sexta-feira, 3 de julho de 2015

Gante


Saindo de Bruges a caminho de Bruxelas, encontramos Gent a escassos 40 km. A cidade de Gent, que é também chamada pelo nome de Gante, é mais uma belíssima cidade da parte flamenga da Bélgica e foi uma extraordinária surpresa... não contávamos com algo tão bonito.

Gante ergue-se como um lugar sedutor, com as suas três torres que dominam o horizonte, firmes testemunhas de séculos de história, enquanto os canais refletem fachadas que parecem pinturas vivas. Caminhar pela cidade é entrar num cenário que respira harmonia e convive com a vitalidade das ruas, dos tantos jovens universitários que lhe dão ritmo, sem lhe retirar delicadeza e requinte.
Ao contrário de Bruges não tínhamos quaisquer expectativas relativamente a esta visita, o que talvez tenha sido decisivo para que, no final do dia, tivéssemos ficado surpreendentemente maravilhados. 

A cidade é fantástica, com catedrais e igrejas monumentais, e até um castelo, todas muito próximas umas das outras, num centro histórico banhado por um canal que faz com que esta cidade seja muito peculiar, diferente de qualquer outra cidade, na Bélgica como na Europa. 

E essa é uma característica bastante relevante. Na verdade, há uma tendência para que as cidades, em determinadas zonas e, neste caso, no centro da Europa, sejam muito semelhantes. Os centros históricos quase não se distinguem entre si, a menos de pequenos detalhes que resultam, por vezes, de algum monumento que se diferencie do comum. Existem depois as cidades mais do Norte, como as holandesas, que são atravessadas por canais e apresentam, também elas, semelhanças entre si. É esse o caso da cidade de Bruges que podia ser uma cidade holandesa. Mas Gent é diferente de todas essas cidades, tem uma personalidade própria e isso constitui, desde logo, um grande atrativo para os visitantes. 

Gent é a capital da província de Flandres Oriental e chegou a ser uma das cidades mais ricas e prósperas do Norte da Europa. Hoje é a terceira maior cidade da Bélgica e tem pouco mais de 200 mil habitantes. Não é uma cidade muito grande, mas o seu esplendor arquitetónico mantém-se bem preservado. Além disso, é um lugar bastante animado por ser uma das cidades universitárias belgas, é muito frequentada por jovens, é alegre e movimentada, servindo de palco a festivais de música e cinema.

O centro histórico não é muito grande e pode-se perfeitamente caminhar passando pelos principais pontos de interesse. Foi isso que fizemos, caminhámos pelas principais ruas e praças, deambulando por entre monumentos e casas que parecem ter saído de contos de fadas. O percurso passa obrigatoriamente por alguns dos principais monumentos, seguindo os trilhos marcados neste mapa:
Começámos junto ao canal e à rua pedonal, ambos com o mesmo nome de Kraanlei, em direção à praça Vrijdagmarkt. A praça fica em torno da estátua de Jacob van Artevelde, um antigo líder da cidade. A maior parte dos edifícios remontam ao século XVIII, mas já desde o século XII que a praça serve de palco a um mercado semanal. 


Logo à saída da Vrijdagmarkt surge a imponente igreja de Sint-Jacobskerk (Igreja de São Tiago), com as suas torres assimétricas e raízes que remontam ao século XII, é ainda hoje um refúgio de história e tranquilidade na cidade de Gante. 

Por ser uma uma igreja de São Tiago, está ligada à Peregrinação a Santiago de Compostela, e é um importante polo numa das rotas de peregrinos rumo a Santiago, o que fez dela um local de acolhimento aos viajantes que ali passaram durante séculos.
Seguimos depois atravessando uma das principais ruas de comércio, a Hoogpoort, em direção à Pensmarkt e à praça seguinte, a Korenmarkt. Cheia de esplanadas e com centenas pessoas na rua... é aqui que o centro desta cidade palpita.

Do outro lado da praça fica o Post Plaza, a antiga sede dos correios, um imponente edifício em estilo neogótico, atualmente em obras para se tornar num shopping grandioso.
Chegados à rua Sint-Michielspleis é possível observar o alinhamento das três principais torres da cidade de Gent, razão pela qual lhe é dado o nome da "cidade das três torres".
A primeira das três torres é a da Igreja de St. Nicholas (Sint Niklaaskerk), construída no século XIII em estilo gótico, dedicada ao padroeiro dos mercadores. 
A torre seguinte é a do campanário (Belford) de Gent, que teve a sua origem do século XIV. O campanário foi construído para servir como torre de vigia, alarme e relógio e é um ponto de referência na cidade com os seus 90 m de altura. 
No final da rua surge a praça de St. Bavo, em torno da qual terá nascido a cidade e é por isso considerada como o coração de Gent. É aí que fica a terceira torre, na Catedral de St. Bavo (Sint Baafskathedraal), em estilo gótico, feita ao longo de vários séculos, entre o Séc. X e o Séc. XVI. 
Regressando no sentido oposto desde a Catedral de St. Bavo até ao canal que atravessa o centro histórico, chega-se à ponte de St. Michael. 

