sexta-feira, 7 de abril de 2023

Percurso 2 - Île de la Cité e Quartier Latin


Começámos um novo percurso pelas ruas da cidade de Paris vindos da Place de l'Hôtel de Ville e entrando na Île de la Cité, uma pequena ilha que se forma no rio Sena, e que ostenta um património monumental riquíssimo, mas que é sobretudo famosa por ser ali que se encontra uma das mais importantes igrejas de todo o mundo, a extraordinária Catedral de Notre Dame.

Seguimos depois da ilha até à margem esquerda do Sena, a chamada Rive Gauche, com os seus principais bairros, o Quartier Latin e o Saint-Germain-des-Prés, e fomos passando por alguns dos locais mais significativos desta zona, como os grandes Boulevards, Saint-Michel e Saint-Germain, a Universidade de Sorbonne, os Jardins do Luxemburgo e a Place d'Odéon, tudo isso, seguindo aproximadamente os trajetos representados neste mapa:
   


Palais de Justice

Ao entrarmos na ilha atravessámos o Marché aux Fleurs Reine Elizabeth II, um imenso mercado de flores e pássaros, e continuámos pela Place Louis Lépine, um espaço pedonal em frente do qual se ergue o edifício majestoso do Palácio da Justiça.

Este complexo do Palácio da Justiça ocupa quase 200 mil metros quadrados onde se incluem as principais instituições jurídicas francesas, entre elas a Conciergerie, que correspondia ao antigo Palais de la Cité, transformado, durante a Revolução Francesa, numa prisão onde se encontra o cativeiro onde foi mantida a rainha Maria Antonieta antes de ser decapitada. 

Encontramos também o edifício principal deste campus de justiça, o Palais de Justice, um bonito palácio que foi também, durante muito tempo, a residência principal dos reis franceses.


Sainte-Chapelle

Na envolvente deste complexo de edifícios judiciais encontramos uma das igrejas de referência da cidade, a Sainte-Chapelle.

A igreja é uma joia da arquitetura gótica e a sua nave principal é revestida por um conjunto imenso de vitrais que são uma preciosidade e que deverão ser observados pelo interior (só lá entrei numa das minhas visitas à cidade, mas não se pagava, dava para entrar, contemplar os vitrais e sair… agora já tudo se paga, já nem os fiéis podem entrar para rezar).

A Sainte-Chapelle foi construída no século XIII para guardar relíquias do martírio de Cristo, compostas pela Coroa de Espinhos e por um pedaço da Santa Cruz… registo apenas que já encontrei tantas igrejas a reclamar a posse de pedaços da cruz de Cristo, a chamada Vera Cruz, que imagino a cruz original com uma dimensão avassaladora, capaz de poder encaixar todos aqueles bocados.

Estas relíquias que aqui foram guardadas tinham mesmo sido compradas aos imperadores de Constantinopla, numa altura em que o rei francês, Luís IX, queria elevar a cidade como uma das capitais da cristandade. As relíquias custaram o triplo do valor da construção da igreja, supondo-se, por isso, que seriam mesmo genuínas... ou, neste caso, Jesuínas (perdão, não resisti, uma piada de mau gosto que, ainda por cima, já usei numa outra crónica falando de outras relíquias… ficam as minhas desculpas).

Apesar da igreja ter sido construída como um relicário, atualmente já não guarda nenhuma das relíquias que ali foram depositadas após a sua construção, uma vez que, aquelas que sobreviveram à Revolução Francesa, foram depositadas num outro relicário, concretamente no Tesouro da Catedral de Notre Dame (e confesso que não sei o que lhes terá acontecido na sequência do incêndio de 2019).



Catedral de Notre Dame

Na extremidade do lado Nascente da Île de la Cité fica a joia maior desta ilha, e uma das principais referências de toda a cidade, a Catedral de Notre Dame. Haveria tanta coisa por dizer sobre esta igreja que nem me atrevo, para evitar que o texto se torne pesado e massudo, por isso vou apenas fazer uma abordagem muito superficial.

