quinta-feira, 13 de abril de 2023

Praias do desembarque da Normandia


Na manhã do dia 6 de junho de 1944 foi dado início à operação Overlord, que viria a desencadear o fim da Segunda Guerra Mundial em território europeu. Ao longo das praias da região francesa da Normandia, foram desembarcados mais de 150 mil soldados, principalmente americanos, ingleses e canadianos, e também um total de 6000 veículos… toda esta força aliada, vinda de Inglaterra, chegou a terras francesas para combater as forças ocupantes nazis, juntando-se às tropas que resistiam em território europeu.

Este momento, que ficou conhecido como “Dia D” e era apenas o começo de uma longa jornada até que as tropas aliadas derrotassem o exército nazi e libertassem os países subjugados pelos alemães, começando pela França e chegando depois a todos os restantes países ocupados.
Foi pelas praias que foram palco do grande desembarque do Dia D, que estivemos durante a nossa visita a esta zona da costa da Normandia, selecionando os locais que foram os principais cenários das batalhas reais que ali ocorreram.

Escolhemos visitar alguns dos pontos do desembarque, não só as próprias praias, mas também os museus e memoriais que ali foram erguidos, e até o grande cemitério americano.

Cada uma das praias do desembarque é ainda hoje conhecida pelo nome de código da operação, e são chamadas de Utah, Omaha, Gold, Juno e Sword.
Como viemos do lado de Leste, encontrámos estas praias pela ordem inversa, e selecionámos apenas uma parte delas, começando na Sword, passando pela Juno e pela Gold, e terminando na praia de Omaha, seguindo mais ou menos estes trajetos, que incluíram também a cidade de Bayeux:
 


Sword Beach

A nossa primeira paragem foi na praia de Sword, que foi utilizada para o desembarque das tropas britânicas, e começou por nos levar apenas a uma simples praia, sem grandes vestígios do desembarque… era só mais uma praia ventosa, como seria de esperar neste local.
Mas ao longo da costa desta mesma praia fomos parando noutros locais com várias referências e homenagens aos desembarques. E, apesar de se tratar de eventos muito afastados no tempo, é-nos impossível não nos deixarmos envolver numa comoção que é dedicada a quantos arriscaram a vida ou morreram por uma causa que não era a deles, era muito maior do que as suas próprias vidas que ali eram postas em jogo… e não deixámos de refletir sobre o que valemos nós e as nossas pequenas vidas ao pé destes homens, heróis anónimos para todo o sempre.

Um primeiro memorial marcava apenas uma homenagem aos próprios soldados franceses, que também tombaram na batalha da Normandia, que se seguiu aos desembarques.
Mais à frente, iriamos visitar outros memoriais, muito maiores e mais importantes do que este, dedicados às tropas que desembarcaram aqui  na Normandia.


Juno Beach

A paragem seguinte aconteceu na praia de Juno, o areal onde as tropas canadianas, e algumas britânicas, fizeram o seu desembarque.

A praia de Juno estava bem fortificada pelos nazis e as forças de defesa alemãs sofreram poucos danos com os bombardeamentos aéreos dos Aliados. A resposta alemã foi particularmente mortífera, o que fez com que as unidades aliadas que ali desembarcaram tivessem sido fustigadas pelo fogo inimigo, tendo tombado em plena praia cerca de metade das tropas ali desembarcadas.

Desta vez começámos pelo museu que ali foi criado, num edifício moderno que mostra uma série de artefactos relacionados com o desembarque, e presta homenagem aos muitos soldados que ali perderam a vida.
Cá fora, entre o museu e a praia, encontram-se diversas instalações de combate, algumas delas criadas pelas tropas alemãs que protegiam a costa para tentar evitar a entrada dos Aliados. São várias as armas e viaturas de combate que ali se encontram, e mesmo alguns bunkers e trincheiras para proteção dos soldados.


E, mais uma vez, deixámos-mos conectar com toda esta envolvente, que até poderia parecer banal, mas que nos fez refletir profundamente, sobretudo quando encontramos referências àqueles que tombaram em pleno desembarque, como neste memorial com os nomes de todos os soldados abatidos nesta praia pelas tropas nazis.
Os memoriais que se sucedem nestas praias são imensos, uns são monumentos de homenagem coletiva, mas há outros, muito pequenos, que são quase mausoléus fúnebres individuais. E há também os artefactos que se encontram expostos nos vários museus, como os capacetes utilizados em combate ou mesmo objetos pessoais que os soldados traziam nos bolsos, como cartas, fotos de família ou maços de cigarros… dá vontade de parar perto de cada um destes objetos e destes monumentos, imaginando os segredos escondidos por detrás de cada uma das vidas que ali foram interrompidas, quem seriam, quais as suas vidas, que sonhos ali foram destruídos.

