quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Mostar (Bósnia e Herzegovina)


Mostar é a capital da Herzegovina, uma das duas regiões que formam a Bósnia e Herzegovina, um país muitas vezes conhecido apenas como Bósnia, e que foi suspenso durante o século XX com a criação da Jugoslávia, uma federação de países desta zona dos Balcãs, criada depois da Primeira Guerra Mundial, em 1918, com o desmantelamento do Império Austro-Húngaro, sob o nome de Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos. A partir de 1929, foi adotada a denominação de Reino da Jugoslávia, que era liderado por uma monarquia controlada pelos sérvios, em Belgrado.

A antiga Bósnia, que fazia parte do Império Austro-Húngaro, teve uma importância particular na história europeia do século XX, pois foi na sua capital, Sarajevo, que a ocorrência do assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria, veio a desencadear o início da Primeira Guerra Mundial.

Mas este país e esta cidade, estão marcados sobretudo por uma outra guerra mais recente, a Guerra da Bósnia, que aconteceu entre 1992 e 1995, durante o processo de fragmentação da antiga Jugoslávia, como consequência da intolerância causada por diferenças étnicas e religiosas que existiam historicamente na região.

Esse foi o maior conflito ocorrido em solo europeu depois da Segunda Guerra Mundial e foi responsável pela morte de mais de 200 mil pessoas, com muitos episódios de exterminação étnica e religiosa, visando sobretudo a população islâmica da Bósnia, fazendo recordar, de forma assustadora, a atuação do poder nazi cinco décadas antes, e deixando uma ferida aberta no coração de uma Europa em processo de unificação.

Mostar é atualmente uma cidade renovada, com as suas feridas aparentemente saradas, mas as gerações que viveram esta guerra terão naturalmente as mágoas bem vivas, de um conflito que matou milhares e obrigou quase dois milhões a deixar o país… e talvez seja este passado recente e ainda doloroso que nos traz até aqui, para apreciar a envolvente turística, mas, também, para refletir sobre uma história recente que estará certamente muito presente.
Mostar é uma pequena cidade marcada pelo rio Neretva, e as suas pontes, e pelo encanto das suas ruas, dispondo-se num emaranhado onde permanece o espírito das civilizações distintas que a habitaram, com vestígios das identidades religiosas que ali encontramos, nas suas igrejas católicas e ortodoxas, nas suas sinagogas e, sobretudo, nas suas mesquitas, cujos minaretes marcam a silhueta da cidade.
É uma das mais bonitas cidades da Bósnia-Herzegovina e chega a ser associada à imagem de uma Toscana dos Balcãs, devido ao clima mediterrânico, ao vinho e outros produtos frescos que ali se cultivam. Hoje em dia, é bastante procurada como destino turístico graças à sua diversidade cultural e à beleza natural que pode ser encontrada na envolvente, sendo habitualmente incluída em tours que são feitos a partir da Croácia. Mas, o seu principal atrativo turístico será a arquitetura da Cidade Velha e o seu símbolo maior, a Ponte Velha, ou Stari Most, ambos fazendo parte da lista de patrimónios da UNESCO.
A visita que fizemos a esta cidade foi integrada no passeio pela costa dos Balcãs, que percorremos no verão de 2023, no qual reservámos um dia completo para esta zona da Bósnia, saindo de manhã da Croácia, da cidade de Split, e regressando à noite diretamente até à cidade de Dubrovnik.

Chegando a Mostar deparámo-nos com uma pequena dificuldade, pois a moeda usada não é o Euro, mas sim o Marco bósnio-herzegovino. Como íamos passar apenas um dia não quisemos trocar dinheiro e isso não nos permitiu utilizar os parquímetros de estacionamento, que só usam a moeda local. Mas escolhemos depois um outro parque com cabine de pagamento e percebemos que em todo o lado iriam aceitar os nossos Euros.

A outra questão em que é preciso ter cuidado tem a ver com a utilização de dados móveis. O rooming não é gratuito e a Bósnia pertence à Zona 4, a mais cara de todas, onde se incluem os países da Ásia e da América Latina, por isso, há que ter cuidado e deixar os dados móveis desligados ainda do lado da Croácia, para evitar que vos chegue a casa conta elevada.