Todas as minhas visitas à cidade tinham sido feitas antes do dia 15 de abril de 2019, quando aconteceu um terrível incêndio que feriu quase de morte o edifício da catedral, provocando graves danos no telhado e derrubando a agulha da torre principal… deixo esta referência sem mais comentários, apenas um silêncio que representa uma tremenda consternação. 

No meu regresso a Paris no ano de 2023 pude fazer a minha própria reflexão sobre o estado em que este monumento se encontrava e confesso que fiquei bastante animado. Pareceu-me que existe um ótimo plano de recuperação, e que toda aquela intervenção estará entregue em boas mãos... bons historiadores e restauradores de arte, mas também bons engenheiros e empreiteiros, que certamente recuperarão convenientemente este magnífico monumento.

A catedral é dedicada à Nossa Senhora e é quase um ex-líbris da cidade, tão bonita que é a sua fachada com as duas torres de 69 metros, mas também todo o restante edifício, cheio de pórticos e de gárgulas, numa arquitetura típica da construção gótica, aliás, trata-se de uma das catedrais góticas mais antigas do mundo, e certamente uma das mais interessantes.

A catedral foi construída entre 1163 e 1245 e tem sido quase a igreja oficial, primeiro da coroa francesa e depois do estado francês… e pelo meio serviu de palco a alguns acontecimentos importantes, como a coroação de Napoleão Bonaparte ou a beatificação de Joana D’Arc.

Visitei várias vezes o interior desta igreja, aliás, quase sempre que ia a Paris, na altura entrava-se sem pagar, como acontecia sempre nas igrejas, para não vedar o acesso aos fiéis… e os menos fiéis também podiam entrar. Foi assim que pude conhecer o interior da catedral, com a sua nave principal, colossal e muito bonita.
Só se pagava para subir a escadaria de acesso às torres do campanário, para contemplar a vista sobre a cidade e para poder ver de perto as gárgulas que ali existem… e que nos fazem lembrar que era também ali que vivia mítica figura, bem conhecida do imaginário de todos nós, do Corcunda de Notre Dame.


Quartier Latin

Saindo da Île de la Cité entramos no bairro que se desenvolve a Sul do Rio Sena, e que é chamado de Bairro Latino, constituindo uma marca importante na história da capital francesa, e de onde observamos uma vez mais a bonita e inconfundível silhueta da catedral de Notre Dame.

O Quartier Latin é um bairro muito antigo e deve o seu nome ao período medieval, quando os habitantes da zona eram estudantes que utilizavam o latim como forma de comunicação. Desde essa época que os estudantes deste bairro tiveram grande influência sobre toda a cidade de Paris e, durante vários séculos, promoveram movimentos estudantis de grande importância política, como o apoio à Revolução Francesa, ou a participação em ações da Resistência, na época da invasão Nazi ou, mais tarde, constituindo um dos principais centros de ação do Movimento do Maio de 68.

O local é também conhecido pela sua noite boémia, em que naquelas ruas e naqueles espaços passaram artistas, escritores, filósofos e outros intelectuais, mas também alguns políticos e conspiradores da história parisiense.

Mas o lastro histórico e cultural que ali foi deixado durante séculos já não será assim tão percetível aos dias de hoje, com a transformação deste espaço num importante polo turístico da cidade.

Atualmente, chegamos ao bairro pela rua marginal, o Quai Saint-Michel, vindos da Petit Pont ou da Pont Saint-Michel, e encontramos uma malha de ruas apertadas e encantadoras onde se forma o Bairro Latino. Essas ruas são atualmente autênticos spots turísticos, cheias de bares e restaurantes, onde se destacam a Rue de la Harpe, a Rue Saint-Séverin, a Rue Xavier Privas e, a mais importante, a Rue de la Huchette.


