domingo, 26 de agosto de 2018

Sierra Nevada – Uma estância (quase) portuguesa

Desde há mais de três décadas que me apaixonei por esta montanha que tenho visitado vezes sem conta, em sucessivas experiências alucinantes, descendo pelas várias pistas que formam a estância, quase sempre sob um sol intenso que disfarça o ar gélido da serra, e apreciando paisagens de uma beleza deslumbrante, com o azul vivo do céu e o branco da neve que quase nos encandeia.
Sierra Nevada é a principal estância do Sul de Espanha e integra o Pico del Mulhacén, com 3479m de altitude, o mais alto cume da Península Ibérica, e o Pico Veleta, com 3398m de altitude, o terceiro mais alto da península, e pode ser considerada como a principal estação de ski portuguesa, tal a quantidade de portugueses que por lá passam todos os anos. 

A sua proximidade ao Mar Mediterrânico e a localização a Sul da península, cria um microclima bastante agradável, com muitos dias de sol, ao contrário, por exemplo, das estâncias dos Pirenéus, onde a maioria dos dias de Inverno são nublados. Aqui, a probabilidade de um dia de sol é bastante grande, e é fantástico podermos esquiar assim, sob os raios de sol, num dia de céu completamente limpo... embora este sol todo acaba por ter um efeito nefasto, fazendo derreter a neve e deixando-a empapada, dificultando muito as condições de ski. 

Pradollano

O complexo de Sierra Nevada é constituído por várias zonas de pistas de ski em plena montanha, mas também pelo pueblo de apoio a todas essas pistas, chamado de Pradollano, onde encontramos hotéis e apartamentos, restaurantes e bares, e todo o tipo de lojas… toda uma cidade de apoio às atividades de ski e snowboard, onde se alojam diariamente vários milhares de praticantes destes desportos de neve e montanha.

O Pradollano fica a uma cota de 2100m e, por vezes, está também coberto de neve, o que lhe dá um ar mais simpático, nomeadamente durante o chamado après ski, ao final de cada dia, quando as esplanadas se enchem de gente que aproveita o sol num ambiente fantástico.


É a partir do Pradollano que saem os principais meios, telecabines e telecadeiras, que nos levam até às primeiras pistas, e que depois comunicam, através de outros meios mecânicos, por toda a estância que se estende, atualmente, por 133 pistas de diversos níveis de dificuldade, numa extensão de cerca de 111km e que fazem parte das principais zonas esquiáveis que surgem representadas nos seguintes mapas:



El Rio

As duas telecabines que saem do Pradollano, uma delas o Al-Andaluz, o principal teleférico da estância, levam diariamente milhares de esquiadores até ao alto da montanha, seguindo pelo vale onde corre o rio Monachil, um afluente do rio Genil que encontramos em Granada, e que, nesta zona, foi entubado e transformado numa das pistas mais icónicas desta estação de ski, o El Rio.

É por esta pista que, ao final de cada dia, todos descemos de volta ao pueblo de Pradollano, terminando mais um dia de ski. Esta última descida é sempre uma aventura porque junta os esquiadores mais velozes com aqueles que, depois de um dia de aprendizagem nas escolas, se arriscam a regressar pelo rio, encontrando uma zona inclinada e cheia de bossas que é um autêntico vale dos caídos, como lhe chamam. Esta mistura de esquiadores experientes com outros iniciados, numa zona difícil e com a neve empapada do final de tarde, torna-se numa tremenda aventura para todos e chega a ser assustador... mas ainda assim, ninguém quer descer de teleférico, todos escolhem esta última provação e este derradeiro momento de adrenalina.


Borreguiles

O vale das Borreguiles é o coração desta estância, uma zona cheia de restaurantes, esplanadas e escolinhas de ski, onde chegam as duas telecabines vindas do pueblo de Pradollano e de onde saem telecadeiras para os outros vales esquiáveis desta estação. 

A zona de lazer das Borreguiles é o principal ponto de concentração dos milhares de esquiadores que utilizam a estância, sobretudo ao início do dia, quando começam as várias escolas de ski, mas também à hora de almoço, quando todos se juntam nas imensas esplanadas em torno dos restaurantes de fast-food, e usufruem do sol, por vezes, abrasador, que normalmente banha as montanhas nevadas deste vale. 


Um dos ex-líbris desta zona das Borreguiles é a enorme antena de telecomunicações no alto de uma das colinas e que é visível de quase toda a estância, como uma espécie de farol que nos orienta. 

Além de ser uma espécie de fun-zone para apoio a toda à estação de ski, o vale das Borreguiles é também uma das principais zonas esquiáveis de Sierra Nevada. 

