Na zona Norte da cidade, sobre uma colina que se eleva a 130 metros de altura, encontra-se o bairro de Montmartre, um dos bairros mais encantadores de Paris. É também conhecido como o “bairro dos pintores”, sobretudo pela concentração de artistas numa das suas praças, a Place du Tertre, mas também pelo ambiente boémio e artístico que ali se sente ao longo das suas ruas estreitas, repletas de restaurantes e cafetarias, que nos conduzem desde o topo do monte, onde se ergue a majestosa igreja do Sacré-Coeur, até ao bairro da Pigalle, com antigos cabarés e outras ofertas de vida noturna.
O percurso para visitarmos Montmartre será sempre curto, porque o bairro não é muito grande, de qualquer forma será conveniente chegarmos lá vindos de Metro, saindo na estação de Anvers, que fica a alguns quilómetros das principais zonas do centro da cidade, onde, habitualmente, nos deslocamos a pé.
Devido à envolvente boémia, historicamente associada ao bairro, acabo sempre por escolher visitar esta zona de Montmartre já ao final da tarde, permanecendo depois até ser noite, para apreciar uma outra face dos mesmos lugares.
Mal saímos da estação e começamos logo a subir o desnível íngreme que nos leva até ao alto do monte que dá o nome a este bairro, e chegamos à Basílica do Sagrado Coração, o Sacré-Coeur parisiense, uma atração incontrolável não só deste bairro, mas da cidade de Paris. Já lá em cima, continuamos depois pelas ruas estreitas que ali vamos encontrar e que seguem, mais ou menos, o trajeto representado neste mapa:
À saída do Metro entramos na Rue de Steinkerque, que se enche de turistas a caminho da Basílica, e seguimos depois, normalmente a pé, subindo a colina por uma escadaria de 197 degraus... embora haja a alternativa de subirmos pelo Funicular de Montmartre, mas só para os mais fraquinhos ou com menos mobilidade. Mas se subirmos a pé não nos iremos arrepender, pois vamos sempre apreciando as belas paisagens que se obtêm dos diversos ângulos em que vamos observando, quer da Basílica quer a cidade, que se vai revelando à medida que subimos.
No final do século XIX Montmartre era um bairro com uma péssima fama devido aos cabarés e bordeis que se instalaram na zona. Mas essa mesma fama, de bairro boémio, atraiu muitos artistas que consideravam o bairro encantador e decidiram mudar-se para lá, transformando Montmartre no lugar fantástico que tem sido desde essa altura e até aos tempos mais recentes... pena que hoje, tal como grande parte da cidade, o bairro se tenha tornado num imenso spot turístico, já não permitindo vislumbrar a verdadeira essência que o caracterizava há umas décadas atrás, quando ali fui pela primeira vez.
Enquanto subimos o alto do monte é suposto fazermos algumas pausas, até para ir descansando da subida, mas também para desfrutarmos das paisagem que se vão revelando, quer do próprio Sacré-Coeur, que é uma igreja lindíssima, quer das imagens que nos são oferecidas da cidade que se estende aos nossos pés.
No topo encontramos a Basílica do Sacré-Coeur, com a sua enorme cúpula, que é claramente o ex-líbris do bairro, e chega também a ser umas das imagens de marca da cidade de Paris. Como está no alto de uma colina, a Basílica do Sagrado Coração pode ser avistada de diferentes pontos de Paris, e é facilmente identificada pelo seu formato distinto das demais igrejas da cidade.
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A basílica é uma obra do arquiteto Paul Abadie e foi construída entre 1875 e 1914, com umas dimensões grandiosas de 83 metros de comprimento e 35 de largura, e com a sua torre do campanário e a cúpula central a atingirem os 83 metros de altura, dimensões estas que terão contribuído para a sua elevação a Basílica.
Mas mais importante do que estes dados geométricos, o que realmente se destaca nesta igreja é a sua extrema beleza, que faz quase lembrar um local encantado.
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Nos arredores da basílica entramos em ruas cheias de lojas, cafetarias e restaurantes, onde se sente um ambiente muito especial, que nos convida a ficar por ali, apreciando a boa onda que envolve aquele local.
Atingimos depois o verdadeiro Bairro dos Pintores quando chegamos à Place du Tertre, que constitui a zona mais interessante do bairro, com muitos artistas que vão ocupando a praça, expondo as suas obras e convidando os turistas para lhes fazerem retratos.
