segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Córdoba - O califado Andaluz

No interior mais tórrido da Andaluzia encontramos a cidade de Córdova, a antiga capital do Al-Andaluz, o Califado de Córdoba, que dominou grande parte da península durante o período de ocupação muçulmana.
Esta presença da civilização árabe foi bastante marcante na história da cidade, tornando-se bem evidente até aos dias de hoje, com influências claras na arquitetura do seu centro histórico e, sobretudo, pela presença da enorme Mesquita junto ao rio que atravessa a cidade, o Guadalquivir, que é hoje uma catedral católica.

Esta zona do interior da Andaluzia chega a atingir temperaturas altíssimas, mas, apesar disso, temos tendência para viajar para estas paragens exatamente no Verão, juntando as cidades interiores, como Córdova e Sevilha, com outros destinos do litoral andaluz. Assim, e no caso de Córdova, onde o calor será ainda mais abrasador, a única forma de conhecermos devidamente a cidade, será começar cedo e ir percorrendo muito lentamente as ruelas apertadas do casco velho e promover sucessivas paragens… em restaurantes, nalgumas igrejas e até aproveitar para visitar a Mesquita, que é bem fresquinha. Mas o melhor, se tivermos possibilidade, e nós tivemos, será regressar ao hotel e fazer umas horas de piscina, ou mesmo de siesta, para os mais dorminhocos, e regressar ao entardecer, quando a cidade acorda, para uma noite mais apetecível.

Seguimos esta regra nos dois dias em que visitámos a cidade de Córdova no Verão de 2018, e só assim conseguimos tolerar o calor e percorrer as principais ruas da cidade. Como guia de referência usámos o mapa seguinte, que se encontra dividido em três percursos distintos, como se descreve mais abaixo:


Entre Murallas y Puertas

O centro histórico da cidade de Córdova encontra-se junto ao Rio Guadalquivir e está ainda delimitado pelas antigas muralhas. Este espaço rodeado pelas muralhas que protegiam a cidade islâmica, tem exatamente os mesmos contornos da antiga cidade da época romana, onde se encontram um total de sete portas de acesso, sendo uma das principais a Puerta de Almodóvar, por onde iríamos entrar.

Atravessando o pórtico de entrada, e ao nos deixarmos deambular pelo centro histórico, vamos percorrendo as ruas apertadas e sempre brancas, como em toda a Andaluzia, algumas totalmente anónimas, que intercetam, de vez em quando, as referências principais que ali se escondem, não só resultantes da presença árabe, mas também da influência cristã e até judaica, com o barrio de La Judería e a respetiva Sinagoga… sabendo-se que estes três povos, com as suas diferentes religiões, coabitaram pacificamente nesta cidade, durante séculos.
         


À medida que nos aproximamos do principal polo de interesse da cidade, a Mesquita e Catedral de Córdoba, o centro histórico começa a tornar-se cada vez mais movimentado, com mais lojas e restaurantes e, claro, com maior concentração de turistas.

Uma das ruas mais concorridas nesta zona é a Calle Romero, que nos conduz até ao centro nevrálgico da cidade.
Mas não é só esta rua, todas as outras, algumas bastante estreitas, vão ficando cada vez mais concorridas e animadas.
         

Um dos recantos mais típicos do centro histórico de Córdova é a chamada Calleja de las Flores, um beco apertado que nos leva a um pequeno pátio, com as paredes sempre decoradas com vasos de plantas e flores… enquadrando aquela envolvente florida com a torre da Catedral que se vê ao fundo.


Já junto à Mesquita percorremos toda a envolvente do complexo, onde encontramos a chamada Capilla de Santa Teresa, uma parte da mesquita já transformada numa capela cristã, e uma das mais icónicas portas da cidade, a Puerta del Puente, que hoje surge desligada das antigas muralhas e abre alas para a ponte romana que atravessa o Guadalquivir.


Já na travessia do rio Guadalquivir aproveitamos para apreciar a extraordinária obra que é esta Ponte Romana. Foi construída no início do século I dC, na época do domínio Romano em Córdova, e fazia parte da chamada Via Augusta que atravessava toda a Hispânia, de Cádis aos Pirenéus.

A ponte foi remodelada diversas vezes, tendo mesmo sofrido várias reconstruções ao longo da sua história, quer na época do Califado quer após a Reconquista cristã. A última remodelação aconteceu em 2008, o que faz com que o seu estado de conservação atual seja bastante bom.

