sábado, 22 de setembro de 2018

Berlengas - Da deceção à surpresa


Há já vários anos que queria visitar o arquipélago das Berlengas ou, pelo menos, a sua ilha principal, a Berlenga, mas, só agora, em setembro de 2018, tomei a iniciativa de procurar um operador local e reservar uma viagem até à ilha. 

Durante a época alta existe um barco grande, com lotação para quase 200 pessoas, o Cabo Avelar Pessoa, que faz a travessia duas vezes por dia, onde se prevê uma viagem mais protegida das ondas. Mas, em alternativa, existem outros operadores turísticos, sediados em Peniche, que oferecem viagens até à ilha em barcos mais pequenos e um pouco mais rápidos, mesmo fora da época alta. 

Os sites desses operadores não podiam ser mais apelativos com as suas fotos promocionais, oferecem um dia fantástico por locais paradisíacos... disso não parece haver dúvida.
    
As paisagens anunciadas são de tal forma extraordinárias, que me cheguei a questionar como é que foi possível ter demorado tanto tempo para vir conhecer estas preciosidades... e lá fiz a nossa reserva com enorme entusiasmo - (reservámos através do 917 300 300 - reservas@berlengatur.com).

Na escolha do dia para visitar a Berlenga é necessário ter em atenção as condições do mar e do clima. Em relação ao mar, as operadoras destas viagens dão-nos uma informação razoável, antecipando se iremos ter uma travessia tranquila, ou se vamos ser fustigados pelas vagas. Quanto ao clima vamo-nos orientando pelos sites da especialidade, como o do IPMA ou do AccuWeather, com a convicção de que teremos selecionado um belo dia de sol. 

E foi assim que, no dia escolhido, saímos de casa cheios de expectativas, atravessando Lisboa com um céu totalmente limpo e uma previsão de máximas de 35º.

Mas, pouco depois de Torres Vedras, fomos surpreendidos por uma leve neblina que se começou a adensar à medida que nos aproximávamos de Peniche. À chegada já estávamos sob um enorme e denso “capacete” de nuvens e uma cacimba que nos molhava as t-shirts e nos fez vestir os ligeiros abafos que tínhamos trazido para uma eventualidade. 

Nos quiosques das empresas operadoras, onde fomos levantar os bilhetes, a boa disposição das funcionárias não condizia com o cinzento do céu nem com a neura que se começava a instalar. E foi então que ouvimos uma das frases mais useiras na região de Peniche, e que até pode dar alguma esperança aos mais otimistas – “Isto hoje ainda abre”. E, pior ainda, porque nos deixa invejosos – “Ontem também estava assim e ficou um dia espetacular”. E há mesmo quem nos tente consolar, dizendo – “É bem melhor este fresquinho do que aquele calor todo lá para Lisboa”. 

Mas não tivemos outro remédio do que seguir em frente, e feitas as démarches de embarque, cheios de esperança de que ainda "pudesse abrir", fizemo-nos ao mar na direção de uma ilha que, naquele dia, nem imaginávamos onde é que pudesse estar no meio daquela neblina toda. Felizmente estava “mar chão” e, ao final de 45 min, que é o que dura a viagem de cerca de 11 km, a levar abanões e já com o estômago todo embrulhado, ficámos felizes a imaginar como é que seria se o mar não estivesse “chão”. 

E lá chegámos à ilha, a tal das imagens paradisíacas... constatando que “ainda não abriu”, deixando-nos completamente dececionados com o que ali nos surgia.
Esta é uma imagem que aqui quero deixar porque ninguém vende viagens às Berlengas com fotos como esta, mas, na realidade, este é o cenário mais expectável. Porque Peniche é mesmo assim (e eu até conheço bem a cidade e vou lá muitas vezes, por isso nem sei como é que me fui iludir com previsões ou esperanças de que iria abrir). Peniche é o único local onde faz 20º, enquanto todo o país é assolado por ondas de calor que superam os 40... o que é ótimo, mas nessas alturas, não quando queremos ir até às Berlengas para um dia de veraneio. 

Por isso, quem quiser fazer esta viagem não se iluda com as condições climatéricas previstas e muito menos com o facto de estar um dia de sol em todo o país. Peniche é único, é a terra da cacimba, onde se usam blusões de penas em pleno agosto. Quem conhece sabe que estou a dizer a verdade e, quem não conhece, não pense que estou a exagerar, porque não estou. Por isso vai ser muito difícil - é possível, mas é raro - conseguirmos ver as imagens de que estamos à espera, com aquele mar de um azul quase incandescente. 