O nosso percurso seguiu aproximadamente os trilhos assinalados neste mapa, e foi um percurso pequeno, pois trata-se de uma pequena cidade. Percorremos a teia de ruelas que vamos encontrar nas duas margens do rio, sem a preocupação de qualquer ordem ou especial atenção a quaisquer atrações, à exceção da Ponte Velha, claro. De qualquer forma, tentei dar alguma organização à visita que fizemos à cidade, e é dessa forma que aqui a vou explicar.
 
 

As igrejas de Mostar

Mostar orgulha-se da sua mistura cultural e religiosa com católicos, islâmicos, ortodoxos e judeus a partilharem a vida na cidade, e exibindo os templos de cada uma destas religiões.

Fomos assim observando alguns destes templos, assinalados a verde no mapa anterior, que aqui vou referindo pela ordem em que os encontrámos ao longo do trajeto percorrido.

Ainda antes de estacionarmos, fizemos uma breve paragem junto a uma das principais igrejas católicas da cidade, a Catedral Católica de Mostar. Trata-se de uma das quatro catedrais católicas romanas em toda a Bósnia e Herzegovina. Foi construída em 1980, na altura da antiga Jugoslávia, seguindo uma arquitetura num estilo pós-moderno. O interior é decorado com vitrais e mosaicos que foram seriamente danificados durante a Guerra da Bósnia, mas, entretanto, já foi reconstruída na sua totalidade e exibe outra vez a sua imponente torre sineira, que possui seis grandes sinos, e constitui um marco neste local.
Um pouco depois escolhemos um estacionamento na zona Norte da cidade, e no acesso ao Rio Neretva, que atravessámos pela ponte Ponte Musala, passámos junto à primeira de várias mesquitas que iriamos encontrar neste dia, neste caso foi a Mesquita Lakišića. Trata-se de um edifício do século XVII que foi demolido e queimado várias vezes ao longo da sua história, mas a mesquita voltou sempre a renascer ainda mais bonita. Hoje é um edifício harmonioso com um belo pátio, com o habitual telhado quadrangular forrado a pedra e com um minarete esguio, típico das mesquitas locais.
Já do outro lado do rio, e depois de atravessarmos uma das ruas mais concorridas desta parte da cidade, encontrámos mais uma igreja islâmica, a Mesquita Karađoz Bey. A sua construção remonta ao período Otomano, com origem no século XVI, e o seu formato, idêntico a todas as mesquitas da cidade, representa nitidamente a traça das mesquitas turcas, salientando-se as cúpulas dos edifícios e o seu minarete alto e esguio. Mas, neste caso, a mesquita é mesmo uma das mais bonitas da cidade, e a que tem a maior cúpula e o minarete mais alto.

Ao longo da sua história esta mesquita foi também várias vezes danificada, desde logo na Segunda Guerra Mundial, mas sobretudo na guerra da Bósnia, como quase todo o centro desta cidade. Por isso, sofreu profundas obras de reconstrução e só foi reaberta ao público depois de renovada, em julho de 2004.
Nesta zona começámos a subir o vale da margem esquerda do rio, que forma uma colina íngreme no lado Leste da cidade e, só lá no alto, e após uma caminhada bem difícil, encontrámos a principal igreja ortodoxa sérvia da cidade, a Igreja Ortodoxa da Santíssima Trindade, que é também considerada como a Catedral da Santíssima Trindade.

Esta igreja foi construída em estilo bizantino entre 1863 e 1873 e está incluída na lista de monumentos nacionais da Bósnia e Herzegovina e, no século XIX, era uma das maiores igrejas ortodoxas nos Balcãs.

Como aconteceu com quase todos os monumentos religiosos da cidade, esta igreja foi completamente destruída pelas tropas croatas, no ano de 1992, logo no início da guerra da Bósnia. A sua reconstrução foi demorada e só ficou concluída no final de 2020, reproduzindo rigorosamente a arquitetura original, por isso encontramos hoje uma imensa e bonita catedral acabada de estrear, que acolhe toda a comunidade ortodoxa da cidade.
Descendo de novo a colina da margem esquerda, e ainda antes de chegarmos à cidade velha, que fica mais encostada ao rio, vamos encontrar a Mesquita Nesuh-Aga Vucjakovic.