Hoje em dia continuamos a olhar para esta ponte como uma obra de arte, mas apreciamos sobretudo a paisagem da sua envolvente, do próprio rio Guadalquivir, mas, principalmente, a marca que constitui a imagem da grande Mesquita árabe, atualmente uma Catedral católica.

A meio da ponte surge a sua principal atração, a Estátua do Arcanjo São Rafael, o santo padroeiro para os habitantes cristãos, depois da sua intervenção milagrosa que terá posto fim a uma epidemia que assolou a cidade no século XVII.


Los Patios Cordobeses

Uma das marcas arquitetónicas da presença dos mouros nesta zona de Espanha é a existência de casas com pátios interiores, que ajudam a refrescar, e que são comuns por toda a Andaluzia. Porém, aqui na cidade de Córdova, existe a tradição de decorar estes pátios com plantas e flores, transformando-os em autênticas obras de arte floridas, que os moradores exibem com orgulho.

Na primeira quinzena de maio de cada ano ocorre o Festival dos Pátios de Córdova, no qual os proprietários participantes abrem as suas portas para visitas públicas. A popularidade deste concurso e a singularidade de los Patios Cordobeses fez com que a Unesco proclamasse este festival como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Mas não é só na época do festival que estes pátios podem ser visitados, existem várias casas que são visitáveis e várias formas de as podermos visitar.
Curiosamente, a maioria dos pátios de referência nem se encontra no centro histórico muralhado, mas, noutros bairros, sobretudo no Barrio de San Basilio, localizado junto ao rio e onde encontramos um outro monumento de referência da cidade de Córdova, o Alcázar de los Reyes Cristianos, por onde começámos a nossa visita a esta parte da cidade.

Depois da reconquista de Córdoba em 1236, a cidade iniciou a sua implantação cristã e começaram a ser construídos, ou adaptados, diversos edifícios. Em 1329 o rei Alfonso XI ordenou a construção do atual edifício e dos respetivos jardins sobre o antigo Alcázar da época do califado, e que antes foi residência do governador romano, tratando-se, portanto, de um monumento fundamental na história de Córdova.

Atualmente, mais interessante do que o próprio do Alcázar, são os jardins reais do palácio, com uma enorme riqueza, pelas imensas espécies de árvores e plantas que ali se encontram e pelas suas fontes… mas, para além da beleza rara deste lugar, salienta-se também a sua importância histórica, com registos da presença da rainha Isabel, a Católica, filha do rei João II de Portugal, que por ali passeava frequentemente enquanto lia.

Inicialmente o Alcázar teve um uso meramente militar, mas, no final do século XV, os Reis Católicos estabeleceram ali sua residência oficial. O episódio histórico mais relevante vivido neste complexo aconteceu em 1486, quando os Reis Católicos se reuniram com Cristóvão Colombo para tratar da sua nova rota rumo a caminho das Índias… esse momento, que haveria de definir as bases do descobrimento da América, está representado por uma escultura nestes jardins do Alcázar.


Voltando de novo aos pátios cordobeses, ainda no Bairro de San Basílio, podemos visitar alguns deles comprando as entradas disponíveis em pacotes ou participando mesmo num tour organizado, e certamente vamos ter oportunidade de conseguir ver os mais belos pátios da cidade, embora sejam uma espécie de spots turísticos, muito exagerados e pouco autênticos.

Mas, na verdade, poderemos também ir entrando nos pátios que nos surgem de porta aberta e de acesso gratuito, basta percorrermos as ruas deste bairro e irmos aceitando o convite para entada que nos é oferecido pelos moradores, quando nos mostram as portas escancaradas. Desta forma, certamente não iremos ver os pátios mais bonitos da cidade, que estão reservados para as visitas turísticas, mas talvez encontraremos alguns pátios que serão também bastante bonitos, mas bem mais genuínos.




La nueva Córdoba

O centro nevrálgico de Córdova não é apenas o conjunto de pequenas casas brancas que formam o seu casco velho, há também algumas ruas e bairros mais modernos, onde encontramos uma variedade de edifícios clássicos e elegantes, e que constituem uma importante zona de comércio da cidade, como acontece em toda a envolvente da Plaza de las Tendillas, onde se marca o limite entre o centro histórico e a principal zona comercial.