No final destas ruelas chegamos à Place Saint-Michel, que constitui o ponto de partida para toda esta zona que é chamada de Rive Gauche, e que inclui a margem esquerda do rio Sena, junto ao Quartier Latin, estendendo-se também pelo bairro de Saint-Germain-des-Prés.

Esta praça, onde nasce uma das principais avenidas da zona, o Boulevard Saint-Michele, continua a exibir restaurantes e cafeterias, mas aqui com amplas esplanadas que ocupam parte dos passeios, e inclui ainda uma fonte monumental do século XIX, com a figura do Arcanjo Miguel vencendo uma luta contra uma representação do diabo, a Fontaine Saint-Michel.


Saindo depois desta zona junto ao rio subindo o Boulevard Saint-Michele, vamos encontrando vários quarteirões com edifícios clássicos e monumentais, que são a imagem de todo o bairro, até chegarmos ao complexo da mais importante universidade parisiense, a Sorbonne.


Universidade Sorbonne

Trata-se da principal universidade francesa e a terceira universidade mais antiga da Europa (depois de Bolonha e Oxford), com uma origem que remonta ao século XIII, embora tenha sido recentemente reconfigurada, após a fusão da antiga Sorbonne com a, também prestigiada, Universidade Pierre e Marie Curie.

A sua designação, ainda como Collège de la Sorbonne, fica-se a dever o seu fundador, Robert de Sorbon, antigo capelão e confessor de Saint Louis, um famoso rei de França, o que fez com que a universidade tenha nascido apenas para estudos de teologia, e assim continuou durante séculos, até à Revolução Francesa.

Chegou a ter alguns alunos ilustres neste período, como Cardeal Richelieu, já no início do século XVII, e que, mais tarde, chegou mesmo a ser o seu diretor, e responsável pela sua principal renovação e ampliação, através de um ambicioso programa de reforma da faculdade, quando os seus edifícios se encontravam já em péssimo estado de conservação.

Richelieu acrescentou quatro novos pavilhões, mas todos eles vieram a ser posteriormente substituídos, na verdade, o único monumento que ainda resta da Sorbonne de Richelieu, é a capela universitária, que é ainda uma das suas principais imagens na atualidade.
No decurso da Revolução Francesa, no ano de 1791, a universidade foi fechada durante alguns anos e transformada apenas num atelier para artistas. Pouco depois, em 1806, Napoleão reorganizou o sistema de ensino superior francês, chamado de Universidade Imperial, e a Sorbonne adquiriu aí uma importância especial.

Mas só mais tarde, a nova Sorbonne veio a obter a importância e prestígio que tem atualmente, constituindo o principal símbolo da academia francesa em todo o mundo. A reconstrução e reabilitação de todo o edificado levou ao conjunto de prédios de arquitetura clássica e monumental que encontramos ao longo das ruas que delimitam o espaço ocupado pela universidade, a Rue de la Sorbonne e a Rue des Écoles.


Panthéon

O Panteão de Paris foi construído no ano de 1790 e foi o primeiro monumento importante da capital francesa. A sua arquitetura tornou-se uma marca especial, seguindo um estilo que combina os traços da arquitetura gótica com a imagem majestosa do estilo grego.

Ao longo da sua história o Panteão chegou a desempenhar funções com fins religiosos, mas, mais tarde, coincidindo com o funeral de Victor Hugo, o Panteão foi convertido num espaço destinado a abrigar os túmulos das personalidades francesas mais ilustres.

Nunca visitei o interior do edifício, mas sei que é bastante impressionante, desde logo pela sua cripta, com um lastro histórico incrível, contendo atualmente os túmulos de pessoas tão famosas como Voltaire, Rousseau, Victor Hugo, Marie Curie, Louis Braille, Jean Monnet ou Alexandre Dumas… uma extraordinária galeria de notáveis.

Mas mesmo o exterior do edifício não deixa de ser suficientemente interessante para justificar uma visita, sobretudo pela imensa cúpula, monumental e imponente, com 83 metros de altura e rodeada por um conjunto de colunas coríntias.