É outra mesquita semelhante às demais, esta foi originalmente construída em 1564, e foi também reconstruída recentemente, depois da guerra.
Mesmo ao lado desta mesquita vamos encontrar um dos cemitérios de guerra que surgiram por toda a cidade durante o conflito, e que começaram por ser quase valas comuns, utilizando pequenos descampados ou locais onde os edifícios foram destruídos. Mais tarde, estes espaços foram recuperados com a criação de lápides em memória àqueles que ali terão sido sepultados.

Atualmente a cidade está cheia destes pequenos cemitérios, claramente improvisados durante as batalhas e, apesar de se assemelharem a cemitérios comuns, na verdade, sabemos o que está na origem da sua existência, e isso é algo que nos perturba em cada novo conjunto de campas que vamos encontrando por todo o lado.
Já em plena cidade velha, vamos encontrar outras duas mesquitas, estas com um impacto significativo na silhueta da cidade quando a observamos ao longo do vale onde corre o rio Neretva, e são também as que têm maior destaque como pontos de interesse turístico.

A Mesquita Sinan Pašina é a mais antiga da cidade, sendo a sua origem do ano de 1473, igualmente durante o período do poder Otomano. Ao longo dos primeiros cinco séculos da sua existência, esta mesquita foi destruída e reconstruída várias vezes, até ter sido demolida pela última vez em 1949. Desde então passaram seis décadas sem a sua existência, sendo, por isso, o único templo islâmico da cidade que não foi destruído durante a guerra da Bósnia, pois, naquela época, a sua reconstrução ainda não tinha sido iniciada.

Só em 2009, exatamente 60 anos depois da sua anterior demolição, na sequência da realização de escavações arqueológicas, foram encontrados os seus alicerces e foi feito um novo projeto de renovação. Depois disso, as obras de construção começaram e a sua conclusão verificou-se apenas em 2018. Desde então que o esbelto minarete enquadrado pelo verde viçoso da vegetação, que cobre as margens do rio, atrai a atenção e a admiração de quem a observa à distância.
A Mesquita Koski Mehmed Pasha é a mais visitada de Mostar, pela sua arquitetura, pela decoração interior e por ter um minarete a que podemos subir e usufruir da bonita vista sobre a Ponte Velha.

Esta mesquita foi construída na época dos otomanos em 1617 e está localizada mesmo no coração da cidade velha. Durante a guerra ficou sem o seu minarete e sem o pátio, mas conseguiu manter as paredes e as suas decorações originais.

Depois da sua reconstrução a mesquita transformou-se mais numa atração turística e menos num templo islâmico. Desta forma, os turistas não muçulmanos podem conhecer como funcionam os rituais religiosos islâmicos e como é constituído o interior de uma mesquita.

Mas o mais relevante desta mesquita é a vista sobre a cidade velha, que pode ser observada a partir do alto do seu minarete, e também a sua própria imagem, quando observada a partir da Ponte Velha.

Já na margem direita do rio, o lado predominantemente católico de Mostar, ergue-se a Igreja Franciscana de São Pedro e São Paulo, com um mosteiro Franciscano e o Campanário da Paz.

A construção do edifício original desta igreja aconteceu após o enfraquecimento do poder do Império Otomano. O edifício começou por ser um complexo residencial franciscano até se tornar na sede do bispado de Mostar, e na igreja franciscana de St. Pedro e St. Paulo, no ano de 1866.

Como quase todas as igrejas da cidade, também esta foi destruída em 1992, na sequência dos bombardeamentos dos sérvios e montenegrinos, mais focados nos templos católicos, enquanto os ataques dos Croatas Bósnios visavam sobretudo a parte islâmica da cidade. 

Depois da guerra, a igreja foi reconstruída com uma torre sineira que é a mais alta da Bósnia e Herzegovina, com os seus 107 metros.
Esta torre pode ser vistada e podemos chegar ao topo através de um elevador que permite a melhor vista 360º sobre a cidade velha. Mas, além disso, a torre pode também ser avistada de qualquer parte da cidade, funcionando como uma marca, sempre presente, da igreja católica local.
Ainda na margem direita do rio ergue-se a imensa colina Hum, no topo da qual foi construída uma cruz enorme, a chamada Cruz do Milénio. Trata-se de uma cruz com 33 metros de altura e foi construída em 2002 para marcar o fim da guerra da Bósnia e representar os dois mil anos do cristianismo, funcionando como mais um templo católico na cidade.

