segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Vaticano

Diz o ditado e é bem verdade, quando se refere ao disparate que seria alguém “ir a Roma e não ver o Papa”. Na verdade, esta referência não considera exatamente a hipótese de se ir ver o próprio Sumo Pontífice, mas, sobretudo, à obrigação de visitar a cidade do Vaticano, com a sua grande Basílica de São Pedro, a maior de todas as igrejas católicas e o berço desta religião. 

Por isso, desta vez, como nas visitas anteriores à capital italiana, não deixámos de visitar a cidade do Vaticano, embora, tanto agora como das vezes anteriores, nunca tivemos a sorte de conseguir realmente ver o Papa.

Cada visita ao centro mundial da religião católica é sempre um enorme privilégio, mesmo sem ser necessário um chamamento religioso, porque, na realidade, o Vaticano não é apenas um local de demonstração da fé católica, mas também e sobretudo, um espaço incrível de concentração de arte e de cultura. 

Entrámos pela Via della Conciliazione, uma larga avenida pedonal que nos mostra ao fundo a imagem da fachada da Basílica de São Pedro… e experimentamos logo uma sensação emocionante ao primeiro contacto com aquela igreja magnifica e a sua cúpula majestosa. 


Piazza San Pietro 

Chegámos depois à Piazza San Pietro, a grande praça que foi decorada com a ajuda do inevitável Gian Bernini, o grande escultor romano do século XVI, que concebeu a chamada colunata, dois conjuntos de colunas, num total de 284, que acompanham o contorno oval da praça. 

A praça apresenta ainda duas fontes, tal como na maioria das praças romanas, em que uma delas é também uma obra de Bernini e, ao centro, ergue-se um obelisco, mais um clássico em várias praças da cidade. 

O Obelisco do Vaticano tem 40 m de altura e é um original do Egito, de onde foi trazido para Roma no século I d.C., a mando do imperador Calígula, para ser usado na decoração do seu novo circo, ou anfiteatro, que veio a ser conhecido como Circo de Calígula ou Circo de Nero, que se localizava neste mesmo local onde fica hoje a praça de São Pedro. Mais tarde, o apóstolo São Pedro haveria de ser martirizado neste circo, motivo pelo qual o obelisco ali foi guardado e reerguido, já do século XVI, por ordem do Papa Sisto V, por estar próximo do local onde ocorreu o martírio do apóstolo. 
Quem quiser admirar convenientemente esta praça pode optar por fazer a subida até ao topo da cúpula da basílica, que é algo que não se faz de cada vez que se visita o Vaticano, mas deve ser feito pelo menos uma vez na vida, e foi isso mesmo que eu fiz… subi lá uma única vez, e pude assim desfrutar da vista incrível sobre a cidade e também sobre a extraordinária Piazza San Pietro. 


Basílica San Pietro 

A entrada neste local é sempre fascinante, mesmo para quem não seja católico, é impossível ficar indiferente perante tal grandiosidade e por toda a carga histórica e simbólica que ali se concentra. Estamos no berço da religião católica e num dos locais de culto mais importantes de todo o mundo, e isso é algo incontornável e que impressionará qualquer visitante, independentemente da sua fé. 

E logo à chegada é-nos revelada a imagem inconfundível da Basílica, com a sua imponente cúpula, que nos habituámos a ver sobre os telhados da cidade, mas que agora nos surge de forma admirável, como um símbolo maior do estado católico do Vaticano, mas também da própria cidade de Roma. 
A grande Basílica de São Pedro, que é a maior e mais importante igreja do mundo cristão, foi dedicada a São Pedro, o principal dos apóstolos de Jesus, que foi também o fundador da Igreja Católica e o seu primeiro Papa. 

As origens da basílica levam-nos a quase dois mil anos atrás, à época da morte do apóstolo, que foi crucificado e sepultado no antigo Circo de Nero, localizado neste mesmo local. 

O primeiro templo a ser ali criado surgiu apenas no século IV, quando o Imperador Constantino decidiu erguer uma grande basílica dedicada a São Pedro, que iria ser o centro físico e espiritual do cristianismo. 

