quarta-feira, 1 de agosto de 2001

Córsega

Sempre fui um apaixonado por tudo aquilo que tem a ver com o Mediterrânio, no princípio apenas devido a referências idílicas e imagens de filmes, mas, mais tarde, comecei a ter oportunidade de conhecer alguns lugares da costa mediterrânica continental, e também algumas ilhas, neste caso apenas as ilhas gregas e as baleares, e fui consolidando essa minha tendência para gostar de tudo o que vem das proximidades deste mar que banha as terras mais a Sul da Europa e mais a Norte do continente africano.

Foi assim que me fui ligando a tudo o que podemos encontrar nestas zonas, seja a sua história riquíssima, com uma ancestral presença romana; sejam as suas cores, das terras e do mar; os seus povoados, sempre típicos; ou os aromas e os paladares de uma gastronomia que me habituei a adotar como principal referência. Mas há também os próprios habitantes, sejam de que países forem, são sempre muito característicos, trazendo no sangue algo que vem do lugar onde vivem e deste mar que os cerca.

E não há lugar mais tipicamente mediterrânico do que este de que vos falo hoje, a Córsega. Trata-se de uma ilha montanhosa do Mediterrâneo, com algumas cidades costeiras, uma floresta densa e alguns picos escarpados e, sobretudo, umas praias que são um encanto, algumas são mesmo a imagem da perfeição, com areia branca e as águas mornas e transparentes, em tons de azul-turquesa, formando um conjunto quase paradisíaco.

A ilha faz parte de França desde 1768, mas mantém ainda uma ligação muito forte à cultura italiana, nomeadamente através do dialeto local, o corso, que se assemelha ao italiano. Além disso, a ilha tem mantido sempre um forte movimento separatista, que tem limitado a intervenção do poder francês. É por isso que existem lacunas ao nível do desenvolvimento local, tanto nas infraestruturas turísticas, com uma visível carência de hotéis e resorts, como ao nível das acessibilidades… em 2001 as estradas eram bastante limitadas e claramente insuficientes para a quantidade de carros que por ali circulam.

Em agosto de 2001 partimos para uma semana de férias na ilha da Córsega, uma viagem em família, na altura ainda só com três filhas, entre os três e os nove anos. E foi logo na marcação do voo que cometemos o primeiro equívoco, íamos para a zona de Porto-Vecchio e pareceu-me que o aeroporto mais conveniente seria o de Ajaccio, por ser ligeiramente mais próximo do que a outra alternativa, em Bastia. Mas estava enganado, Ajaccio fica na costa Oeste e nós íamos para o lado oposto, na costa Este, o que nos obrigou a percorrer a ilha de costa a costa atravessando a imensa cordilheira que divide a ilha ao meio, por estradas sinuosas e estreitas, que sobem e descem colinas entre bosques e escarpas rochosas. E, se tivéssemos escolhido Bastia, o percurso era feito ao longo da costa e seria bem mais fácil. Mas, com esta escolha, tivemos de assumir a travessia da montanha num percurso entre Adjaccio e Porto-Vecchio seguindo um dos trajetos assinalados neste mapa:
 
Se, por um lado, este percurso sinuoso nos atrasou a chegada à zona das praias de Porto-Vecchio, que era o nosso principal objetivo, e onde estávamos ansiosos para chegar, por outro lado, revelou-nos uma outra face da ilha, pelas paisagens naturais de montanha, mas também pelas aldeias pitorescas que fomos encontrando.

Neste primeiro trajeto registo apenas duas dessas aldeias, mas, mais tarde, no regresso a Ajaccio, vindos do Norte, passámos por mais algumas aldeias que também merecem ser assinaladas.


As aldeias Corsas

Sem estarmos à espera a estrada leva-nos logo a escalar uma montanha imensa coberta de um verde vivo, ainda com o mar por perto, e onde vão sendo visíveis, à distância, alguns picos mais altos, também verdes ou mostrando falésias rochosas em tons acinzentados, mas que, no inverno, irão ser pintados de branco, pelos nevões que não poupam esta ilha mediterrânica.
Assim, a paisagem atravessada vai sendo adornada pelo verde das encostas, pelos picos no topo das montanhas e, aqui ou ali, pela vista sobre o mar imenso… e também pelo aparecimento esporádico de algumas aldeias, que vão humanizando este trajeto magnífico. Neste texto vou apenas registar a passagem por duas dessas aldeias, Olmeto e Zonza, que observámos só à distância, para contemplar a sua beleza, sobretudo devido ao enquadramento paisagístico, que é sempre fantástico.

Uns dias mais tarde, já no final da semana que aqui passámos, tínhamos de voltar a Ajaccio para apanhar o avião que nos iria levar de volta a Paris. Tínhamos, entretanto, chegado até à cidade de Bastia, localizada a Norte, e foi daí que partimos cruzando de novo a cordilheira dorsal que divide a ilha, passando, desta vez, mais perto do maciço rochoso do Monte Cinto, o pico mais alto da ilha, com os seus 2.706 m.