Este símbolo tem sido usado pelos católicos como lugar de peregrinação e, ao subirem ao topo da montanha, para além das motivações da sua própria fé, vão também poder refletir sobre os efeitos da guerra que ali aconteceu na década anterior à da construção desta cruz.

No topo da montanha é possível vislumbrar a paisagem de toda a envolvente da cidade, que foi anteriormente o imenso campo de batalha de Mostar, e os guias que acompanham os visitantes conseguem reconstruir os posicionamentos das tropas envolvidas nas batalhas mais violentas, observando as imagens da cidade lá em baixo, como se fosse um verdadeiro mapa de guerra.


Vestígios de guerra

Apesar de grande parte de Mostar ter sido reconstruída depois da Guerra da Bósnia, ainda encontramos vários sinais bem visíveis da destruição a que a cidade foi submetida durante aquele conflito.

O registo mais perturbador, como já referi, são os múltiplos cemitérios que surgem ao longo da cidade, e que foram espaços claramente improvisados para enterrar os mortos que iam tombando com os bombardeamentos das forças agressoras.
Como é possível que esta cidade tenha sido tão massacrada, quando não declarou guerra a ninguém, foi apenas vítima de um conflito cruzado de lutas étnicas e religiosas, numa disputa de terras, na divisão de um país que findava… e foram os croatas-bósnios, os bósnios-sérvios, e mais os sérvios e os montenegrinos… todos perturbando uma coexistência pacífica que ali acontecia há muitos séculos, entre católicos, muçulmanos, judeus e ortodoxos, e de todas as etnias balcânicas que ali conviviam em paz. Uma existência que jamais voltará a ser a mesma, ferida de morte pelos muitos milhares que resolveram fugir, e pelos quase 200 mil que, tendo ficado, acabariam por morrer.

A reconstrução deste país, e desta cidade, faz-se aos poucos e dolorosamente. Até os próprios edifícios, alguns deles teimam em mostrar os horrores da guerra, quase 30 anos depois.

E há até aqueles que foram transformados em obras de arte que integram despojos de guerra, como esta villa destruída, onde foram criadas teias de supostas aranhas gigantes.
Ao atravessarmos o rio pela ponte Musala encontrámos as ruínas do Hotel Neretva, um antigo palácio dos tempos do império austro-húngaro, que mais tarde pertenceu ao Marechal Tito, o grande estadista da Jugoslávia, onde funcionava um antigo hotel de luxo.

O palácio e hotel de luxo que ali existia, foi bombardeado durante a guerra, e assim ficou, em ruínas, durante quase trinta anos, até terem começado recentemente as obras de recuperação, que vão devolver a este edifício uma parte do luxo que em tempos exibiu.


A Cidade Velha e o Bazar Turco

O centro histórico, nas duas margens do rio, é o coração desta cidade, sempre preenchido pelos muitos turistas que ali encontramos, percorrendo as ruas empedradas e visitando as pequenas lojas do chamado Bazar Turco, ou Kujundžiluk.

O Kujundžiluk reproduz os hábitos e tradições dos tempos do Império Otomano, que se mantêm ainda hoje nesta região, através da sua população islâmica. Esta influência turca que encontramos na arquitetura do Bazar, com pequenas lojas que vendem quase tudo, reflete bem uma história de 500 anos da presença otomana, embora se tenha transformado num imenso spot turístico, onde até se aceitam os Euros, sendo cada vez menos dedicado à população local. 

Mas a arquitetura e decoração deste lugar, parece ainda refletir o seu aspeto original de há séculos atrás, quando era ali que a população de Mostar fazia as suas compras diárias, e é ainda percetível toda a profusão de cores e aromas, que estará por detrás de uma diversidade cultural e religiosa dos habitantes desta terra.

Encontrámos por ali uma oferta rica de produtos regionais, peças de artesanato local e souvenires, mais para turistas, mas também encontrámos cafés e restaurantes, alguns deles permitindo observar as vistas sobre o rio, e onde se pode provar a gastronomia bósnia, que se diz ser a mais saborosa dos Balcãs.

Mas se quisermos desfrutar plenamente desta zona do Bazar Turco, deveremos mesmo entrar num dos restaurantes para um almoço de comida regional Bósnia, e onde vamos poder apreciar as paisagens mais bonitas sobre o rio Neretva e da própria Ponte Velha.