Mas a obra da Basílica, tal como a conhecemos, foi iniciada mais tarde, no ano de 1506, por ordem do Papa Júlio II, e concluída em 1602, já no papado de Paulo V. 

Do ponto de vista artístico, a basílica de São Pedro cumpre o desejo da igreja católica de se mostrar ao mundo de forma grandiosa, apresentando uma arquitetura exuberante e contendo uma coleção impressionante de obras de arte dos mais importantes artistas. 

A fachada é construída em mármore branco com colunas e pilastras que suportam o pórtico central, sobre o qual surge uma balaustrada decorada com diversas estátuas, onde se incluem as figuras de São Pedro e São Paulo. 
E, por fim, surge a Cúpula de São Pedro, o tal símbolo da cidade de Roma que paira sobre os seus telhados. Foi criada pelo mestre Michelangelo e é uma das principais preciosidades arquitetónicas da igreja católica… e pouco mais poderei dizer face a algo tão sublime que sempre nos deixa ficar sem palavras. 

O interior da Basílica 

A entrada na Basílica é gratuita (só a subida à cúpula é cobrada), mas será necessário aguardar numa fila imensa para passar nos raio-x e, pior ainda, será também obrigatório passar pela vistoria que é feita pelos guardas, que tentam impedir o grande pecado que aconteceria se alguma visitante entrasse com os ombros destapados ou com um palmo de perna sobre os joelhos à vista. Assim, é bom que as mulheres venham preparadas, evitando minissaias ou calções curtos, e com uma écharpe para cobrir os ombros. Chega a ser revoltante ver alguém ser barrado à entrada da basílica depois de ter estado numa fila enorme, e o pior é que estas medidas são sempre altamente discriminatórias em relação às mulheres, cujos trajes mais habituais na altura do Verão, são aqui reprimidos. 

Mas é incontornável, quem quer entrar tem de cumprir estas regras, mesmo que absurdas, como o caso que presenciámos de uma mulher católica que pedia para entrar só para fazer uma reza, mas não foi autorizada porque estava com um top de alças... teria de sair, comprar um pano algures e voltar para a longa fila onde já tinha estado. Ora, neste mesmo local, uma muçulmana de cara tapada, ou mesmo de burca, não teria qualquer dificuldade em poder entrar. 

Talvez sejam coisas como estas que afastam as gerações mais novas da igreja católica, e nem mesmo a mente mais aberta do Papa Francisco consegue alterar este tipo de coisas. 


Os militares por quem tínhamos passado pertenciam à guarda italiana, mas, depois de entrarmos na zona mais restrita do Vaticano, passámos a encontrar alguns membros da sua polícia oficial, a Guarda Suíça Pontifícia. Desde o século XVI que esta força militarizada de elite tem vindo a garantir a segurança dos diversos Papas… parece estranho, mas, apesar daquelas fardas ridículas, a verdade é que a Guarda Suíça é uma tropa especial altamente preparada. 
A entrada na basílica é impressionante pela sua grandiosidade e riqueza, totalmente revestida a mármore trabalhado e cheia de obras de arte preciosíssimas. A nave central, com 178 m de comprimento, e as duas naves laterais, com 76 m, convergem sob a enorme cúpula de Michelangelo, formando um conjunto artístico fantástico. 

Ao centro ergue-se o altar papal, sob o grande baldaquino, um dossel em bronze, sustentado por colunas espiraladas com 30 m de altura, criado pelo mestre Bernini. Trata-se da maior peça em bronze do mundo, mas a sua execução foi altamente contestada por terem sido utilizadas como matéria-prima as antigas portas de bronze do Panteão, apesar do elevado valor histórico das mesmas. 
Enquadrada pelo grande baldaquino fica a zona do púlpito onde se encontra a chamada Cadeira de São Pedro, (Cathedra Petri, em latim). Trata-se de uma relíquia católica, sob um conjunto escultório em dourado, também projetado por Gian Lorenzo Bernini. 
Todo este conjunto encontra-se iluminado por um vitral lindíssimo, com a imagem de uma pomba que simboliza o Espírito Santo. 