Jardin du Luxemburg

No início do século XVII, no reinado de Henrique IV, chega à corte francesa uma nova rainha consorte, por via do segundo casamento do rei, a italiana Maria de Médici. Descendente da principal família da nobreza italiana, a nova rainha trazia ideias de realizar um palácio em Paris, ao melhor estilo italiano, que lhe permitisse sair da residência real que, naquela época, era o Palácio do Louvre.

Foi assim que foram mandados construir, quer o imenso Jardin du Luxemburg quer o seu Palácio, para onde a família real se mudou no ano de 1617. Para além da beleza dos espaços ajardinados, a principal atração deste parque é, sem dúvida, a imagem colossal do magnifico Palais du Luxembourg, ao estilo dos palácios do Vale do Loire.
Mas este Palácio não iria ter uma vida fácil. Com a Revolução Francesa foi ocupado pelos revoltosos e acabou por ser utilizado como prisão e, mais tarde, durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial, o Palácio foi utilizado como quartel pelos nazis, que construíram um bunker em pleno jardim. 

Atualmente o Palácio é utilizado como sede do Senado francês e os Jardins de Luxemburgo são um dos lugares mais populares da cidade, tanto para os parisienses como para os turistas.

Em frente da fachada principal do Palácio encontra-se um imenso lago, em torno do qual os visitantes costumam permanecer, muitas vezes utilizando as várias cadeiras metálicas que ali existem e que são uma marca destes jardins.



L’Odéon e Saint-Germain-des-Prés

Logo à saída dos Jardins do Luxemburgo pelo portão do lado Norte, junto ao Palácio, encontramos o edifício monumental do Teatro Odéon, cuja fachada principal se encontra na Place d’Odeón, uma praça distinta pelo seu formato em semicírculo.

O teatro, de estilo italiano, e com uma fachada neoclássica, é um dos seis teatros nacionais de França e foi inaugurado em 1782 pela rainha Maria Antonieta, com o nome de Théâtre de l'Odéon. Ao longo da sua história foi incendiado duas vezes e foi ocupado na rebelião do Maio de 68. Mais recentemente, em 1990, foi rebatizado com o nome atual de Odéon-Théâtre de l'Europe.
É nesta zona fica a fronteira entre o Cartier Latin e o bairro de Saint-Germain-des-Prés. Trata-se de mais um bairro histórico que se desenvolveu em torno de uma antiga Abadia, da Idade Média, onde hoje se encontra a igreja de Saint-Germain-des-Prés, e por onde passa a principal rua deste bairro, o Boulevard de Saint-Germain.

Desde sempre, e tal como o seu vizinho Cartier Latin, este bairro encontra-se ligado à vida intelectual da cidade, com grande presença de livrarias, alfarrabistas e cafés literários, que foram frequentados pelos grandes vultos da cultura francesa ao longo de várias gerações, atravessando os momentos cruciais da história da cidade, como a revolução francesa, a invasão nazi durante a segunda guerra mundial ou, mais recentemente, o movimento do Maio de 68.

Assim, ao sairmos da praça do Teatro Odéon, já estávamos nas ruas de Saint-Germain-des-Prés, neste caso seguindo o rumo que nos levou até à Igreja Saint-Sulpice. Trata-se de uma igreja enorme que tem a particularidade, quase misteriosa, de conter um instrumento de medição astronómica, instalado em 1727, mas que continua ainda a funcionar como um relógio de sol - graças a um jogo de luz entre uma lente e um obelisco - e que permite conhecer as datas dos solstícios e equinócios. Este instrumento está associado a lendas fantasiosas, o que faz com que esta igreja tenha sido mencionada na trama do Código Da Vinci, de Dan Brown.
O bairro desenvolve-se até ao rio Sena e ocupa toda a margem esquerda em frente ao Louvre e às Tulherias, incluindo, por exemplo, a zona do Museu D’Orsay. São muitas as ruas que podemos apreciar ao longo do bairro, sempre orientadas pelos seus eixos principais, o Boulevard Raspail e, principalmente, o Boulevard de Saint-Germain, onde somos surpreendidos por bonitos edifícios, alguns deles com traços evidentes da arquitetura da Belle Époque, e ainda pela imagem quase omnipresente, da torre de Montparnasse, visível à distância, já para lá dos limites deste bairro.