O percurso foi penoso, pelas curvas e contracurvas que se sucediam, a ponto das miúdas começarem a enjoar, o que nos obrigou a fazer algumas paragens para evitar males maiores… mas sem grande sucesso, confesso.

Neste troço as aldeias escolhidas foram Soveria, Corte e Ghisoni, esta última obrigou mesmo a um pequeno desvio do caminho principal, como se regista no mapa anterior.




Porto-Vecchio:

Ficámos instalados na proximidade da cidade de Porto-Vecchio, que usávamos como base para todas as movimentações que fomos fazendo.

Não é uma cidade espetacular, aliás, aqui na Córsega, quase todas as povoações junto ao mar são semelhantes, simpáticas e agradáveis, mas nada exuberantes, embora bastante acolhedoras para um passeio de final de tarde, ou para um jantar num dos restaurantes na marginal junto à marina, que é o centro nevrálgico da cidade, ou mesmo na cidade velha, que ocupa o alto do morro sobre a baía onde se destaca a igreja velha, a Église Saint Jean-Baptiste.



As praias de Porto-Vecchio e Bonifácio

Mas quem vai para Porto-Vecchio não vai à procura das atrações que a cidade pode oferecer. Quem resolve escolher um alojamento nesta parte da ilha, pretende certamente explorar as praias magníficas que podemos encontrar nesta zona… e nós também, claro.

São várias as baías que aqui se formam, experimentámos algumas, e adotámos aquelas de que mais gostámos, e que vou aqui referir por uma ordem geográfica, do Norte para Sul.

Plage de Canella:

Como estávamos um pouco acima de Porto-Vecchio, começámos por experimentar umas praias a Norte, das quais salientamos a Plage de Canella, uma baía preciosa, que, de manhã cedo, se apresentava ainda totalmente vazia e bastante bonita.

A grande atração destas praias é sempre a mesma, uma areia branca, e as águas calmas, transparentes e mornas, de onde demoramos a sair a cada mergulho… e aqui não é diferente.

Santa Giulia:

Esta é de todas as praias que experimentámos, aquela de que mais gostámos… trata-se de uma praia perfeitamente fantástica.
É formada por uma faixa de areia branca que define o contorno de uma baía, quase em forma de ferradura, onde encontramos um espelho de água de cor azul-turquesa e completamente apetecível.

A faixa de areia desta praia é extensa, com mais de um quilómetro e meio, mas bastante estreita, em torno dos 10 m, embora seja mais ou menos estável ao longo do dia, por ter pouca afetação das marés, uma vez que estamos no Mediterrânio. Assim, é natural que o areal acabe por ficar completamente ocupado com turistas. Para fugirmos dessa confusão chegávamos à praia de manhã cedo, enquanto a maioria está ainda a dormir e aí pudemos escolher os melhores lugares e desfrutar de uma paisagem sublime.

Com o passar das horas e o aumento da quantidade de banhistas, a praia vai enchendo e vai ficando cada vez menos paradisíaca, e a melhor opção é fugirmos do areal e estarmos cada vez mais tempo dentro de água, que a temperatura é convidativa. E foi isso que fizemos, tanto os adultos, como as miúdas, na altura ainda crianças, mas já se refastelavam naquelas águas magníficas.

A praia é servida por vários restaurantes, bastante agradáveis, apesar dos preços serem elevados, mas permite uns snacks, umas saladas e umas bebidas frescas, num ambiente giríssimo e sempre emoldurado pelas imagens magníficas da baía de Santa Giulia.

Rondinara:

Um pouco mais a Sul encontra-se mais uma das melhores praias da ilha, a praia de Rondinara. É constituída por uma baía que forma quase um círculo completo, apenas com uma estreita abertura para o mar aberto, o que faz com que as águas sejam ainda mais calmas, um autêntico espelho de água azul-turquesa.

O truque será o mesmo, chegar cedo para usufruir das mais bonitas imagens, quando a praia ainda se mostra encantadora.

Depois é deixar que o dia vá passando lentamente, entre banhos de sol e longos banhos de mar… nunca nos cansamos de estar de molho em águas como estas, com 27º e com uma transparência quase inacreditável.

Entretanto vão chegando cada vez mais pessoas, e também mais barcos, que vão preenchendo esta baía, que é praticamente uma marina natural.


Plage du Petit Sperone:

Já num outro dia, que escolhemos para ir até Bonifácio, a cidade mais bonita, não só desta zona do Sul, mas talvez de toda a ilha, passámos a manhã em mais uma praia paradisíaca, a Plage du Petit Sperone.

Desta vez não encontrámos uma grande baía, como nos dias anteriores, a praia é bem mais pequena, a fazer lembrar algumas das calas das baleares, uma enseada apertada de águas transparentes com uma língua de areia branca, num conjunto magnífico.
A praia tem um acesso que obriga a uma pequena caminhada, de um dos lados há um trilho que segue junto a um campo de golf que ali existe, no outro lado, entramos pela zona de um site arqueológico, a Villa Romaine de Piantarella.