Das diversas obras de arte com que a basílica se encontra decorada, esculturas e pinturas que são autênticas pérolas, destaca-se a mais bela de todas, a extraordinária Pietà de Michelangelo

Uma estátua lindíssima feita em mármore pelo mestre no ano de 1499, e que representa, de forma extremamente expressiva, a cena bíblica em que a Virgem Maria segura nos seus braços o corpo do seu filho Jesus Cristo, já sem vida. 
Depois de percorrermos os locais visitáveis no interior da Basílica, fica ainda a faltar a visita ao museu do Vaticano e à magnifica Capela Sistina, mas já podemos afirmar que a Basílica de São Pedro se trata de uma relíquia da história da humanidade, tanto como lugar de culto da fé católica, como pela preciosidade artística que ali encontrámos. 


Museu do Vaticano e Capela Sistina 

Na realidade, o Museu do Vaticano não é só um, inclui um conjunto de museus que se encontram divididos pelas diversas temáticas representadas. De qualquer forma, para mim, como para a maioria das pessoas, estes museus constituíram apenas o longo caminho que foi necessário percorrer para atingir aquilo que realmente queríamos visitar, e que era a Capela Sistina. 

Mas não deixa de ser bastante interessante quando, ao longo do demorado percurso que temos de fazer para atingir o nosso destino, vamos encontrando salas e corredores com as mais preciosas obras de arte, com Botticelli’s, Caravaggio's ou afrescos de Raffaello que, por si só, já seriam imperdíveis, como acontece com a sua obra-prima, o Triunfo de Galatea, pelo qual passámos quase sem reparar. 
Mas ainda antes de se visitar o Museu do Vaticano recomendo que seja comprado o respetivo ingresso, através da net, o que fará diminuir o longo tempo de espera nas filas de acesso. Além disso, devem ser cumpridas regras idênticas às da Basílica para se conseguir entrar, ou seja, nada de saias curtas ou ombros destapados. 

Para visitar o Vaticano e os seus museus, deve ser reservada, pelo menos, uma manhã ou uma tarde, pois há muita história e muita arte para conhecer ao detalhe… mas reconheço que, às tantas, já nos vai faltando a paciência para tanta arte e tanta cultura, e só queremos chegar depressa à Capela Sistina, que é a razão principal para ali estarmos. 

Como já referi o Museu do Vaticano é formado por um conjunto de museus, onde se incluem, entre muitos outros espaços, a Galeria de Arte Egípcia, a Pinacoteca, com mais de 400 quadros dos maiores nomes, entre eles Raffaello, Leonardo da Vinci e Caravaggio, ou a Galeria dos Mapas, um imenso corredor com mapas do mundo pintados na parede durante o século XVI, mas onde se destaca sobretudo o seu teto magnífico.

Capela Sistina

Chegados finalmente à principal das capelas de todo o mundo, acabamos por ficar um pouco desiludidos por encontramos aquele local completamente apinhado de turistas. Mas é apenas uma primeira sensação que logo é substituída por um imenso fascínio, assim que nos abstraímos das pessoas e nos focamos nos afrescos deslumbrantes de Michelangelo que decoram as paredes e o teto da capela. 

Apesar da quantidade de turistas que enchem a capela, o ambiente é razoavelmente silencioso, o que ajuda na concentração que é necessária para apreciarmos devidamente aqueles instantes. Mas, apesar de ser um local sagrado onde o silêncio é obrigatório, há quem não cumpra essa regra, o que leva a que os guardas repreendam os visitantes para se manterem calados, criando um ambiente algo tenso. 

Essa tensão é ainda mais evidente quanto à proibição de se tirar fotos, mesmo sem flash. É algo que é quase uma obsessão por parte dos guardas, que abordam os turistas de forma antipática, o que acaba por nos deixar a todos um pouco desconfortáveis. Esta regra de proibição de fotografar tem vindo a tornar-se cada vez mais rigorosa, mas, em 2004, quando visitei pela primeira vez a Capela Sistina, só não era tolerado o uso do flash, o que me permitiu conseguir algumas fotos, como esta, que representa uma parte do imenso conjunto de afrescos que cobrem o teto da capela. 
É apenas uma pequena parcela do conjunto de afrescos que encontramos neste teto magnífico considerado a obra-prima de Michelangelo, e um dos maiores tesouros, não só do Vaticano ou da cidade de Roma, mas de todo o mundo. 