Foi nesta zona que todos aprendemos a esquiar, nas próprias pistas verdes das Borreguiles, mas, sobretudo, na Perdiz, uma das pistas mais concorridas, onde os iniciados no ski vão testando as suas novas competências e dando os seus trambolhões, encosta abaixo. Mais tarde, vamos passando para outras pistas mais inclinadas, como a Zorro ou a Peñones, ainda na zona das Borreguiles, até estarmos prontos para explorar as zonas mais radicais da estância… este percurso foi feito por mim há mais de 30 anos, mas depois foi sendo repetido mais quatro vezes, de cada vez que um novo membro da família se tornava esquiador e, hoje em dia, já todos utilizamos a zona das Borreguiles apenas de passagem para os outros vales menos concorridos e mais desafiantes.



O ponto mais alto desta zona das Borreguiles corresponde ao local de chegada de uma das principais telecadeiras da estação, o Stadium, junto ao qual encontramos atualmente um palanque com uma máquina fotográfica fixa, onde podemos tirar uma foto panorâmica, que depois pode ser descarregada numa das aplicações da estância. Na nossa primeira visita a Sierra Nevada desde o início da pandemia, em 2022, aproveitámos este palanque e fizemos a nossa foto oficial de família.


Loma del Dílar 

Logo a partir do Pradollano podemos não escolher uma das telecabines que seguem para as Borreguiles e optar antes pela telecadeira que segue pela colina que se ergue do lado direito do vale do El Rio, deixando-nos na vertente oposta, onde encontramos um conjunto de pistas, designada por Loma del Dílar. 

As pistas desta zona, todas azuis, o que corresponde a uma dificuldade média, são fantásticas, pelo menos na minha opinião, por alternarem entre rampas muito inclinadas com outras zonas mais planas, permitindo um ski bastante rápido mas controlado (o que não se passa nas pistas muito difíceis, nem nas muito fáceis). Por isso esta zona da Loma del Dílar é sempre uma das nossas principais escolhas ao longo de um dia de ski, e onde melhor conseguimos apreciar a vertigem da velocidade. 

Uma outra vantagem desta zona é a paisagem extraordinária que nos oferece, tal a amplitude com que conseguimos observar os vários locais da estância, sobretudo ao longo dos trajetos nas telecadeiras, que nos permitem contemplar vistas magnificas com o pico da Veleta ao fundo. 

No topo da principal telecadeira desta zona chegamos bem debaixo da imensa antena de telecomunicações, de onde podemos voltar esquiando pelo mesmo caminho, seguindo de novo pelas pistas da Loma del Dílar, ou seguir diretamente até às Borreguiles, ou ainda descer um pouco mais abaixo, até à zona do Rio, onde podemos optar por subir pelas telecadeiras do Stadium. 



Veleta 

O grande pico da Veleta, o segundo maior desta cordilheira e o terceiro mais alto da Península Ibérica, é também uma zona de ski com duas pistas fantásticas ao longo das encostas desta montanha, ambas com uma forma grandiosa e muito inclinadas, são pistas vermelhas, mas poderiam ser negras, e são talvez as mais apreciadas de toda a estância pelos esquiadores mais experientes. 

O acesso a esta zona de ski é assinalado como restrito… “solo para expertos”, dizem as placas, mas há sempre aqueles que, não sendo especialistas, acham que são chicos-espertos e que isso chega. Mas não chega, e o primeiro teste é logo a própria subida para esta zona, que, ao contrário do que acontece em todas as outras pistas, não é servida por uma telecadeira, mas sim por um teleski, conhecido pelos tugas por saca-rabos. Assim, alguns dos tais "espertos" ficam logo ali pelo caminho. 

As duas pistas principais desta zona da estância começam um pouco abaixo do pico da Veleta, uma delas desce diretamente até às Borreguiles, enquanto que a outra desce até ao vale da Laguna de las Yeguas… são ambas grandiosas e muito velozes, não há ali lugar para principiantes. 

No início destas duas pistas encontramos um troço quase plano, que faz parte da chamada pista Olímpica e que tem a particularidade de ser uma das pistas de ski mais altas da península, a mais de três mil metros de altitude. Mas é também conhecida por ser um magnifico miradouro panorâmico virado para o Mediterrâneo, onde se chega a ver Marrocos, embora, na maior parte das ocasiões, se veja apenas um imenso aglomerado de nuvens, que descansam lá em baixo. 

Ao longo de uma descida completa da Veleta até ao Pradollano, numa extensão de vários quilómetros, que gostamos de fazer de vez em quando, precisamos sempre de uma pausa depois de ultrapassado o troço mais inclinado, sempre sob grande tensão, e onde temos de estar concentrados a 100%... aqui, acalmamos a descarga de adrenalina de uma descida alucinante acabada de fazer e retemperamos forças para o resto da descida que nos espera, aproveitando para apreciar as paisagens, sempre magníficas. 



