sábado, 18 de agosto de 2018

Gibraltar - The Rock

Em plena Andaluzia, a zona de Espanha onde as influências árabes são mais marcantes e o calor é mais abrasador, surge um enclave que não poderia estar mais desenquadrado… o imenso rochedo de Gibraltar, com a marca gélida dos ingleses, já desde 1713, o ano em que se tornou num território britânico. 

Quando nos preparamos para chegar ao grande promontório, que observamos ainda do lado espanhol, pensamos tratar-se apenas do prolongamento das terras andaluzas, mas estamos enganados… na verdade, uma simples linha de fronteira leva-nos ao ambiente inesperado das terras de Sua Majestade, uma outra língua, outra moeda, diferentes hábitos, diferentes comidas… e já não encontramos o salero habitual deste lado espanhol, nem os aromas dos pratos típicos, ou o sotaque cantado do castelhano andaluz… e até o calor parece abrandar do lado britânico. 
Começámos por ter de aguardar numa fila de automóveis para passar a fronteira, daquelas à antiga, em que temos de mostrar passaportes ou cartões do cidadão (mesmo ainda sem Brexit). 

Mal saímos da fronteira continuámos por uma das estradas mais ridículas que alguma vez conheci, passámos um semáforo e seguimos em plena pista de aterragem do aeroporto local. Aquele semáforo passa a vermelho, não para passarem carros ou comboios, mas porque vem aí um avião, ou vai levantar ou prepara-se para aterrar, e não estamos a falar de avionetas, são mesmo aviões comerciais dos grandes. Mesmo sabendo que deve estar tudo sob controle, a sensação de atravessar uma placa de aeroporto em funcionamento não deixa de ser um pouco desconfortável. 
Entrámos depois na estrada principal que atravessa todo o território e, pelo menos, não nos obrigam a conduzir pela esquerda… valha-nos isso. Seguimos diretamente até ao extremo oposto da cidade onde iríamos estacionar o carro e apanhar o teleférico até ao alto do rochedo, o chamado Cable Car
O rochedo é em calcário e atinge uma altitude de 426 m. Atualmente encontram-se ainda vestígios de um castelo mouro do século XIV e diversos túneis utilizados para a defesa do local durante vários séculos, e que foram expandidos e associados a baterias de artilharia ao longo da Segunda Guerra Mundial, quando Gibraltar constituía um ponto fundamental na estratégia de defesa britânica e dos aliados. 

Assim, quisemos subir até ao topo do rochedo no Cable Car, descendo depois a pé toda a colina, aproveitando as paisagens e a aventura que nos é proporcionada. 

A chegada ao topo começa logo por ser extraordinária, pela paisagem arrasadora que nos envolve. 

Saindo na Cable Car Top Station entramos nos trilhos que percorrem a cumeeira do grande rochedo, num caminho que nos vai oferecendo paisagens infinitas de cortar a respiração, de ambos os lados do promontório. 

Ficámos por ali algum tempo, fascinados pela beleza das paisagens, sem pressa para abandonar o topo da montanha, mas acabámos por entrar naquela rede de caminhos que serpenteiam a encosta e iniciar a descida vertiginosa pelos trilhos que nos haveriam de levar de volta até à cidade
E logo que começámos essa descida passámos a ter a companhia dos habitantes do rochedo, os macacos, que são uma curiosa atração deste local, mas constituem também uma fonte de apreensão e mesmo de algum receio, sobretudo nos caminhos mais estreitos onde temos de passar a escassos metros de alguns destes espécimes que, na maioria das situações, ignoram-nos completamente… mas pode não ser sempre assim, como haveríamos perceber mais tarde. 
Os macacos de Gibraltar são de uma espécie também conhecida por macaco-berbere, originária do Atlas, no Norte de África, com a particularidade de serem pequenos e não terem cauda. 

Aparentemente são bastante amistosos e estão muito habituados à presença dos turistas, que recebem sem qualquer cerimónia e com alguma interação, esperando talvez alguma guloseima, apesar de estarem devidamente alimentados pela empresa de gestão do parque natural. Mas não deixam de ser macacos selvagens, cujo temperamento não é possível controlar, pelo que é conveniente manter uma distância de segurança… apesar de serem uns fofos, sobretudo os mais pequenotes. 

A tradição popular diz que enquanto existirem macacos em Gibraltar, o território continuará sob o domínio britânico. Este mito foi levado muito a sério quando, na Segunda Guerra Mundial, se temia uma possível invasão hispano-germânica, e foi o próprio Winston Churchill que ordenou que trouxessem do Norte de África diversos exemplares desta espécie, para se assegurar a sobrevivência da sua população, e a permanência do domínio britânico… quem diria que um estadista como Churchill também se deixava levar pelas crenças populares. 
         
Nos trilhos de descida vamos encontrando algumas atrações, cujo acesso pode estar incluído no bilhete do teleférico, se for essa a modalidade escolhida. 

A primeira atração que visitámos foi o Skywalk, uma estrutura metálica construída em balanço, sobre a encosta, com o pavimento revestido em vidro, que nos permite caminhar com a sensação de que estamos a andar sobre o vazio. Se nos descontrairmos é muito interessante, se entramos em stress será completamente vertiginoso… eu tendo a reagir mal perante as alturas, mas o resto do pessoal estava supertranquilo. 
O rochedo mantém o domínio britânico pela importância estratégica deste local junto ao estreito de Gibraltar, permitindo controlar as frotas de navios que entram e saem no Mediterrâneo. Essa vantagem foi utilizada em todos os conflitos em que o Reino Unido esteve envolvido, desde logo durante as Guerras Napoleónicas, quando Lord Nelson comandava as tropas britânicas e, mais tarde, já na segunda Guerra Mundial, em que o rochedo constituía o principal ponto de ataque aos navios germânicos ou italianos, que tentavam cruzar o estreito. 