A construção da capela decorreu entre 1473 e 1481, durante o mandato do Papa Sisto IV, a quem se deve o nome de Capela Sistina. O arquiteto responsável pela construção foi Giovanni de Dolci, mas o que chama a atenção na capela não é a sua arquitetura, mas os afrescos que cobrem totalmente as paredes e o teto, e que foram maioritariamente criações de Michelangelo. A encomenda para a decoração da capela aconteceu mais tarde, já sob as ordens do Papa Júlio II, e os afrescos foram pintados entre 1508 e 1512, pelo mestre Michelangelo que dedicou mais de quatro anos da sua vida para criar aquela que viria a ser a sua obra-prima principal. 

Ao longo da sua história a capela tem servido para os sucessivos conclaves, quando, depois da morte ou da renúncia de um Papa, os cardeais permanecem trancados na Capela Sistina para uma votação (supostamente) individual e secreta. No final de cada votação os subscritos são queimados na lareira da capela com um aditivo que faz com que o fumo seja negro, nos casos em que a votação não foi suficiente para se conseguir a eleição. Caso a votação tenha permitido a eleição de um novo Papa, o aditivo escolhido faz com que saia fumo branco pela chaminé da capela, e os fiéis, que aguardam ansiosos nas imediações do Vaticano, comemoram a nova eleição partilhando a expressão em latim “Habemus Papam”. 

Voltando ao teto da capela, a obra é magnífica e sem precedentes, e constitui, sem grandes dúvidas, a mais bela criação do artista e talvez a mais preciosa peça de arte jamais concebida. Nas imagens que ocupam a faixa central do teto estão representadas as nove histórias do Génesis, desde a Embriaguez de Noé até a Separação da Luz e da Escuridão. 

Mas a imagem mais conhecida é a que representa a Criação de Adão, localizada na parte central da abóbada e que revela o trecho da história do Génesis em que Deus deu vida a Adão, e onde Deus e Adão quase tocam os dedos. 
Toda a parede sobre o altar-mor é ocupada por outro imenso e magnífico afresco, o Juízo Final, que representa o Apocalipse de São João, e que constitui mais uma obra-prima do mestre Michelangelo. 
Depois da saída da capela voltamos a percorrer os corredores dos Museus do Vaticano, ainda decorados com obras de arte de eleição, nas quais já nem reparamos, por isso registo apenas mais dois pontos de interesse. 

A escadaria de Giuseppe Momo, uma bonita escada em espiral construída em 1932, que nos leva à saída dos museus e que é frequentemente fotografada, conseguindo-se imagens sempre interessantes. 
Já fora do edifício encontramos o Cortile della Pigna, ou Pátio da Pinha, o mais famoso dos pátios externos dos Museus do Vaticano, cujo nome se deve à existência de uma escultura em forma de pinha. Mas a imagem desta pinha é completamente ofuscada por uma outra escultura, uma esfera de bronze criada por Arnaldo Pomodoro, um dos conceituados escultores italianos do século XX. 

Esta crónica baseia-se nas experiências de quatro viagens feitas em 1984, 1994, 2004 e em 2019, nas quais visitei o Vaticano e aos seus museus, locais sagrados e principais referências da igreja católica, mas também, espaços de concentração de arte e com uma riqueza histórica sem precedentes, e que sempre me fascinaram. 

domingo, 1 de setembro de 2019

Roma - Em torno do Centro Histórico

Depois de termos percorrido do Centro Histórico de Roma, onde fomos encontrando as principais referências da cidade, faltava ainda visitar a periferia dessa zona central, onde iríamos agora encontrar as restantes atrações mais significativas da capital italiana.