Laguna de las Yeguas 

Todo o extenso vale que encontramos do lado direito, enquanto subimos até ao pico Veleta, corresponde à Laguna de las Yeguas, uma zona extraordinária para a prática do ski, cheia de pistas fantásticas, todas vermelhas, pela dificuldade elevada. 

Não é aconselhável a principiantes, mas quem já consiga esquiar bem nas pistas mais inclinadas encontra aqui vários quilómetros esquiáveis que nos permitem uma experiência de ski alucinante… não tento sequer explicar a sensação de uma descida destas, que é quase indiscritível… digo só que é algo que mexe connosco de tal forma que nos faz sempre ansiar por um novo regresso a uma estância de ski, ano após ano. 

Chegados ao topo da Laguna de las Yeguas, seguindo pela pista Olímpica, que começa naquela zona a mais de 3000 metros de altitude, com vista para o Mediterrâneo, onde, por vezes, somos surpreendidos por uma profusão de cores que o sol provoca ao incidir na névoa, ficamos perante um imenso vale nevado, por onde nos lançamos montanha abaixo, numa prova de superação, deixando que a adrenalina nos domine. 



Aqui ou ali, ao longo da descida vertiginosa, há sempre tempo para algumas pausas para apreciarmos aquele cenário magnifico que nos envolve, aquelas imagens que nos parecem irreais e quase nos arrepiam. 




Valle de San Juan e Monachil 

Todo o desfiladeiro que nos surge do lado esquerdo enquanto subimos o El Rio é também uma zona de ski, constituída por alguma pistas muito inclinadas que descem a colina, mas também um conjunto de carreiros estreitos e quase planos, que percorrem a zona de cumieira ligando as várias pistas entre si, e levando-nos até ao vale que se localiza do outro lado, o Valle de San Juan. 

Assim, do alto desses carreiros podemos escolher virar à esquerda e descer numa das pistas vermelhas que nos levam até ao Rio, ou podemos optar por continuar até ao Valle de San Juan... em qualquer dos casos temos sempre a possibilidade de apreciar as bonitas paisagens dos vales do Rio e das Borreguiles que nos surgem do lado oposto. 

Esta zona do Valle de San Juan permite um ski um pouco diferente do resto da estância, e com a vantagem de ter poucos esquiadores e quase ninguém em fase de aprendizagem. 

Aí encontramos o tal conjunto de carreiros que vão serpenteando ao longo da cumieira desta colina, e  que nos permitem apreciar as paisagens do vale principal da estação de ski. A melhor forma para entrarmos nesta zona será subirmos pelas telecadeiras do Stadium, virando à esquerda na sua saída, e entrando logo na primeira pista que nos surge, a Tobogan, que é só um caminho estreito e pouco inclinado, que nos permite um ritmo de passeio e bastante fácil e que, mais tarde, nos vai conduzir a uma das principais pistas desta zona, a Águila. 

No vídeo seguinte mostra-se um pouco desta experiência de percorrer  a Tobogan:
A Águila é uma das minhas pistas favoritas de toda a estância, quer pela sua configuração, misturando rampas mais íngremes com alguns trechos planos, onde aproveitamos para usufruir da vertigem da velocidade, enquanto vamos desacelerando, quer também por ser uma pista pouco concorrida… no entanto, esta zona está muitas vezes fechada, quando não tem neve suficiente e, como não tem muita afluência de esquiadores, raramente produzem neve artificial e optam por fechar, o que é uma pena. 

No final deste vale as pistas atingem o Pradollano na parte mais alta, que é designado por Monachil, mas existem também algumas rampas que ligam diretamente até à pista Maribel, uma paralela do Rio, permitindo-nos chegar à zona central do Pradollano, junto ao teleférico do Al-Andaluz. 


Terminamos assim um percurso completo por toda a estância, como quem termina um dia de ski, e chegamos de novo ao Pradollano, já ao final da tarde, quando a envolvente do chamado après-ski chega a fazer lembrar o ambiente de praia, com as esplanadas cheias de gente a bronzearem-se ao sol e a beberem cerveja. 

Mas quando a neve cai a imagem deste local fica alterada e o ambiente torna-se particularmente acolhedor, sobretudo à noite e na época entre o Natal e o Ano Novo, uma das épocas mais concorridas da estância, quando o pueblo nos recebe com as decorações de Natal. 

Foi assim que, durante mais de três décadas, a nossa equipa de ski foi usufruindo desta magnífica estância, crescendo e evoluindo, desde as escolinhas até às pistas negras… e hoje somos todos fãs incondicionais, tanto deste desporto fascinante como da própria estância, onde voltamos sempre que nos é possível.