A Place du Tertre ganha o estatuto de praça de artistas no final da Revolução Francesa, quando começou a atrair alguns pintores para aquele espaço. Mais tarde, foram vários os artistas que por ali passaram e que se viriam a tornar bastante famosos, entre eles, Renoir, Van Gogh, Cézanne, Mondigliani e Picasso. Em 1955 começa a dar-se a ocupação maciça da praça por artistas de rua, com as suas bancas, tal como os encontramos atualmente, mas só em 1980 o município conferiu a este espaço a designação formal de "Carré aux Artistes".
Atualmente, para que um artista se possa instalar na Place du Tertre, apenas com direito a utilizar um metro quadrado, é preciso uma autorização do município e cada artista tem de passar por um processo de seleção e só pode fazer retratos, caricaturas, silhuetas e pinturas.
De todos os muitos pintores que por ali vão fazendo retratos, escolhemos um que se dá pelo nome de Nazar. Em 2001 fez-nos um quadro com os retratos das minha três filhas mais velhas e, em 2010, fez ainda o retrato da mais pequenina… uma delícia para o pai e uma recordação eterna.
Montmartre abrange duas áreas muito diferentes, cá em cima, no alto da colina, nas proximidades da Basílica, forma-se um conjunto de ruas estreitas que envolvem a Place du Tertre... ou mais em baixo, junto à Place Pigalle, onde imperam as luzes de neon anunciando sex-shops e cabarés.
E de cima a baixo, vamos encontrando várias ruas interessantes, com lojas, livrarias e com muitos restaurantes e cafetarias bastante apelativos, é o caso da Rue Norvins ou, um pouco mais distante, a Rue de l'Abreuvoir, onde se encontra a La Maison Rose.
Depois de deambularmos pelo bairro costumamos regressar de novo à Place du Tertre, já ao final da tarde, onde permanecemos mais algum tempo e, além de apreciarmos a dinâmica dos artistas fazendo os seus retratos, podemos também aproveitar a imensa oferta de restaurantes, se quisermos ficar para jantar e passar ali uma parte do serão.
Apesar da praça estar completamente ocupada pelas esplanadas dos restaurantes, a principal memória gastronómica que tenho deste lugar, não fica mesmo na praça, mas um pouco depois, junto ao Espaço Dali, e chama-se “Chez Plumeau”, um restaurante descontraído onde fui algumas vezes, sempre para degustar o mesmo menu, tão apropriado a um final de tarde… uma deliciosa sopa de cebola com mozarela e um copo de vinho tinto, que tão bem me soube sempre que ali fui.
À saída, há por ali uma nesga de espaço que nos permite apreciar mais uma vista fantástica sobre os telhados da cidade, agora já em tons bem vincados do entardecer e com a grande torre ao fundo.
Ao sairmos da Place du Tertre para explorar outros limites do bairro, vamos continuando a encontrar as ruas animadas com os seus restaurantes e cafetarias cheios de gente.
Aproveito para fazer aqui uma referência que é transversal à cidade de Paris, e até às outras cidades francesas. Tem a ver com a dificuldade que existe para se poder ir a uma casa de banho, que é algo extremamente complicado e chega a ser condicionante para quem visita a cidade. Por isso, somos forçados a entrar em cafés para tomar algo... algo sempre caro, apenas para conseguirmos ir à casa de banho... mas, atenção, antes de se fazer o pedido é melhor confirmar se têm mesmo WC, porque nem sempre existe. A solução é aproveitar os centros comerciais, que cobram 70 cêntimos por cada xixi, ou uns museus que sejam gratuitos (ainda há alguns), que têm casas de banho grátis.
Falo-vos disto nesta parte da crónica porque em Montmartre não existem nem centros comerciais nem museus gratuitos, e mesmo os cafés, não estava a ser fácil encontrar algum que tivesse WC público... um desespero, portanto.
Voltando às ruas e aos seus restaurantes, já mais abaixo, quase na Pigalle, encontramos um restaurante notável, o Café des Deux Moulins... e com casa de banho, mas não foi só isso que nos fez entrar.
Na verdade, este espaço é uma referência para quem gosta de cinema e se deliciou, como eu, com o extraordinário filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulin”, pois era aqui mesmo, neste café, que trabalhava a personagem principal Amélie Poulin, interpretada por Audrey Tautou.
