Jerez traz-nos apenas um leve sabor da Andaluzia, com as normais influências católicas e árabes, que aqui surgem sem especial grandiosidade. As igrejas e palacetes, e até a própria catedral da cidade, são edifícios pouco majestosos. O mesmo se passa com os vestígios da ocupação árabe, apenas com um pequeno complexo que forma o Alcazár da cidade, que aqui, ao contrário dos vestígios do Al Andaluz noutras cidades desta região espanhola, surge também sem grande dimensão.
Mas, para compensar, Jerez oferece a quem a visita, um conjunto de atividades bastante peculiares, que fazem desta cidade um local especial. Refiro-me à atividade de criação e treino de cavalos, que culmina na Feria Del Caballo, que tem lugar anualmente no mês de maio. Refiro-me também ao Grande Prémio de Motociclismo, que se realiza no autódromo local, atraindo até à cidade muitos milhares de motards vindos de toda a Europa. E, por fim, refiro-me ainda ao facto de Jerez ser uma região demarcada de vinho, o famoso Xerez, uma espécie de brandy ou conhaque, consumido em todo o mundo desde há vários séculos.
Como não sou propriamente um fã do motociclismo, nem sou praticante de desportos equestres, concentrei-me apenas naquilo que melhor conheço, o mundo dos vinhos.
Assim, dividi a visita a esta cidade entre o casco velho, ou centro histórico, e uma das várias “bodegas” localizadas no centro de Jerez, onde se incluem as marcas mais importantes do Xerez que Espanha exporta para todo o mundo.
Existem diversas marcas destes vinhos, muitas de origem inglesa, e algumas das mesmas famílias que têm vindo a produzir e comercializar uma parte dos mais conhecidos vinhos do Porto.
Mas a nossa escolha teria de recair numa das marcas cujos símbolos nos vão sendo relembrados através dos painéis gigantes distribuídos ao longo das carreteras de todo o país - a garrafa de vinho com um chapelinho de abas e uma jaqueta vermelhos, das adegas Tio Pepe, e el toro negro da marca Osborne, que é já um dos principais símbolos espanhóis.
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E foi assim que entrámos em Jerez de La Frontera, começando por fazer a visita guiada à bodega de uma das marcas líderes de mercado, a Gonzalez Byass, mais conhecida por Tio Pepe, e localizada bem no coração da cidade, junto à Catedral e ao Alcazár.
A bodega foi fundada em 1835 por Manuel María Gonzalez Ángel, que atribuiu à sua principal marca o nome inspirado no seu tio, o Tio Pepe. Poucos anos após a sua fundação tornou-se na primeira adega espanhola, na exportação do vinho com o nome da cidade, o Jerez (em castelhano).
Esta designação, atribuída a todos os vinhos produzidos na região demarcada que se estende pelas terras de Jerez de La Frontera e de Puerto de Santa Maria, foi adaptada aos locais de exportação, com o nome de Sherry, em inglês, ou de Xerez, na língua portuguesa.
O Jerez faz parte das denominações de origem histórica, como o Vinho do Porto, o Cognac ou o Champagne, e o seu consumo tornou-se um hábito por todo o mundo, pelo que a exportação foi, desde muito cedo, o principal destino do vinho produzido na cidade. Para tal, e no sentido de melhorarem a componente comercial no processo de exportação, a maioria das marcas espanholas fizeram alianças com famílias britânicas, com experiência no comércio de vinhos. Foi assim que a família González Ángel se associa à família Byass, importantes comerciantes de vinhos de Inglaterra, mudando o nome da empresa para Gonzalez Byass.
Junto aos edifícios da bodega e bem ao lado da catedral da cidade, encontramos a estátua de Manuel Gonzalez Ángel, numa homenagem ao criador do Tio Pepe, um dos símbolos maiores de Jerez de la Frontera.
Na visita ao complexo da bodega, é feita uma explicação detalhada que nos permite perceber um pouco, não só da história da empresa Gonzalez Byass, mas também do processo de produção dos vários tipos de vinhos.
Sem querer introduzir demasiados pormenores enfadonhos, registo apenas duas informações que são fundamentais para se perceber de que forma estes vinhos se diferenciam dos demais.
Por um lado, temos as uvas que são utilizadas, que correspondem a três castas brancas, Palomino, Pedro Ximénez e Moscatel de Alejandria, sendo vinificadas, ou como vinhos de mesa ou como vinhos doces. Por outro lado, os vinhos são envelhecidos através do sistema chamado de “soleira”, em que os barris são empilhados de forma a que os vinhos mais antigos fiquem em baixo, no solo (daí o nome soleira), e os mais novos no topo. No processo de envelhecimento vão misturando os vinhos das várias camadas de barris, ou seja, os mais novos com os mais antigos e, numa dada altura, são então engarrafados. E eu, que sou má língua, fiquei a pensar que, assim, não têm anos maus nem anos bons, só uma tremenda mixórdia a que eu chamaria de vinho martelado. Mas como já é assim desde há séculos, o resultado não é um vinho a martelo, mas sim, um refinado Sherry.
Entre os vários pavilhões que compõem a adega formam-se algumas ruelas, que se encontram protegidas do sol abrasador que fustiga a Andaluzia, através de esteiras de videira, conferindo àquele local um aspeto muito peculiar e bem apropriado para um complexo de produção de vinhos.