Foi assim escolhido um longo percurso pedonal que segue o trajeto representado neste mapa, e que nos permitiu complementar a visita à cidade com algumas das suas preciosidades que estão localizadas, não no centro histórico, mas na sua envolvente.
Começámos por um passeio junto às margens do Rio Tibre, ou Fiume Tevere, que rodeia a cidade num contorno sinuoso onde descobrimos algumas das suas imagens mais bonitas, numa envolvente tranquila e bucólica, que nos serve de refúgio face à maioria dos locais frenéticos da cidade, sempre apinhados de turistas.


Castel Sant'Angelo

Entre as mais bonitas paisagens que o rio nos vai oferecendo surge o impressionante Castel Sant'Angelo, uma fortaleza que faz parte desta cidade há dois mil anos, e se encontra perfeitamente conservado, ao contrário da maioria dos outros monumentos da Roma Antiga que foram sendo reduzidos a ruínas.

O monumento foi construído no século II, d.C., como jazigo para o Imperador Adriano e para a sua família, pelo que é também conhecido como “Mausoléu do Adriano”. No entanto, a partir do século IV o Castelo perdeu sua função original transformando-se num posto avançado para a defesa da cidade de Roma. 

Depois disso, durante os séculos seguintes, funcionou como prisão até passar a ser controlado pelo Vaticano e pelos seus Papas. Esta ligação ao Vaticano é materializada pelo famoso "Passetto", ou “Corridore di Borgo”, uma passagem escondida e fortificada com 800 m de comprimento, que liga o Palácio do Vaticano ao Castel Sant'Angelo, e que terá sido utilizada de forma secreta por alguns dos pontífices, permitindo que o chefe da igreja se refugiasse no castelo.

Mais recentemente, já no século XX, foi transformado no Museu Nacional de Castel Sant'Angelo, que pode ser visitado, embora talvez seja uma visita dispensável, no meio de tantas atrações que a cidade oferece. Mas, mesmo sem tempo, ou paciência, para uma visita ao museu, é impossível ficarmos indiferentes à figura imponente desta fortaleza, com a sua forma cilíndrica, erguendo-se junto a uma das margens do Rio Tibre… claramente um dos ex-líbris da cidade de Roma, desde a antiguidade e até aos nossos dias.
Em frente ao castelo encontra-se a Ponte Sant'Angelo, uma ponte pedonal que atravessa o rio Tibre, mandada construir pelo Imperador Adriano. Mais tarde, já no século XVII, a ponte foi redecorada pelo escultor Bernini que criou um conjunto de estátuas de anjos, que podem ser encontradas atualmente em ambos os lados da ponte.

Piazza Cavour

Logo depois do Castel Sant'Angelo surge o monumental Palácio de Justiça, a Corte Suprema di Cassazione. O edifício ergue-se na margem direita do Tibre, com a fachada principal junto à Piazza dei Tribunali e à Ponte Umberto I, e com o alçado posterior virado para o jardim da Piazza Cavour, formando um conjunto arquitetónico extraordinário, combinando a grandiosidade do palácio com a beleza da envolvente. 

Piazza del Popolo

Fizemos depois um longo percurso junto ao rio, passando por uma outra fortaleza criada como sepulcro para a família de um antigo Imperador, o Mausoléu de Augusto, com um formato semelhante ao Castel Sant'Angelo, mas sem o mesmo destaque, por se encontrar meio escondida numa zona mais urbanizada. No final desse percurso, e já nas imediações do centro histórico, chegamos à praça onde convergem as ruas principais desta zona da cidade, a Piazza del Popolo.

Está localizada na antiga entrada da cidade nos tempos do Império Romano e, atualmente, continua a ser um importante polo da cidade mais moderna, onde começa, por exemplo, a Via del Corso, uma das principais ruas comerciais da cidade. 
No centro da praça encontramos um obelisco egípcio de 24 m dedicado a Ramsés II, conhecido como Obelisco Flamínio, que esteve localizado no Circo Máximo desde o ano 10 a.C. até ser transportado para a Piazza del Popolo nos finais do século XVI.