Era ali que ela degustava o seu Crème Brûlée, partindo sempre primeiro a cobertura crocante do açúcar queimado… algo simbólico para quem viu o filme e que aqui pudemos replicar, pelo preço pouco simpático de 9€ por um leite-creme, mas que, por acaso, até era bastante bom, sobretudo pela presença da imagem de Amélie como testemunha da nossa degustação.
Ao sairmos do Café des Deux Moulins, e ainda antes de descermos até ao coração da Pigalle, podemos procurar por uma nova atração nesta zona, o chamado "Le mur des je t'aime".
Um mural que segue aquele princípio de que todo o adolescente já terá escrito algures uma mensagem de amor, a lápis ou caneta ou, de forma mais definitiva, usando um canivete, para gravar as suas juras de amor numa árvore, ou mesmo na carteira da escola.
A iniciativa desencadeou uma imensa cadeia de paixões silenciosas, com a criação deste imenso mural, onde o amor se une em todas as línguas… e o Le mur des je t'aime é composto pela frase "eu te amo" escrita 1000 vezes em mais de 300 idiomas.
Fica num jardim de acesso gratuito onde encontramos uma parede de 40 m2, (10m x 4m) que é feita com 612 azulejos num formato de 21cm x 29,7cm, onde as explosões de cor vermelha representam os fragmentos de um coração partido e de uma humanidade que muitas vezes se despedaça, e que o Le mur des je t'aime tenta reunir.
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No meio de tantas expressões de Eu Amo-te, ou semelhantes, conseguimos descobrir algumas delas nas várias versões do idioma português que se falam pelo mundo fora, e também do nosso português de Portugal.
Chegámos finalmente à Pigalle, primeiro ainda de dia, quando os néons ainda não são visíveis e a única atração do bairro digna de registo, será mesmo o antigo cabaré Molin Rouge.
Mais tarde, depois de anoitecer, o bairro da Pigalle começa a despertar transformando-se num lugar famoso pela sua vida noturna particularmente animada. Aqui encontramos vários tipos de estabelecimentos noturnos, dos bares aos clubes e às sex shops, que estão por todo o lado.
E é também à noite que o Moulin Rouge adquire a sua imagem de referência, como um dos cabarés mais famosos em todo o mundo.
A sua imagem exterior é marcante, com as luzes vermelhas dominantes e com o grande moinho. Trata-se de um cabaré histórico, fundado em 1889, para exibição de espetáculos do chamado Cancan, que foram também imortalizados pelos trabalhos do pintor Toulouse-Lautrec.
Cheguei a assistir a um show neste Molin Rouge, mas confesso que não é o tipo de espetáculo que mais aprecio. Na época, nos anos 90, não era nada daquilo que eu apreciava. Mais tarde haveria de sair um filme com o mesmo nome e, dessa vez, numa criação bem diferenciada e espetacular em todos os sentidos. E como resultado de tudo isso, penso hoje que será mais interessante assistirmos ao filme do que gastarmos uma pequena fortuna para assistir ao espetáculo em pleno teatro… mas isso são ideias minhas, se calhar nem fazem grande sentido.
Com tudo isto podemos pensar que este trecho da cidade de Paris é como se fosse um pequeno pedaço de Amesterdão, uma espécie de distrito da luz vermelha parisiense, mas bem mais soft e sem as famosas montras.
Como não pretendemos usufruir da oferta noturna da Pigalle, acabamos apenas por vaguear pelas ruas e apreciar a envolvente e, para fecharmos a noite, podemos ainda voltar à zona do monte, onde este percurso começou algumas horas antes, e contemplar a imagem da belíssima Basílica do Sacré-Coeur devidamente iluminada.
Este lugar é atualmente um polo de concentração massiva de turistas, mas é ainda muito mais do que isso e continua a representar o lado boémio de um dos períodos mais ricos da história da arte em todo o mundo. E, se procuramos bem, entre Montmartre e a Pigalle, encontraremos as casas ou estúdios de grandes artistas que ali viveram e trabalharam, como Van Gogh, Toulouse-Lautrec ou Picasso, num testemunho imaginado da obra magnífica de cada um deles… e isso é algo extraordinário, e por isso nunca deixo de visitar este local de cada vez que regresso à cidade de Paris.