Esta praça corresponde a um espaço amplo rodeado por edifícios históricos, com várias lojas, restaurantes e cafeterias onde encontramos como símbolo de referência a estátua equestre de Gonzalo Fernández de Córdoba. A escultura desse cavaleiro, conhecido como “El Gran Capitán”, surge no centro da praça e é feita em bronze, com exceção da cabeça, que é de mármore.
Na Plaza de las Tendillas desembocam as principais ruas comerciais da cidade, como a Calle Conde de Gondomar, a Calle José Cruz Conde ou a Calle Jesús María. Se nos deixarmos levar pelo movimento das pessoas que ocupam estas ruas pedonais que se dispõem em torno da praça, vamos descobrir todo o tipo de lojas, das mais populares às de marcas mais conceituadas.

Mas além das várias lojas, vamos também encontrar alguns edifícios de históricos, como o Gran Teatro de Córdoba, localizado na Av. del Gran Capitán, também ela uma importante artéria desta zona da cidade.

Se continuarmos seguindo para Norte nestas ruas de comércio, acabamos por chegar a uma das maiores praças da cidade, a Plaza de Colón, ocupada maioritariamente pelos Jardines de la Merced, em frente dos quais se ergue o Palacio de la Merced, um convento representativo do barroco cordovês, construído durante o século XVIII, e que inclui, na zona central, uma bonita igreja matriz.
Voltando de novo para Sul, entre as ruas Claudio Marcelo e Capitulares, encontramos o edifício da Câmara Municipal, a Iglesia de San Pablo e, sobretudo, o Templo Romano da cidade.

Durante as obras de ampliação do edifício da Câmara, feitas em 1950, foram descobertos vestígios arqueológicos romanos bastante bem conservados, que revelaram a existência de um Templo Romano de grandes dimensões, formado por seis colunas principais e duas laterais.

Depois de devidamente recuperado, o Templo Romano é atualmente visível do exterior, embora estejam ainda em curso as obras que irão permitir a criação de uma estação arqueológica, que possa ser visitável (com prazo de conclusão previsto para o ano de 2019).
A poucos metros deste templo encontramos a maior e mais importante praça da cidade, a Plaza de la Corredera, que se pensa ter sido construída sobre os restos do antigo circo romano.

Durante a Idade Média, este espaço era utilizado como prisão e como cenário de execuções da Inquisição. Anos mais tarde tornou-se numa praça de touros e, no século XVII, foi totalmente reconfigurada, sob a pena do arquiteto Antonio Ramos, o que deu origem à Plaza de la Corredera com o seu aspeto atual, em forma de retângulo e com pórticos arqueados, muito característicos das praças castelhanas, fazendo lembrar a Plaza Mayor de Madrid.

Entretanto, já no século XIX, a praça foi usada como mercado e, hoje em dia, conta com diversos restaurantes, cafeterias e bares, além de servir de palco a algumas festas importantes da cidade de Córdoba, como la Noche Blanca del Flamenco.
Passámos depois por um dos locais interessantes nesta zona da cidade, a Plaza de la Compañía, que albergou o colégio de Santa Catalina e a igreja dos Jesuítas, durante mais de dois séculos. 

Continuando mais um pouco pelas ruas deste bairro cordovês encontramos a Iglesia San Francisco.
         
O ponto de paragem seguinte foi a Plaza del Potro, uma das mais representativas da cidade, onde encontramos a Fonte del Potro, esculpida no século XVI num estilo renascentista, para melhorar o abastecimento de água da zona naquela época.

A praça apresenta diversos locais de interesse, como a Posada del Potro, localizada logo ao lado da fonte, que foi citada por Miguel de Cervantes na sua novela Don Quijote de La Mancha, que ali se terá hospedado durante as suas façanhas. Este acontecimento está registado no painel de azulejos que é visível na fachada do edifício da pousada.

Hoje em dia, existem nesta praça dois museus importantes, um dedicado ao pintor nascido na cidade no final do século XIX, Julio Romero de Torres, e o Museu de Belas Artes de Córdova.


La Mezquita-Catedral de Córdoba

Faltava-nos ainda visitar o monumento mais marcante de toda a cidade, a Mesquita-Catedral, que junta os vestígios árabes, da fase do poder islâmico, e os traços de influência cristã, do período após a reconquista… e reservámos uma manhã inteira para essa visita.

