Chegámos a Rouen sem quaisquer expectativas, nem sabíamos que a cidade era a capital da Normandia e também uma das maiores cidades da região. Mas foi uma ótima surpresa que fomos descobrindo pelas ruas e praças que revelam séculos de uma história riquíssima, muito presente ao longo de toda a cidade.
Rouen fica junto às margens do rio Sena e essa localização estratégica sempre foi cobiçada por diferentes povos, numa história de guerra… sempre muita guerra. Desde os conflitos ancestrais entre romanos e vikings, até às invasões inglesas na Idade Média e à mais recente ocupação nazi durante a Segunda Guerra Mundial, Rouen entrou sempre na história como cenário essencial para diferentes enredos e personagens.
A mais icónica dessas histórias talvez seja a de Joana D’Arc, a guerreira francesa que foi queimada ali mesmo, na praça principal da cidade, durante uma invasão inglesa. A fogueira da inquisição colocou o seu nome, para sempre, na história como a jovem heroína de todo um país.
Com tantas lutas, a cidade de Rouen precisou ser várias vezes reconstruída, mas de todas elas, trataram sempre de devolver à cidade os traços da arquitetura medieval clássica da Normandia, com as casas de enxaimel (ou ripado de madeira), que estão por toda a parte, especialmente no centro histórico, e que são chamadas em francês como Maisons à Colombage.
Por outro lado, ainda é possível ver os sinais de alguns dos confrontos que ocorreram na cidade. As marcas de bombas numa das paredes do imponente Palácio de Justiça foram mantidas, como um memorial dos tempos difíceis da segunda guerra mundial e da resistência oferecida pela cidade de Rouen.
É um pouco de tudo isto que vamos encontrando enquanto caminhamos pelo centro da cidade, um espaço relativamente pequeno que percorremos pelos trilhos assinalados neste mapa, numa extensão de pouco mais de cinco quilómetros:
E enquanto descobrimos a cidade percebemos que a capital da Normandia não vive só das memórias das suas guerras e dos seus heróis. Rouen é também uma cidade ligada à cultura e às artes, tendo inspirado artistas, como os impressionistas Monet e Renoir, que pintaram diversos quadros retratando imagens da cidade. Além disso encontramos aqui alguns dos melhores museus de arte de França.
Como exemplo, encontramos o Musée Le Secq des Tournelles, um museu fundado em 1920 que ocupa a antiga igreja de Saint-Laurent datada do século XVI. Contém uma imensa coleção de ferragens - letreiros, fechaduras, aldravas, moedores de café, ferramentas, bijuterias, objetos de costura e de fantasia - tudo coisas que, pelo menos para mim, têm muito pouco interesse. Por isso, acho que este museu valerá sobretudo pela beleza da igreja que ocupa.
Mas, logo ao lado, na praça Charles Verdrel, surge o principal museu da cidade, o prestigiado Museu de Belas-Artes de Rouen. É um dos mais importantes museus de Belas-Artes de França, e podemos visitá-lo com entrada gratuita… porém, fecha semanalmente às terças-feiras e, claro, nós estivemos lá exatamente numa terça-feira.
Assim, não tivemos acesso à sua coleção, com destaque para os pintores impressionistas, sabendo-se que a Normandia é considerada como um dos berços do impressionismo, onde se incluem obras de Ingres, Delacroix, Moreau e Degas, mas também de outros, e de outras correntes, como Rubens, Caravaggio ou Velázquez, só para dar alguns exemplos. Mas, sendo terça-feira, ficámo-nos apenas pelo exterior do edifício monumental que acolhe este museu.
Mais alguns metros e chega-se a uma curiosa torre, chamada de Torreão de Joana d’Arc. Pode parecer estranho ver uma torre isolada, assim deslocada no meio da cidade, mas isso é tudo o que restou do antigo castelo de Rouen… foi exatamente aqui, nesse local, que Joana D’Arc esteve presa antes de ter sido executada pelas tropas inglesas.
O interior da torre é acessível e, atualmente, o acesso é gratuito. Mas, para além de alguns vestígios dos tempos em que esta torre foi a masmorra da Joana D’Arc, no seu interior funciona agora um “escape game” baseado na história da cidade.
O trajeto seguinte levou-nos ao centro histórico da cidade, neste caso fomos até à Place du Vieux Marché e à Igreja de Joana D’Arc.
Trata-se da praça mais importante de Rouen, que mistura as casas multi-coloridas de enxaimel, que lhe dão uma aparência medieval, com a nova Igreja de Joana D’Arc, que lhe dá um toque moderno.
Na Praça do Antigo Mercado tem lugar uma feira diária, e encontram-se muitos restaurantes e bares, o que lhe confere uma animação e um movimento, quer de dia quer de noite, que faz desta praça um ótimo espaço para se estar… ou de manhã, para se assistir à animação da feira, ou a partir da hora de jantar, para depois se aproveitar a noite de Rouen.
Ali fica o maior mercado de Rouen e também algumas lojas e mercados menores e, sobretudo, é ali que se representam os principais fragmentos da história da cidade.
No meio da praça está a igreja dedicada a Santa Joana D’Arc. Aqui, quebra-se o padrão das igrejas góticas de Rouen. O seu formato moderno e inusitado foi projetado para fazer lembrar a fogueira que a queimou há centenas de anos.
No local exato da fogueira, Le Bûcher de Jeanne d'Arc, há hoje um mastro enorme com uma cruz, ao lado da qual se encontra uma estátua de Joana D’Arc em tamanho real (representada no início desta crónica).
Mas apesar do aspeto exterior desta igreja não ser muito apelativo, o seu interior é imperdível, a visita é gratuita e os vitrais são maravilhosos, vitrais recuperados de um outro templo medieval da antiga Rouen.