De um dos lados da praça, a marcar o início da cidade antiga, encontra-se um pórtico, a Porta del Popolo, criado pelo artista Gian Lorenzo Bernini, o grande escultor e arquiteto desta cidade.
Dos dois lados da praça encontram-se também algumas igrejas, como a Basilica Parrocchiale Santa Maria del Popolo, a Chiesa di Santa Maria dei Miracoli e a Basilica di Santa Maria in Montesanto, todas elas riquíssimas, quer pela sua arquitetura quer por algumas obras de arte da época do Renascimento que albergam.

De qualquer maneira, e vou repetindo esta blasfémia, Roma é tão rica, que já não são uns Caravaggios no interior de uma igreja que nos motivam… preferimos sempre percorrer as ruas e conhecer os locais, do que consumir o tempo a visitar igrejas e museus.

Jardins da Villa Borghese

Foi por isso que preferimos subir até ao terraço do Pincio em Roma, no início dos jardins da Villa Borghese, com uma vista privilegiada sobre a piazza

A partir deste terraço é também visível uma panorâmica sobre a cidade de Roma, onde se destacam as cúpulas de algumas das principais igrejas, como é o caso da basílica de São Pedro, no Vaticano, que aqui nos surge na paisagem.
Os jardins da Villa Borghese são como o Hyde Park ou o Central Park da capital italiana, combinando um extraordinário espaço de lazer no meio da natureza, com várias referências artísticas desta cidade. Ao atravessarmos estes jardins lindíssimos, vamos encontrando vários monumentos, fontes e esculturas de vários artistas importantes de diferentes épocas.
Dessas referências artísticas a mais importante é a Galeria Borghese, um dos museus de referência da capital italiana, que contém pinturas dos grandes mestres como Rafael, Tiziano ou Caravaggio. 

Mas neste imenso jardim existem ainda algumas infraestruturas importantes da cidade, como o Jardim Zoológico, o Relógio de Água do Pincio ou o Silvano Toti Globe Theatre, uma espécie de cópia do teatro Shakespeare’s Globe Theatre de Londres. 

Encontram-se também vários palácios e palacetes, como é o caso da Villa Medici que fica já no limite do jardim, próximo da igreja de Trinità dei Monti e das escadarias da Piazza di Spagna. 
Ao fim de uma longa caminhada chegámos a um dos portões do jardim, a Porta Pinciana, localizada na antiga Muralha Aureliana, junto à Via Veneto.

Via Veneto

Atravessando a Porta Pinciana entramos numa das mais famosas e glamourosas ruas da cidade, a Via Veneto. Desde os anos 50 que esta rua era conhecida pelo seu glamour, sempre frequentada pelos principais artistas e modelos daquela época. Mas foi a partir de 1960, com o filme de Federico Fellini, La Dolce Vita, que a Via Veneto se tornou ainda mais célebre.

Atualmente, 60 anos depois do filme de Fellini, a procura das celebridades já não é tão compulsiva, mas a Via Veneto continua a mostrar o seu charme, sobretudo porque continua a atrair as maiores fortunas que visitam a cidade e que escolhem os hotéis de luxo que ali estão localizados. 

E apesar das décadas que têm passado por esta rua, encontramos ainda hoje os vestígios do glamour de outros tempos, seja nos restaurantes, nas livrarias, nas lojas de alta moda ou nos cafés, apetece-nos sempre parar e espiar, ou ficar mesmo numa das esplanadas, nem que seja só para tomar um café, mesmo que o preço seja um pouco puxado, certamente irá valer a pena… será como uma espreitadela à Dolce Vita italiana.

Piazza Barberini

Descendo toda a Via Veneto chegamos à Piazza Barberini, onde encontramos mais uma das fontes da cidade, a Fontana Del Tritone, mais uma criação do mestre Bernini, construída em 1643 por encomenda do Papa Urbano VIII. Foi recentemente restaurada e é considerada uma das mais bonitas fontes de Roma, mesmo que não seja muito grande, quando compara com outras fontes da cidade.
Toda esta zona, não só a praça, mas também o palácio que fica na sua proximidade, têm como referência o nome Barberini, por terem sido encomendados por Maffeo Barbeni, o Papa Urbano VIII, também conhecido como Papa Barberini. 