Trata-se de um monumento de referência do poder do califado de Córdova e do legado do Al-Andaluz na Península Ibérica, e constitui o símbolo mais importante da cidade, refletindo perfeitamente a fusão entre as influências islâmicas e os elementos cristãos do período católico.

Um dos elementos mais marcantes neste complexo monumental é a Torre do Campanário da atual catedral, com 54 metros de altura, e que foi outrora o imenso minarete da mesquita, construído no século X por Abderramão III. Com a reconquista cristã, o antigo minarete islâmico foi transformado num campanário próprio das catedrais católicas, e é esse o seu atual aspeto exterior, mas, no interior, ainda se conserva a estrutura original do minarete.
A Mesquita-Catedral de Córdoba fica localizada no centro histórico da cidade, a poucos metros da Ponte Romana sobre o rio Guadalquivir, e é o monumento mais visitado da cidade e um dos mais importantes de toda a Andaluzia. Pela sua importância histórica e pela excelência do seu conjunto monumental, foi declarado Património da Humanidade pela UNESCO, em 1984.

Para além do minarete, o atual campanário da catedral, destaca-se também no exterior o Pátio das Laranjeiras. Um pátio que foi o centro da vida islâmica durante o Califado de Córdoba, ocupando toda a zona exterior do edifício da mesquita, num espaço aberto e rodeado por várias galerias e pórticos, que podemos contemplar cá de baixo ou a partir do alto do campanário.


Ao subirmos até ao alto da torre da catedral, podemos apreciar o enquadramento deste complexo religioso, mas podemos também contemplar a paisagem panorâmica da cidade velha de Córdova, com as suas casas sempre brancas, típico da arquitetura andaluza.

Faltava agora atravessar o pórtico da entrada principal, para explorarmos o interior deste extraordinário local de culto, um espaço riquíssimo que teve origem no ano 786, sob o mandato do primeiro Emir omíada de Córdoba, Abderramão I, e que chegou a ser, durante vários anos, a maior mesquita de todo o mundo.
Hoje é bem evidente a riqueza da combinação das influências islâmicas e católicas, e encontramos entre as colunas da antiga sala de oração muçulmana, algumas capelas riquíssimas de inspiração cristã… outrora uma mesquita, hoje uma igreja católica.

         
Em 1236, a mesquita foi transformada numa igreja cristã, logo depois da reconquista da cidade por Fernando III, o Santo. A partir dessa altura, os muçulmanos foram expulsos de Córdoba e foram construídas, em plena mesquita, capelas, altares e outros elementos cristãos. No século XVI, o Rei Carlos V autorizou a construção da atual catedral, por entre as naves da antiga mesquita, e o resultado foi um edifício grandioso, com a planta em formato de cruz latina, completamente encaixado numa floresta de colunas da sala de oração muçulmana, deixando bem patente os contrastes entre os estilos omíada, gótico, renascentista e barroco.
         

Depois de nove séculos de constante evolução, a atual Mesquita-Catedral foi sofrendo diversas ampliações, atingindo uma área de implantação grandiosa com mais de 23 mil metros quadrados, mas mantendo sempre a imensa sala de oração com as suas 1.300 colunas de mármore e 365 arcos em ferradura bicolores.

Hoje em dia, podemos considerar que se trata ainda de uma mesquita onde emergiu uma grandiosa catedral católica, em que o seu elemento mais notável, continua a ser a sua marca original dos tempos da ocupação islâmica, com a enorme floresta de colunas e arcos em ferradura, que formam a sala de oração. Esse santuário é composto por várias naves onde se destaca o mihrab, o lugar onde o imã dirige a oração, que ali se encontra decorado com inscrições do Corão.
Voltando de novo ao exterior, regressamos ao Pátio das Laranjeiras que, curiosamente, nem sempre teve laranjeiras. Foi só no final do século XVIII que essas árvores foram plantadas no jardim principal da mesquita, até então, o pátio tinha apenas palmeiras e algumas oliveiras e ciprestes, que são ainda visíveis nos dias de hoje, conjuntamente com as 98 laranjeiras que agora ali existem.

Despedimo-nos do monumento mais importante da cidade de Córdova e terminámos também, desta forma, a nossa visita a uma das cidades mais típicas de toda a Andaluzia, a antiga capital do Al-Andaluz e a principal referência do domínio islâmico da Península.