Só aí descobrimos que existem basicamente três tipos de vinho Xerez. O normal vinho de mesa, o vinho adocicado e as bebidas destiladas, as mais famosas e mais exportadas. Como não tolero os destilados de qualquer espécie, provei os outros dois e constatei que os vinhos mais doces eram bastante interessantes, feitos com uva quase em passa, ou seja, uma espécie de “colheita tardia”, que vai muito bem como aperitivo. Já o vinho de mesa, com a casta Palomino a dominar, soube-me demasiado a aguardente, um vinho pouquíssimo trabalhado, onde se salienta o cheiro a álcool, e sem quaisquer vestígios de aromas frutados.
Assim, e em jeito de conclusão, a visita a esta bodega é algo realmente interessante e enriquecedor, mas os vinhos que aqui se produzem não estão, de todo, no lote das minhas bebidas favoritas, embora se saiba que o Xerez tem uma procura enorme por todo o mundo... mas isso também o whisky e o conhaque, e mesmo assim eu não suporto nenhum dos dois.
Em 2018 a visita guiada custou 15,5€ por adulto e metade por criança (até aos 15 anos, a quem substituem as provas de vinhos por sumo de uva). Para incluir as tapas são mais 3€ por adulto e 2€ por criança. Por mais 3€ pode ainda acrescentar-se mais duas copas... e penso que aí se poderão experimentar os tais destilados. As visitas saem diariamente às 12h, 13h e 14h e, depois da siesta, voltam às 17h e às 18h (menos aos domingos, que terminam com a visita das 14h).
Terminámos a nossa visita guiada com duas das atrações mais curiosas. A chamada Real Bodega de La Concha, uma espécie de picadeiro, cuja cúpula foi projetada na segunda metade do século XIX pelo famoso engenheiro francês, Gustav Eiffel. O espaço foi construído em homenagem à rainha espanhola Isabel II e tem vindo a ser um local de visitas periódicas dos vários Reis católicos de Espanha. Dentro da La Concha estão depositadas 214 pipas com as bandeiras dos 115 países para onde os vinhos Gonzalez Byass são exportados. Este é também o espaço onde se ligam duas das atrações da cidade, os vinhos, já se vê, e os cavalos que, naquele picadeiro, e em ocasiões especiais, fazem apresentações de cavalaria de alta escola, aquelas em que os cavalos se deslocam numa espécie de bailado surpreendente.
Mesmo a acabar a visita, detivemo-nos ainda no símbolo do Tio Pepe, que se ergue sobre a bodega num catavento que, segundo a informação transmitida, será o maior existente em todo o mundo, e que funciona ainda na perfeição, indicando a direção do vento e, simultaneamente, apontando para os vários lugares pelo mundo fora onde a marca Gonzalez Byass é consumida.
Saídos da bodega do Tio Pepe damos de cara com o maior monumento da cidade, a Catedral de Jerez de la Frontera ou Catedral de São Salvador.
O edifício atual foi construído no final do século XVII, sobre uma igreja existente que se encontrava em ruínas. Dessa antiga igreja terá apenas sido conservada a atual torre, que se admite tenha sido o minarete de uma antiga da mesquita. Apesar de ser o maior monumento de Jerez, a Catedral não é, de todo, um monumento grandioso, sobretudo quando comparada com outras catedrais espanholas ou mesmo só da Andaluzia.
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Ao chegarmos à porta da catedral constatámos que estava fechada e, de seguida, iríamos também perceber que o velho hábito da siesta ainda era cumprido escrupulosamente na cidade de Jerez... estava tudo cerradito. Todo o comércio tinha fechado e apenas se mostrava alguma animação em cafés e restaurantes, alguns deles com esplanadas de rua, onde se refugiavam os poucos turistas que visitavam a cidade.
Foi também o que fizemos, parámos para umas raciones e umas copas, e esperámos que a cidade acordasse. Mas era difícil, as siestas são prolongadas e a cidade só desperta mais para o final da tarde, talvez só depois das 6h, se não estiver muito calor. Assim, não dava para esperar e resolvemos fazer um pequeno percurso de reconhecimento por uma cidade quase fantasma seguindo os trilhos deste mapa:
Seguimos pelo jardim que divide a Catedral do Alcazár, o poder católico do antigo domínio árabe, e passámos pela Igreja de San Miguel e pelas ruas e praças mais importantes da cidade, onde surgem, timidamente, os poucos monumentos que vamos descobrindo.
Permanecemos depois algum tempo na Plaza del Arenal, que é, atualmente, o principal centro da cidade, e onde se situam alguns dos edifícios públicos locais. A zona central da praça é ornamentada por uma fonte onde se ergue a estátua equestre de Miguel Primo de Rivera, e o seu contorno, que é preenchido por árvores de sombra e palmeiras decorativas, vai sendo ocupado pelos grandes chapéus de sol que protegem as mesas e cadeiras de várias esplanadas.
Terminámos a curta volta pelo centro histórico de novo junto à catedral, desta vez espreitando os edifícios que constituem o complexo que forma o Alcazár da cidade - um conjunto de edifícios fortificados de origem almóada (movimento religioso e político muçulmano).
Ao contrário do que pode ser encontrado noutras cidades da Andaluzia, também estes edifícios do período de ocupação árabe, surgem aqui sem qualquer grandiosidade.
Esta falta de dimensão é uma característica dominante da cidade, onde nada é realmente grandioso nem particularmente belo.
Assim, diria que os principais atrativos para uma visita a Jerez de la Frontera serão mesmo as bodegas locais, onde podemos conhecer o mundo extraordinário da produção e comércio de vinhos, fundamental para a economia e para a vivência da cidade.
Além disso, recomenda-se a visita à cidade durante alguns dos principais eventos locais, como a Feria del Cavallo, sobretudo para os aficionados da arte equestre, ou o Grande Prémio de Motociclismo de Espanha, ao longo de um fim de semana louco, em que a cidade é invadida por motards e outros fãs desta modalidade.