Mas nem tudo foram más notícias no dia da nossa visita, porque as Berlengas sofrem ainda de um outro flagelo, mas que não nos afetou. É que, na época alta, o Cabo Avelar descarrega quase 400 pessoas nas duas travessias matinais, a juntar ainda a mais umas 100 a 200 que são transportadas pelos barcos das outras operadoras, pelos circuitos de mergulho ou de pesca desportiva e mesmo pelos barcos particulares. Tudo junto, o que acontece sobretudo no período entre as 13 e as 16 horas, concentra qualquer coisa como 500 a 600 pessoas. Como vão perceber, o local é bastante pequeno e, com 500 pessoas, deve ficar insuportável, e só como exemplo mostro-vos uma foto da única praia da ilha com um pequeno areal, para tentarem imaginá-la com umas - vamos dizer - 200 pessoas (imaginando os outros 300 a passear pela ilha). 
Imaginam como é que ficaria?... pois é, certamente uma tremenda confusão. Por isso referi que nem tudo foram más notícias na nossa viagem às Berlengas, naquele dia 22 de setembro, porque a partir de dia 15 já tinham acabado as viagens do Cabo Avelar e a ilha já estava com pouquíssima gente. Assim, depois da deceção inicial, começámos a ser surpreendidos positivamente. Reparem que, não só a praia e a própria ilha estavam semi-desertas, como foi uma grande surpresa quando constatámos que as águas eram bem azuis, apesar daquele céu coberto de nuvens. Não sei bem o que é que acontece, mas o azul deve ser tão vivo que, mesmo em dias cinzentos, a cor acaba por sobressair. 


Assim, e depois de explicados os prós e os contras de qualquer viagem às Berlengas, vou agora entrar nalguns pormenores da nossa visita à ilha no dia 22 de setembro de 2018. 

O arquipélago das Berlengas, fica a cerca de 10 km a Oeste do Cabo Carvoeiro, em Peniche, e é constituído pela ilha da Berlenga, as Estelas e os Farilhões-Forcados, e está classificado como Reserva Natural desde 1981. 

Dentro da ilha da Berlenga, existem sobretudo dois polos principais: o cais de embarque, onde aportam todas embarcações que vêm de Peniche; e o Forte de São João Baptista - ambos localizados como se representa neste mapa da ilha: 
À chegada, os barcos deixam-nos no cais de embarque, junto à enseada onde se forma a praia principal, que pode ser apelativa para fazermos logo a primeira paragem mais demorada. 

Mas, na minha opinião, não nos devemos deixar ficar por ali muito tempo. Devemos partir logo à descoberta da ilha, percorrendo o caminho que nos leva até ao Forte, porque, à tarde, voltaremos a estar outra vez nesta mesma zona. É que a nossa presença na ilha era de cinco horas, nem é muito nem é pouco, mas se estiver agradável para uns mergulhos na praia, o tempo tem de ser otimizado. 

A saída do cais, já a pé, faz-se através de uma rampa muito íngreme que nos leva até ao topo da ilha, onde fica o Farol da Berlenga, que deveria assinalar a presença do arquipélago de forma imponente, orientando os navegantes, mas que, neste dia, estava completamente ofuscado pela neblina, mal se deixando ver. 
Esta volta pela Berlenga, primeiro por um caminho pavimentado e, depois, por trilhos de terra e de pedra, leva-nos até à zona mais a Sul da ilha e, depois, até ao Forte, num percurso que demorará menos de uma hora, num passo normal e sem grandes pressas. No final terminamos com uma descida de 220 degraus, sempre com a vista ampla sobre a baía onde, numa pequena ilha, se ergue o Forte de São João Baptista. Esta será uma das vistas mais bonitas da ilha, mas, claro, só mesmo quando o sol brilha. 

A imagem desta descida costuma ser o ex-libris das Berlengas, com o caminho de acesso ao Forte, que é feito por uma ponte de arcos, rodeada por águas de um azul vivo... mas, neste dia, a paisagem era bem diferente e bastante dececionante. 
Ainda assim, e mesmo antes de visitarmos o Forte, quisemos experimentar a água e dar uns mergulhos, porque alguns dos locais desta zona são bastante bonitos e muito apelativos, apesar dos 16º dentro de água e dos 18 cá fora. 
Chegámos depois ao Forte, subimos ao terraço e contemplámos a vista envolvente. Uma vez mais seria uma paisagem de sonho num dia com sol. 
O primeiro edifício existente naquele local, ainda no século XVI, foi um Mosteiro da Ordem de São Jerónimo, que oferecia assistência aos marinheiros que ali passavam e aos náufragos. Durante um século da sua existência o mosteiro foi atacado repetidamente por piratas, o que levou ao seu abandono e à degradação do edifício.