Esta é uma das zonas mais encantadoras da cidade, parece um porto medieval com uma paisagem lindíssima, com a imagem das casas junto às águas calmas do canal, que já serviu como principal ponto de comércio para os mercadores europeus. 


Foi nesta zona que nos demorámos mais tempo, e foi junto a essas margens do canal que escolhemos uma das muitas chocolatarias, a Chocolaterie Cédric Van Hoorebeke, onde comprámos algumas obras de arte da chocolataria belga. 

Os belgas orgulham-se de produzir alguns dos melhores chocolates do mundo. Normalmente são pequenos bombons com recheios delicados e coberturas do mais fino chocolate. As lojas de chocolate são também, elas próprias, dignas de uma visita, pelo modo como expõem os bombons em vitrinas de forma quase preciosa, como se fossem joias e estivéssemos numa ourivesaria. 

Selecionámos alguns exemplares, entre pralinés, gianduias, ganaches e outras pérolas. Escolhemos depois a esplanada de uma cervejaria, ainda junto ao canal, onde se podiam experimentar algumas das cervejas produzidas na Bélgica e onde acompanhámos os bombons comprados anteriormente com cerveja artesanal.

Talvez não seja um hábito gastronómico belga mas está mesmo a pedir que se juntem estas duas especialidades locais, acompanhando chocolates com cerveja... para mim faz todo o sentido e mesmo é delicioso.
   
Continuando ao longo do canal chegámos ao castelo de Gravensteen, uma fortaleza medieval que, inesperadamente, surge em pleno centro histórico da cidade.

O Castelo ergue-se com um testemunho silencioso da Idade Média, com muralhas imponentes, torres de vigia e fossos que recordam antigas batalhas, e transporta-nos para épocas em que a bravura dos cavaleiros era poder. 

No interior encontram-se armas, armaduras e até instrumentos de tortura, que revelam traços de uma vida de outrora, enquanto a imagem das suas muralhas sobre os canais, nos faz lembrar que, mesmo hoje, Gante continua ainda a manter a mesma aura misteriosa de séculos de história.
 
Numa época de dias grandes, sobretudo nesta zona Norte da Europa, em que o sol se põe para lá das 10 da noite, permite-nos esticar os dias até nos levar quase à exaustão. Neste dia não foi diferente e partimos para Bruxelas onde iríamos ficar duas noites e passar ainda o final deste dia. A viagem era de apenas 50 km de autoestrada mas que se revelaram difíceis de percorrer. 

Faço agora uma referência à rede de estradas que encontramos ao longo deste país, que é um ponto importante para quem viaja de carro. Foi na Bélgica que foram criadas as autoestradas tal como as conhecemos, com os sentidos do tráfego separados. Inclusive, na Bélgica, todas as autoestradas são totalmente iluminadas, e não apenas nos nós de ligação, como acontece em Portugal e na maioria dos outros países (o que não fez diferença nenhuma, porque só fazia noite quase às 23 h). Mas, o melhor é que não se paga qualquer portagem ao longo das muitas centenas de quilómetros de autoestradas belgas.

Porém - como não há bela sem senão - é que não havendo concessionárias de autoestradas, não há também obrigação em garantir que o tráfego se mantenha com o mínimo de perturbações, o que faz com que as obras de reparação decorram durante as horas do dia e mesmo nas horas de ponta, impondo estrangulamentos por cada local de interrupção... e que são muitos. Ora, o resultado é que estamos sempre sujeitos a filas enormes, como foi o caso deste percurso entre Gent e Bruxelas, em que demorámos 1h30m para percorrer apenas 50 km. E uns dias depois, já a caminho de Luxemburgo, voltaríamos a passar pelo mesmo martírio.


Saímos então de Gante, onde aprendi que uma cidade pode ser, ao mesmo tempo, guardiã de séculos e palco de um espírito de juventude muito presente. As suas três torres erguem-se alinhadas e orgulhosas, lembrando-nos da grandeza do passado, enquanto os belíssimos edifícios junto ao canal criam um cenário que parece pintado para ser contemplado sem pressa. E há também os prazeres mais simples, mas não menos marcantes: saborear um bom chocolate belga, autênticas peças de arte, acompanhado uma das cervejas artesanais, outra especialidade local, cuja combinação adquire um paladar especial, que só aqui consegui descobrir. 

Esta cidade valeu muito, não só por aquilo que oferece, mas também por ser uma belíssima surpresa, para quem, como eu, não tinha quaisquer expetativas... fiquei realmente rendido a tanta beleza.