Há também vários símbolos das batalhas que nos são completamente impercetíveis, mas existem outros que são marcos evidentes sobre as homenagens ali prestadas, como estes, localizados junto ao areal da praia de Juno… que seria apenas mais uma praia ventosa e fria, se não fossem estes apontamentos que nos recordam as histórias ali vividas.


E outros são marcos bem evidentes sobre a importância desta batalha, como este monumento em pleno areal, o chamado Juno Beach Memorial, que marca literalmente a relevância decisiva do Dia D, registando: “Aqui, no dia 6 de Junho de 1944, a Europa foi libertada pelo heroísmo das forças aliadas”.


British Normandy Memorial

Continuando junto à costa, seguindo na direção da Gold Beach, fizemos um desvio para visitar um imenso memorial dedicado às tropas e civis que tombaram na batalha da Normandia sob comando britânico, o British Normandy Memorial.
Este Memorial regista os nomes das mais de 22 mil pessoas que perderam a vida entre o Dia D e o dia 31 de agosto de 1944, durante a Batalha da Normandia, que inclui pessoas de muitos países, sendo a maioria soldados, marinheiros, fuzileiros navais e aviadores britânicos.

Todos estes nomes estão gravados na pedra em diversas colunas que estão distribuídas por este espaço.


Apesar deste monumento ser muito recente, foi inaugurado a 6 de junho de 2021, exatamente 77 anos depois do Dia D, o ambiente que aqui foi criado é bastante impressionante e leva-nos de novo a refletir sobre os acontecimentos que aqui são representados.

O local é silencioso, como se fosse um cemitério, e leva-nos de imediato a uma reflexão sobre a memória que este espaço representa, numa homenagem àqueles que aqui morreram, mas também para servir de lembrança para que as gerações futuras possam compreender o que aconteceu na Normandia no ano de 1944.

Por isso, entramos no espírito e movemo-nos sem destino num imenso relvado, parando em cada coluna de pedra ou em cada um dos monumentos que ali se erguem, numa romagem que é quase religiosa.

A “Escultura do Dia D”, que tem como pano de fundo a Gold Beach, foi feita em bronze pelo artista britânico David Williams-Ellis e representa três militares durante o desembarque.

Esta estátua ocupa uma posição de destaque no memorial e representa de forma realista os eventos que aqui aconteceram há quase 80 anos, ajudando a que as memórias deste dia e desta guerra jamais se possam apagar.


Gold Beach

A praia de Gold, onde desembarcaram grande parte das tropas britânicas, ocupa uma extensa faixa costeira, e é aquela que melhor reproduz os eventos do desembarque, mantendo alguns vestígios dos equipamentos que foram montados na costa depois do Dia D, e que continuam em frente à praia, embora nem sempre se tornem completamente visíveis, dependerá das marés.
Tal como nas outras praias vamos encontrar museus e memoriais, sobretudo numa das principais cidades costeiras desta zona, a pequena Arromanches-les-Bains.

Quando as tropas britânicas desembarcaram na Gold Beach, na manhã do Dia D, o ataque dos Aliados poupou a bonita praia de Arromanches-les-Bains. Na verdade, não foi a beleza deste local que o salvou, mas sim o objetivo que tinha sido programado de usar esta área para instalar um porto artificial que permitiria a chegada das tropas de reforço dos Aliados. Quase 25 mil homens da 50ª divisão de infantaria britânica lançaram um ataque anfíbio no setor da Gold Beach e os Aliados tomaram a cidade no fim da tarde do próprio dia 6 de junho.
Mais tarde foi montado um porto artificial, o Mulberry Harbour de Arromanches, utilizando elementos que haviam sido pré-fabricados na Grã-Bretanha e que foram levados até ao litoral da Normandia para montar um cais que serviria como ponto de abastecimento, e de novos desembarques, para as tropas aliadas.

Deveria ter sido instalado um outro porto semelhante, a montar em Omaha Beach, mas este último acabou por ser destruído por uma tempestade, aumentando assim a importância estratégica deste porto de Arromanches.

Atualmente, encontramos em terra alguns vestígios destas antigas instalações, para além daqueles que se mantêm no mar.

Numa destas praias da zona da Gold Beach estava instalada uma importante instalação militar alemã que tinha o objetivo de defender as praias de Gold e de Omaha, e é que conhecida pelo nome da comuna onde se encontra, Bateria Longues-sur-Mer.

Antes do desembarque, um navio da Marinha Real britânica atacou esta bateria, mas, apesar deste ataque, os alemães conseguiram ainda bombardear as praias dificultando a chegada dos Aliados. Foram necessários os bombardeamentos da Força Aérea Britânica para danificar a imponente instalação militar alemã.

A bateria de Longues-sur-Mer foi tomada pela companhia C do 2° regimento de Devonshire antes do meio-dia e hoje é um testemunho vivo da força militar instalada pelos nazis na proteção da costa francesa.