Quanto ao palácio, o Palazzo Barberini, trata-se de um edifício luxuosíssimo do século XVII, que superava em ostentação e beleza as residências mais luxuosas que pertenciam à nobreza romana daquela época. 

O palácio foi concebido pelo arquiteto Carlo Maderno, o mesmo que esteve encarregado da construção da fachada da Basílica de São Pedro, mas os trabalhos acabaram por ser finalizados no ano de 1633 - por quem haveria de ser - pelo mestre Bernini.

Em 1949 o estado italiano comprou o palazzo e passou a utilizá-lo como sede da Galeria Nacional de Arte Antiga, que é hoje um magnífico museu com uma coleção grandiosa, criada a partir das doações das coleções privadas de algumas famílias nobres.

Piazza del Quirinale

Na paragem seguinte atingimos a Piazza del Quirinale, localizada na mais alta das sete solinas de Roma, uma praça ampla onde encontramos alguns edifícios públicos importantes, como o Palazzo del Quirinale, antiga residência do Rei de Itália e a atual residência oficial do Presidente da República italiana.
Em plena praça ergue-se a habitual fonte romana, neste caso trata-se da Fontana dei Dioscuri, composta por um Obelisco e pelas estátuas de Castor e Pólux, os deuses gémeos que, segundo a mitologia grega e romana, seriam filhos de Zeus e padroeiros dos navegantes. 

Antes de serem levadas para esta praça as estátuas estavam colocadas à entrada das antigas Termas de Constantino, localizadas exatamente neste Monte Quirinale, enquanto o obelisco terá sido retirado do Mausoléu de Augusto. 

Piazza della República

Fizemos mais um longo percurso passando pelo Teatro da Ópera de Roma até atingirmos a Praça da República, que é apenas uma rotunda, mas é vista como uma das mais importantes praças da cidade. 

O seu principal interesse estará na sua grande fonte – sempre mais uma fonte - construída sobre a rotunda no final do século XIX. Tem o nome de Fontana delle Naiadi e é adornada por quatro estátuas de ninfas nuas que representam a água e que escandalizaram bastante as pessoas daquela época. 

Basílica de Santa Maria degli Angeli e dei Martiri

Num dos lados da Piazza della Repubblica encontramos uma das igrejas de referência da cidade, a Basílica de Santa Maria degli Angeli e dei Martiri. Trata-se de um edifício do século XVI que é visto como a única igreja renascentista de Roma, mas a sua principal relevância resulta do facto de ter sido um dos últimos grandes projetos do mestre Michelangelo.

A igreja apresenta um enorme contraste entre as suas fachadas de aspeto modesto com o seu interior, amplo e espetacular, e recheado de preciosidades artísticas, como estátuas e afrescos nas paredes e abóbadas.
Das várias atrações desta basílica, e são muitas, destaco apenas a Porta da Ressurreição, uma das portas de bronze da entrada principal da igreja, adornada por uma estátua concebida pelo escultor polaco Igor Mitoraj, já no início do século XXI.

Stazione Termini

É uma das maiores estações ferroviárias da Europa e um clássico da cidade de Roma. Para quem, como eu, percorreu a Europa de comboio, com o chamado bilhete de inter-rail, as estações ferroviárias têm sempre uma importância especial porque nos recebem como um primeiro cartão de visita de cada cidade. 

Foi isso que se passou na primeira vez que cheguei a Roma, ainda nos anos 80, e que recordo agora com saudade, fiz a entrada na cidade pela estação Termini e pela imensa praça junto à estação, até mergulhar nas ruas e praças de uma cidade que me iria cativar a ponto de me fazer regressar várias vezes.

Ao contrário do que possa parecer, Termini não é uma alusão ao facto de ser uma estação terminal. É apenas uma confusão, porque, na realidade, o nome desta estação resulta do nome do distrito homónimo, que foi atribuído àquela zona devido à existência das antigas Termas de Diocleciano, cujas ruínas se encontram em frente à entrada principal da estação.