Já em pleno Boulevard de Saint-Germain, além dos edifícios clássicos, que continuam sempre a aparecer, encontramos também alguns dos chamados cafés literários que, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, acolhiam grande parte dos intelectuais parisienses, com nomes como Boris Vian, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Juliette Gréco, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Alberto Giacometti e tantos outros filósofos, escritores, cineastas, atores e músicos.

Desses cafés destacam-se dois deles, o Café de Flore e Café des Deux Magots, nos quais já não encontramos o lastro cultural de outros tempos, mas muito mais a presença de turistas, embora alguns jornalistas e políticos sejam ainda assíduos frequentadores. Os dois cafés estão muito próximos um do outro, junto à praça da Igreja de Saint-Germain-des-Prés.

Quanto à igreja foi uma grande surpresa, quando olhamos do lado de fora a Paróquia de Saint-Germain-des-Prés parece uma capela simples e modesta, mas quando entramos ficamos encantados com a beleza da sua decoração interior, sobretudo pelos tons azulados e as pinturas que forram as suas paredes e abóbodas, numa imagem bastante singular.

Esta igreja é datada do ano de 543 e é a mais antiga de Paris. Testemunhou todos os eventos da história da cidade, e foi várias vezes destruída e depois sempre reconstruída e restaurada, até aos dias de hoje em que a podemos visitar e apreciar toda a sua beleza.

Continuando depois pelo o Boulevard Saint-German, voltamos de novo a entrar no Cartier Latin, já na proximidade do outro Boulevard desta zona, o Saint-Michele, e voltamos a encontrar as esplanadas amplas de cafés e restaurantes que ocupam os passeios.

         
Mas o traço mais comum do Quartier Latin é a imagem das suas ruas apertadas cheias de restaurantes e cafetarias, sempre apinhadas de gente, ainda hoje como durante a sua história de séculos, à época frequentadas por intelectuais e artistas, pensadores e revolucionários, dos quais hoje pouco conseguimos encontrar, tendo sido substituídos pelos muitos turistas que por ali andam.

Ainda nesta zona existem também alguns espaços especiais que nos fazem rumar ao passado, como o Café Le Procope, um restaurante inaugurado em 1686, que é considerado o mais antigo restaurante em todo o mundo, que ainda se encontra em atividade. O Le Procope, para além de um restaurante, é também um marco da história e da cultura da cidade de Paris.

Em tempos, tive o privilégio de jantar neste espaço que me pareceu, à época, quase um expositor da história da cidade. A experiência é requintada, talvez até em excesso, mas não se pode pensar que estamos apenas num café ou restaurante. Aquele jantar, numa noite de Inverno de 1996, foi muito para além de uma experiência gastronómica fantástica, que me levou a provar diferentes lotes de ostras, com vinhos brancos, que iam chegando à mesa na sequência apropriada a cada fase da degustação. Isso é muito bom - claro que é - mas neste restaurante não é isso que mais impressiona.

O que mais me marcou foi a possibilidade de usufruir de um ambiente impregnado da história e cultura parisienses, que se respira em cada sala e em cada recanto. Percebe-se, pelas fotos e outras referências, que o espaço foi frequentado por grandes vultos das épocas mais marcantes da história francesa, como Napoleão Bonaparte e por outras figuras ilustres do período da Révolution Française. Mas o Le Procope está também associado ao conceito dos chamados cafés literários (como acontece com o nosso Martinho da Arcada), com a presença registada de alguns dos mais ilustres escritores, dramaturgos e pensadores franceses, como Molière, Voltaire ou Honoré de Balzac e, já mais tarde, na segunda metade do século XX, o Procope era o local preferido para as tertúlias entre intelectuais parisienses, como Simone de Beauvoir ou Jean-Paul Sartre.