Cemitério Militar Americano

A cerca de 20 km da praia de Gold e já nas imediações da praia de Omaha, vamos encontrar um dos principais símbolos do Dia D. Trata-se de um Cemitério Militar Americano onde estão sepultados os soldados da Commonwealth que morreram na batalha da Normandia, depois do desembarque.

O cemitério encontra-se em Colleville sur Mer, junto à Praia de Omaha, uma das principais praias do desembarque, e reúne uma capela, um memorial e, o mais impressionante, os túmulos de 9.387 soldados que morreram naquela batalha.
O centro de visitantes homenageia estes soldados e a sua coragem ao participarem na Operação Overlord que veio a conduzir à libertação da Europa da ocupação nazi.

O acesso a todo o complexo é gratuito, mas, atenção, pois encerra diariamente às 18h, muito cedo para quem viaja no verão e estica os dias até haver sol.
O Cemitério e o Memorial Americano encontram-se no mesmo local do cemitério temporário de St. Laurent, que foi criado pelo primeiro exército dos EUA em 8 de junho de 1944, dois dias depois do desembarque e do banho de sangue a que as tropas aliadas foram sujeitas, para se poder enterrar aqueles que foram mortos na primeira batalha.

O cemitério estende-se por uma superfície de 70 hectares com um comprimento de um quilómetro onde encontramos as 9.387 lápides em mármore branco que pontilham o imenso relvado.
Este complexo é constituído por duas alamedas principais, em forma de cruz, e encontramos, para além das sepulturas, também uma Capela e um Memorial. O Memorial é formado por uma colunata semicircular, atrás do qual se encontram as chamadas Muralhas dos Desaparecidos, também formando um arco semicircular, e onde estão inscritos 1.557 nomes das pessoas cujos corpos não foram encontrados – como é o caso dos 800 homens da 66ª divisão de infantaria que morreram num ataque de torpedo – e cujos corpos não puderam ser identificados. Este conjunto forma o chamado de “The garden of the missing”, ou O Jardim dos Desaparecidos.

Mas muito para além dos monumentos e memoriais que se encontram neste complexo, nada é mais tocante do que permanecermos imoveis em frente aos milhares de cruzes, sabendo que a cada cruz corresponde a vida de um jovem americano que ali foi interrompida cedo de mais, por  uma causa e uma missão que é de uma nobreza notável… trocar a própria vida pela salvação de nações distantes e desconhecidas.
É impossível não sentirmos uma profunda comoção, como que uma homenagem silenciosa a cada um destes 9.387 soldados a quem devemos muitíssimo… descansam em paz nestes campos relvados junto ao mar, o mesmo mar que os trouxe até aqui e fez deles heróis.


Omaha Beach

A 6 km do cemitério chegamos à praia de Omaha, onde foi feito o desembarque de grande parte do exército dos EUA.

A 200 metros da praia encontra-se o Musée Mémorial d'Omaha Beach, ou Museu do Dia D, com armas e outros objetos que contam a história do desembarque que ali aconteceu.

O museu homenageia os soldados americanos que ali desembarcaram, mostrando um espólio de artefactos autênticos, como objetos pessoais, uniformes, armas e veículos. Há também documentos de arquivo e um documentário de 25 minutos acompanhado de depoimentos de veteranos, e há ainda várias fotografias, do desembarque.
A visita é gratuita e dá para uma passagem rápida, mas ao fim de um dia com tantas emoções sobre as batalhas ali vividas, já quase não temos força para mais.

Pouco depois do museu chegamos à Praia de Omaha, que é o nome de código deste setor da invasão aliada que foi usado pelas tropas norte-americanas. É mais uma praia do Canal da Mancha com um areal imenso, esta com um total de 8 km de extensão, e com uma areia que se diferencia das outras praias da Normandia por ser avermelhada.

O desembarque que aqui aconteceu foi feito pelas tropas do Exército dos Estados Unidos, e o transporte marítimo foi assegurado pela US Navy e por elementos da Royal Navy inglesa.

A tomada desta praia por tropas americanas serviu para garantir a ligação com o desembarque britânico a Leste, na praia de Gold, e com o desembarque americano a Oeste, na praia de Utah, proporcionando assim uma ocupação contínua em toda esta costa da Normandia.

Em memória dos acontecimentos aqui vividos foram instalados dois monumentos junto a esta praia. Ainda na envolvente da estrada, encontramos o Monument Signal d'Omaha Beach, onde se podem observar duas inscrições nas faces laterais, uma dedicada à 1ª Divisão de Infantaria e outra à 116ª Equipa Regimental de Infantaria de Combate da 29ª Divisão de Infantaria. 