Já no século XVII, o rei D. João IV mandou construir o Forte de São João Baptista, no local onde existiam as ruínas do mosteiro, utilizando as pedras recuperadas da demolição dessa ruína. O novo edifício passou então a ser uma fortificação para a defesa daquele local, dada a sua posição estratégica. 

No século XIX o Forte deixa de ser uma instalação militar, e passa a servir de apoio à atividade dos pescadores da região. 

Por fim, e até à atualidade, o Forte passou a funcionar como casa-abrigo da Associação dos Amigos das Berlengas, e é um dos poucos locais de alojamento do arquipélago, com alguns quartos e um serviço de restaurante e mini-mercado, mas tudo sem grandes condições, se pensarmos em padrões de alojamento turístico (desde logo, a ilha tem um problema difícil de resolver, que é a água doce, que é pouquíssima, obtida a partir da chuva e armazenada numas cisternas que ficam a Sul da ilha). 

As operadoras turísticas promovem, para além da travessia, também a possibilidade de realizarmos uma visita de barco às grutas localizadas na costa Sul da ilha, e nós optámos por contratar também esse serviço. Ora, nesse caso, será recomendável caminharmos até ao Forte, ficarmos por lá algum tempo, e pedirmos para nos apanharem nesse local com o barco da visita às grutas. Assim, visitaremos as grutas e regressaremos depois diretamente de barco até ao cais, e não teremos de fazer a caminhada de regresso, evitando assim a escadaria de 220 degraus, que, neste caso, teríamos de subir. 

E foi assim que fizemos, à hora marcada chegou um barco com um vidro ao meio do convés, para observarmos o fundo do mar (mas nada muito impressionante), e levou-nos a visitar as grutas num percurso entre meia-hora e quarenta minutos. 

O principal atrativo que vai sendo revelado pelo guia que nos acompanha, é a identificação de semelhanças entre os rochedos e as cavernas, com animais ou locais... como acontece com o elefante, ou com a catedral (neste caso, foi feita uma alusão direta à Catedral da Luz, que muito apreciei). 

No final do passeio o barco deixa-nos de novo no cais principal, onde tínhamos ainda cerca de duas horas, tempo suficiente para explorar a parte Norte da ilha, a zona em torno do cais e a praia. 

Um dos atrativos desta zona será desfrutar um pouco da praia, a tal que nos surpreendeu com aquele azulão, que se desenvolve ao longo de toda uma enseada rochosa, onde florescem mantos verdes de chorões. 

Na encosta por detrás do cais fica aquilo que podemos chamar a povoação das Berlengas. Várias casinhas de pescadores, ocupadas apenas nos períodos de Primavera e Verão, e também um restaurante, que só abre na chamada época alta, que acaba a 15 de setembro... e há ainda uma casa de banho pública, que é algo muito importante. 
Nesta mesma encosta fica também um conjunto de socalcos que são utilizados como parque de campismo, e que beneficiam de uma vista fantástica sobre a enseada da praia, permitindo que os campistas, ao acordar, possam desfrutar da paisagem de uma praia deserta, o que só acontece até à chegada do primeiro barco. 

Fizemos ainda uma última caminhada pelo lado Norte da ilha, com passagem por algumas paisagens interessantes, como o Carreiro dos Cações ou as Buzinas. 

Percorremos alguns caminhos totalmente desertos, a menos do principal habitante da ilha, a gaivota... e regressámos ao cais, contemplando uma última vez aquele azul surpreendente. 


Voltámos ao barco para mais 45 min de frio, salpicos e abanões... o mar ainda “chão”, portanto. E lá chegámos a Peniche a bater o dente, mas satisfeitos por um dia cheio, cansativo, mas um grande dia, afinal, e mesmo sem sol, o dia começou dececionante, mas a ilha acabou por nos ir revelando algumas surpresas interessantes... e o Senhor Zé, o mestre da embarcação, olhou para nós e encolheu os ombros com um ar conformado, dizendo: ”afinal hoje não abriu”. 


Setembro de 2018