Foi isso que fizemos, escolhemos o restaurante URBAN Taste of Orient, já referenciado como um dos melhores deste local, onde fomos provar alguns dos pratos regionais, mas, o mais tentador, foi mesmo a possibilidade de fazer esta refeição com uma paisagem inigualável do vale e da bonita ponte de Mostar.

A comida nestes restaurantes de Mostar é muito semelhante à comida turca, e os restaurantes, pertencendo a famílias islâmicas, não vendem quaisquer bebidas alcoólicas. Mas os pratos são muito saborosos, sempre bastante condimentados, mesmo não sendo particularmente picantes… e são bastante baratos, há que dizê-lo.

Os pratos a escolher são o Burek (uma espécie de empada em massa folhada), ou as grelhadas mistas, que incluem outra especialidade, a Cevapi, uma salsicha dos Balcãs… e há também alguns guisados que nos fazem lembrar a comida indiana.


Ponte Velha de Mostar - Stari Most

Avançando um pouco mais podemos atravessar a Ponte Velha as vezes que nos apetecer, a Stari Most, tida como o símbolo de esperança de uma cidade que chegou a estar dividida e com relações conturbadas.

A ponte foi construída pelos otomanos sob a encomenda do sultão Süleyman I, no século XVI, cruzando o vale do rio Neretva e ligando as duas margens da cidade velha, e durou 427 anos até ser destruída em 9 de novembro de 1993 pelas forças croatas na guerra entre a Croácia e a Bósnia.

Cerca de dez anos depois, e após vários anos para reconstruir o que foi destruído em apenas três dias, a ponte foi reinaugurada em 23 de julho de 2004… bonita como sempre foi.
Se a quisermos contemplar do lado oposto, podemos continuar pela margem esquerda até à ponte seguinte, a Ponte Lučki, onde nos é oferecida esta imagem magnífica.
A Ponte Velha, ou Stari Most, liga as duas margens do rio Neretva no ponto mais estreito do desfiladeiro, em torno do qual se desenvolveu a cidade de Mostar. Substituiu a anterior ponte medieval de madeira em meados do século XVI, quando o povoado tinha crescido significativamente, fazendo de Mostar a principal ligação regional entre o Mar Adriático e o interior.

A sua localização estratégica levou a que o sultão otomano Süleyman I, o Magnífico, durante o século XVI, encomendasse a construção de uma travessia mais robusta e permanente.

A ponte tem vinte e nove metros de extensão e uma estrada de quatro metros de largura. A abóbada que sustenta a estrada tem setenta e sete centímetros de espessura. Toda a estrutura foi construída em pedra tenelija local, um calcário claro conhecido pela sua resistência física e química. As pedras foram travadas entre si com grampos de ferro e depois unidas com chumbo derretido.
A ponte foi posteriormente fortificada com duas torres, uma em cada extremidade, que serviam para albergar os guardas da ponte, os Mostari. A torre da margem Leste é conhecida como Torre Tara, e a do lado Oeste, como Torre Halebinovka.

O tabuleiro da ponte, com duas rampas, uma ascendente e outra descendente, tem um conjunto de traves no pavimento que nos ajudam a não escorregar. Sobre o topo do arco, podemos parar e apreciar as paisagens a partir deste local de observação, de ambos os lados da ponte.



Em 9 de novembro de 1993, durante a guerra interétnica da Bósnia (1992-1995), os croatas bósnios destruíram propositadamente a Ponte Velha de Mostar, um símbolo do multiculturalismo da região, que ao ligar as duas margens deste rio, aproximava as diferenças dos povos que ali habitavam.
A comunidade internacional respondeu imediatamente à sua destruição e reuniu-se numa parceria global, contribuindo para a sua reconstrução e a “nova" Ponte Velha foi inaugurada em 23 de julho de 2004… mas a recordação do que ali se passou nunca será apagada, e encontramos mesmo uma inscrição numa pedra colocada num dos lados da ponte, relembrando esta guerra terrível.
A cidade vai revelando vários miradouros, proporcionando diferentes imagens sobre a Ponte Velha, quer seja das encostas das margens do rio quer seja da praia que ali se encontra junto ao curso de água, onde não pudemos deixar de fazer uma paragem, até para nos refrescarmos nas águas frias do rio.