Na frente principal do monumento destaca-se uma inscrição que refere em francês e em inglês: “As forças aliadas desembarcaram nesta costa a que chamaram Omaha Beach, para libertar a Europa – 6 de junho de 1944”.
Em plena praia ergue-se o outro monumento, a escultura The Braves (Os Bravos), que é também uma homenagem aos Aliados que aqui desembarcaram. Foi instalada em 2004 e é uma obra da escultora francesa Anilore Banon. É composta por três elementos: As asas da esperança - Para que o espírito que carregou estes homens no dia 6 de junho de 1944 continue a inspirar-nos, lembrando-nos que juntos é sempre possível mudar o futuro; Levanta-te, liberdade - Para que o exemplo daqueles que se levantaram contra a barbárie nos ajude a permanecer fortes contra todas as formas de desumanidade; As Asas da Fraternidade - Para que esta onda de fraternidade nos lembre sempre da nossa responsabilidade para com os outros e também para com nós mesmos.


Utah Beach

Além das praias que visitámos, e que estão referidas ao longo desta crónica, existe ainda mais uma praia importante, onde ocorreu o desembarque de uma parte do contingente norte-americano, a praia de Utah, localizada a Oeste da Normandia. Mas já não tivemos oportunidade de visitar esta praia, pois o dia aproximava-se do fim e ainda ficava a uma distância de 50 km por estradas nacionais.

Esta praia de Utah, juntamente com todas as outras que acabámos de visitar, formaram a extensa frente de desembarque das tropas aliadas no Dia D... o que constituiu um primeiro passo que haveria de mudar a história do mundo.

A invasão das tropas aliadas foi apoiada por ataques aéreos de 1200 aviões, que precederam ao desembarque anfíbio, envolvendo mais de cinco mil embarcações e cerca de 160 mil homens, que cruzaram o canal da Mancha neste dia 6 de junho de 1944. Depois disso, e até ao final do mês de agosto desse mesmo ano, mais de três milhões de soldados Aliados entrariam em França por estas mesmas praias… caminhando para uma das mais nobres missões alguma vez realizadas, e que levou à libertação da Europa ocupada e ao fim da Segunda Guerra Mundial…

O dia que passou deixou-nos com um enorme sentimento de gratidão. Gratidão aos países envolvidos nesta missão, mas, sobretudo, uma profunda gratidão a cada um destes soldados que arriscaram tudo por uma causa que não era a deles, contribuindo decisivamente para a salvação da Europa… neste dia 6 de junho de 1944 estes homens foram bem mais do que soldados, foram todos nossos irmãos.


Bayeux

Neste dia de tantas emoções precisávamos de regressar a um registo mais tranquilo e menos comovente, e escolhemos uma das cidades desta zona da costa da Normandia. Por aqui existem duas cidades de referência, a cidade de Caen, que não chegámos a visitar, por não considerarmos particularmente interessante, e a cidade de Bayeux, que apresenta ainda alguns traços evidentes da sua origem medieval.

Bayeux fica a apenas 12 km da costa, no alinhamento da praia de Gold, e é uma das poucas cidades da região que escapou aos bombardeamentos de 1944. O seu centro histórico foi preservado e podemos ainda apreciar a riqueza de um património autêntico. Assim, a cidade oferece um ambiente histórico quase sem vestígios da enorme batalha que foi vivida nesta região, revelando ainda as suas antigas ruas, as casas em enxaimel e diversas elegantes mansões, e também alguns recantos bucólicos criados pela passagem do rio Aure, que atravessa o centro histórico.

Uma das referências desta cidade é a existência da tapeçaria mais famosa do mundo, a Tapeçaria de Bayeux, conhecida como Tapeçaria Rainha Mathilde, que faz parte da identidade da cidade e ocupa todo um espaço especial do Centre Guillaume-le-Conquérant ou Musée de la Tapisserie de Bayeux, cuja visita recomendo.
Esta peça, bordada em linho entre 1070 e 1080, mede 69 metros de comprimento e 50 centímetros de altura, e relata a conquista da Inglaterra por Guilherme, ou Guillaume-le-Conquérant, Duque da Normandia e marido de Mathilde.

Esta obra-prima de mil anos, que foi inicialmente planeada para adornar a catedral recém-construída, está hoje registada como "Memória do Mundo" pela UNESCO.
Na cidade velha destaca-se a catedral românica e gótica de Notre-Dame, datada do século XI, que é uma das mais bonitas de França e um dos orgulhos da cidade.
Esta igreja católica demorou três séculos a ser construída e só foi consagrada como catedral no ano de 1077. Mistura diferentes estilos que atravessaram os séculos da sua construção, e distingue-se em particular pela sua bela fachada com cinco portais decorados com esculturas.

Terminámos aqui este dia junto às praias da Normandia, mas no dia seguinte começaremos ainda por esta região, rumando a Sul até ao Monte Saint-Michel, e só depois entraremos na região da Bretanha.