percorremos estão assinalados neste mapa:
Sem termos planeado a duração desta viagem, haveríamos de ficar em cada local o tempo que nos apetecesse, tínhamos, contudo, o grande objetivo de atingirmos o destino final assinalado no mapa… o imenso algar de Benagil, que é a principal gruta que se forma nesta zona de falésias rochosas que caem sobre o mar.

(só uma informação: um algar não é mais do que uma gruta que contém uma abertura, ou chaminé, na sua cúpula, formada pelas águas das chuvas que dissolvem os terrenos calcários).


As primeiras praias

A maioria das pequenas praias que vamos encontrando não são acessíveis por terra, pelo que as podemos aproveitar como autênticas praias selvagens, embora, algumas delas, sejam ocupadas à hora de almoço para receber os turistas que participam em tours nuns barcos de maior dimensão. Por isso é importante tentar fugir dessas horas com mais gente.

É o que acontece na Praia do Pontal, que nos surge logo depois de sairmos da Praia Nova da Senhora da Rocha… uma praia lindíssima e quase sempre com pouca gente, mas que, nalguns períodos, chega a acolher todos os passageiros de uma excursão para uma sardinhada no areal.
A praia que surge logo na enseada seguinte é ainda mais pequena e é mesmo deserta, a menos de quem chegue de canoa ou paddle, como nós. É chamada de Praia da Morena, mas todos a conhecem por praia do Yellow Submarine, devido à semelhança entre o rochedo que se ergue na baía e a imagem icónica do submarino amarelo imortalizada pelos Beatles, no álbum com o mesmo nome.
A Praia das Fontainhas aparece na próxima baía, onde encontramos alguns banhistas que resolveram descer o trilho, fazendo a escalada que dá acesso ao areal por via terrestre… tal como nós próprios já fizemos noutros anos.

Embora sejam visíveis alguns chapéus de sol a praia é ainda bastante tranquila… mas as escolhas que fizemos para parar e mergulhar, incidiram sobretudo noutras enseadas menos acessíveis e, por isso, quase totalmente desertas.


As primeiras grutas e algares

Ao longo do trajeto já percorrido vão sempre surgindo algumas grutas ou arcos naturais. Mas é a partir desta praia que começam a aparecer as primeiras grutas visitáveis, algumas delas, têm uma chaminé para o exterior e, por isso, são chamadas de algares e garantem a iluminação do interior que nos permite fotografar. Outras são cavernas escuríssimas, apenas com alguns focos de luz, como faróis, a anunciar a abertura onde encontraremos o caminho de saída… fazendo-nos experimentar alguns picos de adrenalina, mas sem que esses momentos possam ser devidamente fotografados. No entanto, vou juntar no final desta crónica um pequeno vídeo que nos mostra a entrarmos numa dessas grutas.

É assim que nos aparece uma das grutas de referência do percurso, neste caso um algar, com uma larga chaminé, o Algar do Chus. E é bom que seja assim um algar tão amplo, porque nos permite entrar sem quaisquer receios, o que mais adiante já não irá acontecer.
Chamo agora a atenção para o facto de, nestas zonas de entrada nas grutas, e não só, termos de transformar o nosso Stand-Up Paddle numa variante que podemos chamar de Sit Down Paddle ou, se quiserem, numa espécie de canoagem adaptada. Na verdade, para entramos nas grutas e algares é sempre mais seguro se formos sentados ou de joelhos, sobretudo quando andamos com duas pessoas por prancha, como foi o nosso caso. Depois há também a proximidade dos barcos a motor das visitas às grutas, que vão fazendo ondas, umas sobre as outras, até provocar uma pequena tempestade e, mais uma vez, o melhor é ficar sentado ou de joelhos… nada que altere o espírito da coisa, ali o importante é explorar aquele pedaço de natureza que nos é oferecido.


Junto à praia da Albandeira

Voltando às praias, que vão agora surgindo intermitentemente entre grutas e algares, a enseada seguinte tem acesso por terra e chama-se Praia de Albandeira

Esta praia tem uma ligação por estrada que já percorremos várias vezes de carro, seguindo por um caminho sinuoso e estreito, que atravessa pomares e matas de aspeto mediterrânico, encontrando as espécies típicas do Algarve, como as amendoeiras, as figueiras e as alfarrobeiras, cujos aromas adocicados, sobretudo de manhã cedo, formam a fragrância inconfundível desta região, que me traz sempre memórias de tantos anos que aqui temos passado.

Já na praia, o areal é bastante pequeno e encontra-se dividido em duas zonas por um afloramento rochoso, e fica rapidamente apinhado de banhistas… por isso, preferimos sempre não parar nesta praia, observamos de longe e seguimos em frente.
Mas logo de seguida encontramos uma das principais atrações deste local, o Arco de Albandeira. Um arco perfeito sobre o mar, que a maioria das embarcações faz questão de atravessar… e nós também por lá passamos sempre. Por vezes, encontramos algumas pessoas a percorrer a pé a parte superior do arco, e normalmente demoram-se por lá a fazer pose para a fotografia, confiando na fiabilidade da natureza.
Para terminar as atrações desta zona iriamos ainda explorar o Algar de Albandeira, o que nos obrigou a esperar numa fila à entrada da caverna, entre barcos, canoas e outras pranchas de paddle. No final, lá conseguimos entrar naquela imensa gruta onde se forma uma praia, com uma cúpula enorme e duas aberturas à superfície... formando um conjunto fantástico.