Visitámos demoradamente esta parte da cidade, não só a própria igreja, mas também o mercado e toda a sua envolvente, e descobrimos ainda todas as alusões à figura de Joana D’Arc que ali se encontram… como o local da fogueira onde ela foi queimada pelos ingleses sob acusação de bruxaria, onde hoje se ergue uma enorme cruz.
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Saindo da Place du Vieux Marché continuamos no centro histórico e chegámos a uma das principais atrações turísticas da cidade, o Gros-Horloge, cujo nome quer dizer o Grande Relógio.
Mas ao chegarmos e ainda antes de observarmos este relógio aproveitámos para apreciar a própria envolvente, em que as ruas exibem as suas casas com fachadas de enxaimel, algumas delas foram construídas ainda antes da morte de Joana D’Arc, em 1431.
O Gros-Horloge, ou relógio astronómico de Rouen, é hipnotizante, com o seu mostrador renascentista exibindo 24 raios de sol, é um dos mecanismos de relojoaria ainda em funcionamento mais antigos da Europa, está cheio de detalhes e esconde muitos segredos. Tem apenas o ponteiro das horas, mas mostra também as fases da lua e os dias da semana.
Durante alguns anos, foi responsável pelas badaladas do toque de recolher obrigatório, na antiga Rouen invadida pelos nazis.
É possível visitar o interior do relógio que, além de uma viagem no tempo, nos leva até uma das vistas mais interessantes sobre as ruas de Rouen.
Mas quem opte por não entrar, pode observar os detalhes da fachada do Gros-Horloge, que assenta sobre um arco renascentista, numa rua tipicamente medieval... tudo isto, formando um conjunto bastante bonito.
No trajeto seguinte saímos ligeiramente da cidade velha e dirigimo-nos até ao rio, o nosso conhecido Sena. Quando nos aproximamos do rio, a cidade perde o encanto da imagem medieval do seu centro histórico, mas, apesar disso, não quisemos deixar de visitar esta zona marginal, escolhendo como ponto de referência a Pont Jeanne-d'Arc, umas das várias pontes que atravessam o rio, mas esta dedicada à grande heroína da cidade.
Pelo caminho, nesta zona moderna, passámos por alguns edifícios de referência da cidade, como a Ópera de Rouen, menos bonita do que os monumentos do centro histórico, mas igualmente importante.
Deixámos rapidamente esta zona menos interessante e voltámos de novo ao centro histórico, onde, de facto, se concentra toda a beleza e encanto desta cidade.
E o próximo ponto de paragem foi justamente um dos principais monumentos locais, a Catedral de Rouen.
Como dizia Victor Hugo, esta é a cidade das 100 torres sineiras, com várias igrejas encantadoras, mas nenhuma delas é mais magnífica do que a sua Catedral… e será bem verdade.
De tão grande que é este monumento, encaixado numa pequena praça, torna-se até difícil conseguir enquadrar toda a catedral numa foto. A torre principal é o ponto mais alto e é ela que dá a essa igreja o título de uma das mais altas da França.
Feita em estilo gótico, bonita e complexa, sobretudo pelos seus detalhes e pela falta de simetria, com duas torres totalmente diferentes, num conjunto de extrema beleza… uma beleza imperfeita.
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A Catedral de Rouen foi construída no século XII, mas, devido às várias guerras a que a cidade esteve sujeita, foi destruída e depois restaurada várias vezes.
A sua fachada é fantástica, sobretudo a zona do portão principal, feito de um rendilhado incrível. Já lá dentro, salientam-se os bonitos vitrais e a capela principal.
Um pouco depois da catedral encontramos outra igreja lindíssima, uma autêntica joia da arquitetura gótica, a Église catholique Saint-Maclou.
Esta igreja surge no coração do bairro de medieval de Rouen, e famosa pelas suas fachadas rendilhadas de pedra, e pela sua agulha principal, que testemunham um trabalho meticuloso feito com grande rigor e requinte.
Na fachada principal o alpendre está dividido em cinco lados dispostos em arco, onde as arcadas centrais abrigam três portais adornados com portas de madeira entalhada.
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A Igreja de Saint-Maclou está integrada no bairro mais marcantemente medieval da cidade, e nas ruas que ficam por detrás desta igreja encontrámos várias casas medievais muito bem cuidadas.
Existem hoje no centro de Rouen cerca de 2000 casas em estilo enxaimel, sendo que, metade delas, passou já por algum tipo de restauração, e desse total, 227 casas são consideradas monumentos históricos. Números impressionantes que fazem de Rouen uma das seis cidades com maior património arquitetónico em toda a França.
Um pouco mais à frente e voltamos a encontrar mais uma bela igreja, desta vez tratava-se da Abadia de Saint-Ouen.
É uma imensa igreja católica gótica, que homenageia a figura do padre Audoin, bispo de Rouen do século VII. Esta abadia foi construída numa escala semelhante à vizinha Catedral de Rouen, e é famosa tanto pela sua arquitetura quanto pelo seu órgão, que foi descrito como "um órgão de Michelangelo”.
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Voltando ao centro mais movimentado da cidade, encontramos mais um bonito monumento, o Palácio de Justiça.
Trata-se de um edifício gótico do século XVI que fica localizado na Praça Marechal Foch (em homenagem a Ferdinand Foch, o francês comandante dos Aliados durante a Primeira Guerra Mundial).
Este edifício foi bombardeado durante a ocupação Nazi e os sinais das bombas e das balas são ainda visíveis, para que a memória se mantenha bem viva sobre os acontecimentos terríveis vividos nesta cidade.
O próximo destino seria agora Étretat, já junto ao mar, a cerca de 90 km de Rouen.
Carlos Prestes