Basilica Papale di Santa Maria Maggiore

A escassos 500 m da estação Termini surge a Basílica de Santa Maria Maggiore, uma antiga igreja católica que é a maior de todas as igrejas dedicadas à Virgem Maria na cidade de Roma, para além de ser uma das quatro maiores basílicas da cidade. 

A Santa Maria Maggiore foi construída em meados do século IV sob as ordens do Papa Libério. Segundo a lenda, a Virgem terá aparecido ao Papa com a indicação das instruções para a construção da igreja, e a sua planta foi mesmo desenhada através de uma milagrosa queda de neve que esboçou os seus contornos. Eram bem mais fáceis aqueles tempos, agora são necessários arquitetos e engenheiros… felizmente.
Com o passar dos anos, a basílica teve alguns nomes diferentes, como Santa Maria das Neves (devido à queda de neve que esboçou o seu formato), ou Santa Maria Liberiana (devido ao Papa Libério), e só mais tarde foi chamada de Santa Maria Maggiore, por ser a maior das 26 igrejas de Roma dedicadas à Virgem Maria. 

O interior da basílica é extraordinário e imperdível, não deixem de o visitar. A entrada é livre, mas não se podem esquecer de levar um lenço para cobrir os ombros das senhoras ou meninas, e cuidado também com os calções ou saias curtas, caso contrário não serão autorizadas a entrar.

A riqueza do interior da Basílica é imensa, pela sua construção com colunas e abóbadas, mas também pela sua decoração cheia de relíquias, estátuas e pinturas, e com mosaicos de mármore, do período medieval, ou algumas colunas jónicas, provenientes de edifícios da Roma Antiga.

Mas mesmo o seu exterior é também bastante peculiar, mostrando estilos arquitetónicos variados, em que a fachada principal, que integra o campanário da igreja, em nada se parece com o seu alçado posterior.
Independentemente do nosso gosto pessoal pela arte sacra, esta igreja será sempre uma referência da cidade de Roma e, na minha opinião, é claramente a principal e a mais bonita de todas as igrejas da cidade, à exceção da Basílica de São Pedro, no Vaticano, que é uma coisa do outro mundo. 

Basílica de San Pietro in Vincoli

Mais uma caminhada, desta vez, na direção do Coliseu, até chegarmos ao alto do Monte Ópio, onde encontramos uma igreja aparentemente modesta, cujo nome é indicador da sua principal existência - Basílica de San Pietro in Vincoli - ou São Pedro acorrentado. Na realidade esta igreja muito antiga, do século V, foi construída exatamente para guardar as correntes com as quais São Pedro tinha sido preso em Jerusalém. Segundo a lenda a imperatriz Eudóxia terá oferecido ao Papa Leão I uma das correntes com as quais São Pedro fora encarcerado em Jerusalém, e este ordenou a construção de um templo para a abrigar. Anos mais tarde a segunda corrente foi levada até Roma, onde foi unida à anterior. 
A Basílica de San Pietro in Vincoli é um templo diferente dos demais pela sua simplicidade e pouca decoração. Mas sob o altar maior encontramos o relicário onde se guardam as tais correntes de São Pedro, que era suposto ser a referência mais importante da igreja.
Mas, a verdade é que não são as correntes que fazem com que esta igreja se tenha tornado num local de visita obrigatória para quem quer conhecer a cidade de Roma. A outra grande atração da basílica, e bem mais interessante, surge no mausoléu do Papa Júlio II, que é composto pela impressionante e bem conhecida escultura de Moisés, criada pelo mestre Michelangelo no início do século XVI.

Ao longo deste trajeto fizemos ainda uma paragem para almoçar num restaurante próximo da Stazione Termini, a Trattoria Sapori di Casa, que não quis deixar de mencionar, por se tratar de um local excelente onde experimentámos dos melhores paladares italianos que já tínhamos provado… por isso fica aqui o nome e a minha sugestão. 


Termino assim a crónica da nossa visita ao redor do centro histórico, tornando-se evidente que, mesmo saindo do roteiro principal de visita a esta cidade, continuamos a encontrar várias atrações interessantíssimas, o que só reforça a ideia de que Roma é uma cidade inacreditável, que nos apaixona em cada recanto que exploramos.