Num percurso destes, que demora várias horas, às vezes o mar surpreende-nos. Pode ser uma surpresa negativa, como um súbito aumento do vento e da ondulação, ou o céu a ficar cheio de nuvens… mas também nos pode oferecer uma surpresa das boas, como nos aconteceu numa das nossas viagens, quando nos cruzámos com um grupo de golfinhos - digo grupo porque não sei o nome certo, se será cardume ou manada, por serem mamíferos - mas seja lá como for a designação correta, os golfinhos criam sempre uma enorme excitação em todas as embarcações que os avistam, mas é ainda mais vibrante se estivermos em cima de uma prancha de paddle... infelizmente, no instável equilíbrio da prancha, não conseguimos ter condições para tirar as melhores fotos.


Praia da Marinha

Voltando ao mar, entre esta zona da Albandeira e a próxima praia de referência, a Praia de Marinha, encontramos alguns rochedos que formam ilhotas, os chamados "leixões", mas também algumas enseadas onde se formam pequenas praias, quase desertas, onde podemos parar para uns mergulhos, como acontece na Praia do Pau e na Praia do Buraco, que tem este nome porque comunica através de um pequeno túnel com a Praia da Marinha.

Um pouco depois chegámos à Praia da Marinha, formada por uma língua de areia, entre as arribas e o mar, com cerca de 250m, mas muito estreita, que chega mesmo a desaparecer na maré cheia.

Apenas na zona de entrada, onde chega a escadaria que liga o estacionamento à praia, existe um pequeno areal e um restaurante, que não são inundados quando a maré está mais alta.

Mas a principal beleza desta praia resulta das suas arribas calcárias, com tons quentes, amarelados e avermelhados, que envolvem toda a enseada. Algumas destas arribas são notáveis, autênticas esculturas formando pequenas ilhotas (os tais leixões), arcos e grutas, que fomos observando e mesmo explorando ao longo do nosso passeio.

Foi junto a estes arcos que entrámos nalgumas grutas de acesso apertado, mas impressionantes pela dimensão das cúpulas, e assustadoras, pela falta de luz natural.



O Algar de Benagil

Faltavam apenas 800m para chegarmos ao algar de Benagil, e passámos ainda por algumas praias e algares, onde se destaca uma pequena enseada com areia, a Praia da Corredoura, e as grutas, chamadas de Arcos da Corredoura, que partilham o mesmo maciço rochoso do algar de Benagil.

Logo depois posicionámo-nos para atravessar o arco de acesso ao famoso Algar de Benagil. Trata-se do maior algar de toda a região do Algarve e já foi considerado por uma importante publicação internacional como uma das dez grutas mais fascinantes do mundo.

A imensidão deste espaço e a iluminação difusa no seu interior, a partir da pequena abertura no topo que deixa entrar os raios de sol, criam uma envolvente fantástica que nos faz lembrar a enorme cúpula de uma catedral. Infelizmente, a gruta raramente está vazia e essa mística de templo religioso não é fácil de encontrar… a menos que visitemos este algar fora da época mais alta, e certamente encontraremos uma beleza bem mais sublime do que nos meses de Verão, quando o pequeno areal está permanentemente ocupado por quem chega de canoa ou paddle, ou mesmo por aqueles que vêm a nadar desde a praia de Benagil… para além das embarcações a motor, que entram e saem da gruta continuamente. De qualquer maneira, e mesmo cheia de gente, não deixa de ter uma beleza assinalável.


Terminámos assim o objetivo na nossa aventura para este dia, fomos ainda até à praia de Benagil, que estava impossível de tanta gente, que ali vai atraída pela fama do algar, e mudámos depois o sentido da marcha de regresso à Praia da Senhora da Rocha.

A viagem é longa para ser feita de uma vez, por isso continuámos a aproveitar as pequenas praias que se formam nas enseadas, e fomos fazendo algumas paragens para descansar e dar uns mergulhos.

Algumas horas depois estávamos a chegar à praia de onde tínhamos partido, aproveitando as areias quentes para uns momentos de merecido descanso, enquanto nos preparávamos para recolher o material e regressar a casa após um dia extraordinário, que certamente iríamos repetir. 

E é a mesma imagem da Capela da Nossa Senhora da Rocha, que nos tinha acolhido ao princípio da manhã, que encontramos agora no momento da despedida... com a mesma paisagem magnífica que ali se forma. 

Termino juntando um pequeno vídeo gravado ao longo do percurso descrito:


Carlos Prestes
Agosto de 2021