Durante uma longa história com funções de defesa, o rochedo foi sendo preparado com diversas baterias de artilharia nos locais mais apropriados. Atualmente podem ser visitadas algumas dessas instalações, que incluem diversos túneis, onde funcionava todo o apoio de artilharia e onde, à superfície, se encontra sempre um canhão de longo alcance. 

De todas as baterias de artilharia existentes escolhemos visitar a O'Hara's Battery, por ser aquela que nos oferece uma vista mais deslumbrante. 

Continuando a descida chegámos à Saint Michael's Cave, uma gruta típica dos ambientes calcários, com grandes salas, cheias de estalactites e estalagmites, com luzes coloridas por todo o lado… por isso resolvemos não entrar, temos muito destas grutas no nosso país, e quem vê uma vê todas. 

Mas parámos no bar de apoio para uns gelados e fomos alertados para termos cuidado com os macacos… parece que gostam muito de gelados e, de facto, andavam por lá alguns à volta do bar, sempre com o seu ar simpático e amistoso, e até pousavam para as fotografias. 
Mas aí deu-se a surpresa quando, em menos de um segundo, um destes símios saltou para os braços da Martinha, agarrou-lhe no cabelo, lançou a mão gelado e zarpou alegremente de corneto na mão. E eu, que estava armado de Magnum de amêndoas, desatei a gritar com aquela macacada toda, que devem ter percebido que eu estava cheio de razão e desapareceram em menos de nada. Mas não deixou de ser um susto, sobretudo pela surpresa, mas também porque pensámos que, com aquelas unhas e aqueles dentes, apesar de serem uns fofos, podem facilmente provocar alguns ferimentos. 

No percurso seguinte desviámos da estrada pavimentada e entrámos num trilho pedonal, chamado de Royal Anglian Way, que nos levou a mais uma das atrações do rochedo, a Windsor Suspension Bridge
Trata-se de uma ponte suspensa com 71 m de comprimento e uma altura sobre o desfiladeiro que dá uma sensação de estarmos sobre o vazio, como que flutuando sobre as magníficas imagens da baía e da cidade, o que nos deixa com alguns tremeliques, não sei se será a própria ponte ou se serão as vertigens.
Ainda na encosta passámos pelo chamado Apes Den, ou covil dos macacos, (uma zona que fica nas proximidades da paragem intermédia do Cable Car, na qual o teleférico não pára na época alta). É um local encaixado numa vertente íngreme da encosta, onde se concentram alguns grupos de macacos… mas a respeito de macacada já não estávamos muito interessados, por agora ainda estávamos bem zangados. 

Mas as paisagens continuam a ser bastante bonitas, agora mais em baixo, mas ainda com uma vista ampla sobre o estreito e a cidade, que fomos desfrutando ao longo de todo o percurso. 

Ao fim de quase três horas na descida da montanha, por caminhos mais ou menos íngremes, com mais ou menos macacos, mas sempre com paisagens de nos tirar o fôlego, chegámos finalmente à cidade de Gibraltar, uma cidade tipicamente britânica, mas sem grande graça. 

A cidade, que ocupa todo o território, é bastante pequena, apesar dos cerca de 30 mil habitantes, o seu centro, ou downtown, localiza-se em torno da Main Street, uma rua pedonal bastante movimentada, que é também o principal centro de comércio local. 

No final da Main Street atingimos a praça principal, a Casemates Square, cheia de esplanadas onde se podem provar umas pizzas e uns hambúrgueres… nada que tenha a ver com a comida espanhola, que é bastante mais tentadora. Por isso não nos encantámos ao almoçar neste local, nem pelo que comemos nem pela envolvente da própria praça, com edifícios feios e sem qualquer requinte. 

Voltando às ruas da cidade, passámos primeiro pela zona da marina, o Queensway Quay, e depois percorremos as ruas mais concorridas um pouco ao acaso e sem destino definido, e fomos encontrando alguns traços britânicos, como vários pubs ingleses e também algumas igrejas anglicanas, com destaque para a King's Chapel localizada na Main Street

         
O nosso percurso durante este dia seguiu mais ou menos os trilhos assinalados no próximo mapa, começámos pela subida de teleférico até ao topo do rochedo e todo o resto foi feito caminhando lentamente e apreciando a envolvente. 
Regressámos ao carro e saímos deste enclave, território de Sua Majestade, para entrar de novo em terras andaluzas… deixando para trás a imagem do imenso “The Rock”, o grande rochedo britânico. 

Não é uma cidade bonita, mas acaba por ser uma visita interessante, quer pelo contraste cultural que encontramos em relação a Espanha quer sobretudo pela riqueza do contacto com a natureza que nos é oferecido pelo imponente rochedo, se tivermos a coragem e disponibilidade para assumirmos a descida completa a pé, como nós fizemos… mas talvez existam ainda outros encantos ocultos, que não encontrei, e que terão feito com que os Príncipes de Gales, Diana e Carlos, tivessem escolhido este local para passarem a sua lua-de-mel… que escolha estranha, digo eu!