A altura do vão da ponte atinge os 24 metros, dependendo do nível das águas do rio, claro. Esta característica, juntamente com a profundidade das águas no centro do rio, faz com que esta ponte seja utilizada por alguns loucos que resolvem mergulhar a partir do seu tabuleiro. Aliás, esta é mesmo uma tradição desde a antiguidade, que servia como provação dos jovens, na sua iniciação enquanto adultos.

Mas, atualmente, já não são só loucos ou os jovens que se querem tornar homens, que fazem estes saltos, são também os profissionais de saltos para a água, uma vez que este spot passou a fazer parte do circuito mundial Red Bull Cliff Diving… são à mesma loucos, mas agora são loucos profissionais.

E este evento coincidiu com a nossa visita a Mostar, o que fez com que encontrássemos uma cidade particularmente animada.


Red Bull Cliff Diving

O circuito mundial de saltos para a água em locais icónicos da Red Bull passa pela cidade de Mostar, como acontece em muitos outros locais, um deles até em Portugal, no Ilhéu de Vila Franca do Campo, em São Miguel, nos Açores.

A altura do ponto mais alto do tabuleiro da ponte até ao rio é de 24 m, o que permite o salto direto na prova de mulheres, sendo que os homens sobem a uma plataforma que os eleva aos 27 m.

A animação da cidade estava fantástica, num ambiente frenético, cheio mergulhadores, staff e adeptos da modalidade. Começámos a assistir aos primeiros saltos de treino, sem quase nos apercebermos, quando ainda estávamos no restaurante, onde apenas conseguíamos acompanhar os saltos do lado oposto da ponte.
Depois do almoço posicionámo-nos sobre o tabuleiro da ponte, onde conseguimos estar a uma proximidade incrível dos saltadores... neste caso saltadoras, pois decorria uma prova feminina.

   
Lá em baixo o staff esperava pelas mergulhadoras, que têm sempre de fazer a entrada na água de pés, para evitar males maiores.


... e vai mais um mergulho:
  
Um pouco depois, descemos até junto do rio e apreciámos as paisagens dali de baixo, quer da própria ponte quer de toda a dinâmica instalada pela Red Bull.

E foi da zona da praia que observámos os últimos saltos de uma perspetiva diferente, e tivemos ainda a oportunidade de assistir a uma coreografia de um salto em grupo.


Fantástico...


A cidade velha da margem direita

Ao atravessarmos a Ponte para a margem direita continuamos ainda no coração da Cidade Velha, e na extensão do Bazar Turco, e vamos também encontrar alguns pontos interessantes, com mais algumas mesquitas.


Nesta zona existe uma outra ponte, a chamada Ponte Torta, ou Kriva Cuprija, que é feita em pedra e forma um arco que atravessa o ribeiro Radobolja, igualmente antiga e criada à imagem da Stari Most… e que foi a única das pontes de Mostar que quase não sofreu danos com a guerra, talvez por ser muito pequena, com pouco mais de oito metros de vão.
Depois da visita à cidade, aqui descrita, deixámo-nos ainda ficar por lá mais umas horas, sempre apreciando aquela vivência animada, numa mistura tão diversificada de pessoas, com os próprios habitantes, que continuam a representar as diferenças culturais que são a marca desta cidade, mas também incluindo os muitos turistas e até os seguidores e o próprio staff do torneio de saltos para a água, que trazem uma diversidade ainda mais pronunciada.

E durante esta tarde em que vagueámos, sem destino, pelas mesmas ruas da cidade velha, não deixámos de continuar a apreciar, vezes sem conta, as belíssimas imagens que nos eram oferecidas da magnífica Ponte Velha de Mostar.

Mas ao abandonarmos esta cidade, e este país, o que ficou para trás não foi apenas a memória de um lugar turístico, bonito e animado. Ficaram também outras memórias, de momentos passados e ocultados, trazendo uma consciência renovada da tremenda tragédia humana e patrimonial que ali foi vivida há tão pouco tempo… e que todos nós, nas rotinas de uma vida egoísta e comodista, já tínhamos esquecido, quase branqueando as atrocidades que ali aconteceram. E como os próprios bósnios suplicam na mensagem deixada sobre a Ponte Velha, há que repetir… DON’T FORGET ’93.


Carlos Prestes
Setembro de 2023