Quando penso nesta experiência recordo sempre, com muita emoção, o privilégio de poder respirar um ambiente impregnado de um lastro histórico e cultural incalculável... mas também não deixo de me emocionar ao recordar os deliciosos crêpes flambées au grand marnier.


A noite na Rive Gauche

Foram vários os serões que passei nesta zona da cidade, e foram muitas as vezes em que aqui jantei, permanecendo depois pela noite dentro.

Depois de jantar, qualquer que seja o restaurante escolhido, impõe-se um passeio pelas ruas, com a possibilidade de uma pequena aventura, neste caso, em busca de uma noite de dança… o que, para mim, é algo bastante inusitado. Mas o lugar é especial e o ambiente é fantástico e, por isso, até repeti esta façanha um par de vezes.

Há que ir até à rue de la Huchette, bem próxima da margem esquerda do Sena, para uma visita à cave do nº 5, o Le Caveau de la Huchette.
Trata-se de um clube de Jazz que recria um ambiente, quase autêntico, dos anos 50, com uma banda a tocar um som ritmado e bem dançável, e com o salão cheio de dançarinos, que vão ensaiando os seus melhores passos de dança, embalados pelos ritmos contagiantes do swing.

O ambiente é giríssimo, funciona como nos antigos salões de baile, com os homens a procurarem as suas parceiras em plena pista de dança nos intervalos das músicas… muito old school. E até eu, que tenho uns pezinhos para dançar que mais parecem duas mesinhas de cabeceira, lá me fiz à vida e também dei o meu pé-de-dança… terá sido uma noite muito má para aquele clube! Mas a experiência foi fantástica.
Para terminar o serão não há melhor do que um longo passeio pela margem esquerda do rio, até à Pont des Arts. Passear pelas margens do Sena é sempre uma experiência encantadora, mas, naquela zona e durante a noite, a paisagem revela-se ainda mais bonita, com as imagens dos edifícios iluminados da Île de la Cité... e a grande catedral, sempre presente, sempre dominante.
Logo depois passamos pela Pont Neuf, que atravessa em simultâneo os dois ramos do rio que ali se formam, exatamente sobre o limite da ilha.

Mais à frente atingimos uma das pontes mais icónicas da cidade, a Pont des Arts, uma passagem pedonal que atravessa o rio levando-nos do Institut de France até ao pátio central do Louvre. Trata-se uma ponte metálica muito bonita, que foi construída no início do século XIX, durante o regime de Napoleão, e foi mais tarde reconstruída, já nos anos 80 do século passado.

Nos últimos anos a ponte transformou-se num local de concentração de jovens, que por ali ficam, pela noite fora, sentados no pavimento de madeira, só à conversa, ou tocando viola e cantando, e - claro - sempre bebendo e fumando, sabe-se lá o quê.
Os guarda-corpos desta ponte metálica foram sendo preenchidos com milhares dos chamados “cadeados do amor”, num gesto escolhido por muitos casais de namorados para selar a sua paixão, prendendo à ponte um cadeado que simboliza a ligação entre eles e deitando depois a chave ao rio, garantindo, dessa forma, que essa ligação jamais se irá romper… mas é bom que não confiem apenas nos cadeados e façam mais alguma coisa no dia-a-dia para manter a relação forte e unida - digo eu.
Mais recentemente, por motivos de segurança (tanto da própria ponte como dos barcos que passam por baixo) os cadeados foram retirados e lá se foram as juras de amor eterno.

Mas com cadeados ou sem eles, esta ponte será sempre um local fantástico para passarmos a parte final do serão, terminando assim este percurso pela Rive Gauche parisiense.