Bonifácio

Como já disse, esta é a cidade mais bonita da ilha, ou, pelo menos, aquela cuja imagem é mais rara e mais diferenciada.

E não é só a própria cidade que tem um aspeto singular, toda a sua envolvente é marcada pelas falésias íngremes de calcário branco, que vão desenhando paisagens lindíssimas no contraste que formam com o azul das águas.

E é no alto de um desses penhascos de mármore branco que surge, praticamente empoleirada sobre o rochedo e protegida pela sua cidadela, a belíssima cidade velha de Bonifácio… que se torna ainda mais bonita e mais especial, quando a contemplamos à distância.
No exterior da cidade velha, e ainda cá em baixo, ao nível do braço de mar que envolve o penhasco, forma-se uma baía natural que é usada como marina e encontra-se cheia de embarcações de recreio. Esta é uma das zonas mais agradáveis da cidade, cheia de vida e de turistas, com enorme oferta de bares e restaurantes, e sempre com a imagem da cidade, no alto da falésia, como um farol, e com o Forte da Cidadela em primeiro plano.
Depois de uma subida íngreme, feita a pé, claro, chegamos ao labirinto de ruas empedradas que forma o casco velho e encontramos um espaço bastante interessante e agradável, cheio de lojas e restaurantes típicos, num conjunto bastante bonito e muito pitoresco.

Parámos para jantar num destes restaurantes e aproveitámos o ambiente extraordinário de uma noite quente de agosto num local tão bonito como este. E regressámos depois pela colina abaixo até ao carro, não deixando de procurar pelos melhores pontos de observação para poder apreciar a silhueta da cidade com as cores do entardecer e depois já com a chegada da noite… que cidade fantástica.



Bastia

Antes de terminarmos estas férias, resolvemos largar as praias do Sul e fizemos toda a estrada que cobre a costa Leste a caminho de Bastia, a maior cidade do Norte da ilha.

A cidade não é fantástica, vive muito em torno de um porto comercial importante, que garante a entrada e saída de embarcações que fazem a ligação com o continente, mas o seu principal interesse concentra-se no seu centro histórico em torno do Porto Velho, o Vieux Port de Bastia, onde se destaca a principal igreja da cidade, a Église Saint Jean-Baptiste, que confere a este local um aspeto típico e pitoresco.
A cidade velha oferece aquilo que se espera de uma terra de pescadores que é frequentada por muitos turistas, ruas pedonais que chegam até à marina, o principal polo para onde toda a gente converge, e uma oferta diversificada de restaurantes e lojas, onde podemos desfrutar do ambiente envolvente, que é muito agradável, e também de uma oferta gastronómica variada, onde se incluem alguns pratos típicos da região.


Ajaccio

Depois do percurso feito pelas estradas de montanha, vindos do Norte, chegámos à capital da região da Córsega, que é também a sua maior cidade. Mas Ajaccio não parece nada ser uma grande cidade, na verdade tem apenas 70 mil dos 330 mil habitantes da ilha, o que não faz desta cidade uma grande metrópole.

Por isso, é apenas mais uma cidade simpática junto ao mar, esta com o lastro histórico especial por ter sido aqui que nasceu Napoleão Bonaparte, que é hoje uma figura de referência local, que dá mesmo o nome ao aeroporto da cidade.

Ajaccio vive em torno do mar, está encaixada no Golfo de Ajaccio, rodeada por praias, mas que, naturalmente, não são as melhores praias da ilha. Depois tem um imenso porto comercial, que recebe cargueiros e ferrys de França e de Itália, num vaivém constante.

Assim, a parte mais interessante desta cidade, e o seu centro histórico, gravitam em torno da Citadelle d'Ajaccio e da marina local, o Porto de Recreio Tino Rossi, cujas imagens são quase de uma aldeia pitoresca e bonita.


Comecei esta viagem referindo que sou fã de tudo o que tem a ver com o Mediterrânio, e termino agora, ao fim de uma semana de visita à Córsega, com a certeza de que esta ilha fantástica é talvez o melhor exemplo da essência mediterrânica.

Pelas montanhas, altas e rochosas, pelas aldeias, sempre pitorescas, pelos contrastes entre o verde das colinas e o azul do mar, por algumas das suas cidades, principalmente a belíssima Bonifácio, mas, sobretudo, pelas praias magníficas de areia branca e águas mornas e transparentes... por tudo isto, a ilha da Córsega constitui uma verdadeira marca mediterrânica... algo que não tem só a ver com um mar ou com as terras que são banhadas por esse mar, algo que é quase uma forma de estar e um modo de vida... e aqui na Córsega sentimo-nos permanentemente nessa onda mediterrânica. 


Carlos Prestes
Agosto de 2001