domingo, 16 de abril de 2023

Château de Chenonceau


O próximo castelo, que é, na minha opinião, o mais interessante de todos os que visitámos, chama-se Château Chenonceau e fica localizado conforme se assinala no mesmo mapa desta região do Loire:
 
O Château de Chenonceau é apelidado de "Château das Damas" pois, ao longo da sua história, houve um conjunto de mulheres que foram determinantes na vida deste palácio.

Trata-se de um edifício lindíssimo e um dos castelos mais majestosos do vale do Loire, incorporando a elegância do estilo renascentista, mas com o pormenor de atravessar todo o leito do rio Cher, um afluente do Loire, através dos arcos de fundação de uma antiga ponte, sobre a qual foi depois construída uma ala do castelo, formando um conjunto particularmente bonito.
Depois do estacionamento e das bilheteiras (desta vez o preço era de €15, só com a brochura, ou €19, com áudio-guia), o acesso ao castelo é feito por um imenso espaço ajardinado, com uma alameda principal ladeada por um imenso arvoredo e, mais à frente, passámos ainda por alguns canais… um conjunto que dá a toda esta zona uma beleza muito particular.

Ao chegarmos ao castelo vamos encontrar a imensa Torre dos Marques, logo seguida do edifício principal do palácio.
E mal chegámos, entrámos logo no castelo, só mais tarde voltaríamos a sair para apreciar devidamente as suas belíssimas fachadas.

Como já mencionei noutras crónicas deste blogue, não costumo apreciar particularmente o interior de palácios e palacetes, mas confesso que, aqui, foi bem diferente, pois só com a visita ao castelo se pode conhecer a história riquíssima que ali foi vivida, e que faz com que este edifício seja conhecido como o Château das Damas, ou mesmo, o Château das Sete Damas.

E será acompanhando a história de cada uma dessas sete mulheres que vos vou aqui contar a própria história do Château Chenonceau:


Katherine Briçonnet (1494-1526)


Katherine Briçonnet e o seu marido, Thomas Bohier, compraram este local em 1512 para construir um château renascentista. Para tal, o antigo castelo fortificado, pertencente à família Marques, foi quase todo demolido, à exceção do torreão, que é chamado de Torre dos Marques.

Como tesoureiro do reino das guerras que decorriam em Itália, Thomas Bohier estava frequentemente fora de casa e, na sua ausência, era a mulher, Katherine, que supervisionava os trabalhos de construção. Nessa fase ela teve que fazer várias escolhas arquitetónicas significativas, como, por exemplo, a inclusão de torres no edifício, ou a definição do design da escada principal, que ela concebeu com um formato que pudesse aproveitar a luz das aberturas e as vistas para o rio Cher.

Podemos considerar que Katherine foi assim a primeira arquiteta deste palácio, tomando as principais decisões sobre a conceção de uma parte das belas fachadas que ainda hoje ali encontramos, sabendo-se que, na altura, ainda não existisse a ala Sul, que atravessa o rio, e que só foi construída mais tarde.
No entanto, em 1524, Thomas Bohier haveria de morrer em Itália e a mulher acabou por resistir apenas mais dois anos após a sua morte, terminando assim a presença desta senhora que foi das mais importantes na história de Chenonceau, contribuindo decisivamente para a construção deste bonito château.

Os portões principais do palácio ostentam ainda o brasão de Thomas, à esquerda, e o de Katherine, à direita.

O castelo permaneceu na família Bohier pela geração seguinte até que, em 1535, o rei François I o confiscou a Antoine II Bohier, o filho e herdeiro de Thomas e Katherine, por dívidas não pagas, e o incorporou na Fazenda da Coroa Francesa.

Mal sabia Katherine que a sua importância na criação deste castelo era apenas um primeiro passo que iria ser replicado por mais uma série de mulheres extraordinárias que haveriam de fazer de Chenonceau o seu lar, ao longo dos séculos seguintes.


Diane de Poitiers (1499-1566)


A partir do momento em que o palácio passou a fazer parte da Fazenda da Coroa, passou a ser propriedade de cada um dos reis franceses. Foi assim que o rei Henrique II decidiu oferecê-lo à sua amante Diane de Poitiers, não só com direito de utilização, mas também com direito de posse (foi esta decisão do rei, na altura altamente contestada, que viria a retirar este castelo da lista de propriedades da Coroa, o que o veio a salvar mais tarde, durante a Revolução Francesa, quando a maioria dos castelos e palácio reais, foram saqueados e destruídos).

Diane fez parte de um dos triângulos amorosos mais embaraçosos da história, quando Henrique II, ainda príncipe, impôs a presença da amante nos mesmos aposentos em que vivia a sua esposa, Catarina de Médici.

Diane era uma nobre respeitada, bem-educada, que aprendia latim e grego, mas era também uma desportista e uma caçadora, algo pouco comum naquela época, e talvez tenha sido isso que atraiu o rei… ou talvez fosse o facto da esposa legítima, Catarina, não ser particularmente bonita, aliás, muito pelo contrário, a ver pelas ilustrações da época.

Era uma mulher mais velha 20 anos do que o rei, que conhecia desde pequeno, quando era dama de companhia da realeza, mas apesar dessa diferença de idade, foi-se desenvolvendo um vínculo estreito entre os dois, que viria a perdurar até um deles morrer.

A presença da esposa legítima, também ela 20 anos mais nova do que Diane, não alterou a relação entre o rei e a sua amante, tendo sido vivida uma ménage à trois perfeitamente assumida. E dessa relação a três, não havia qualquer dúvida que o grande amor da vida do rei Henri II, era Diane, que ele considerava como uma deusa... numa alusão simbólica ao seu próprio nome de Diana, que, na mitologia romana, era a Deusa da caça, da fertilidade e da lua.
 
E a existência desta paixão arrebatadora entre Diane e Henri, faz com que a história que foi vivida neste palácio, embora possa parecer uma traição terrível e inaceitável, na verdade, foi sobretudo uma lindíssima história de amor entre dois amantes que se mantiveram juntos até ao fim, apesar das pressões exercidas pela corte, para que se separassem.

Uma das provas assumidas desta ligação amorosa, é o brasão que encontramos no palácio, e que combina dissimuladamente as iniciais de Diane e Henri.
Após a morte de Francisco I em 1547, Henrique II foi coroado rei e ofereceu o Castelo de Chenonceau como presente à sua amante Diane… mas foi a entrega das Joias Reais a Diane, também dadas como presente, que mais irritou Catarina de Medici, que era agora rainha de França.

Já na posse do palácio, Diane pôde então fazer algumas adaptações no edifício para tirar um maior usufruto. A alteração mais importante foi a construção de uma ponte fundada em arcos que atravessava o rio Cher, dando acesso à margem oposta, por onde Diane saía a cavalo a caminho das suas caçadas.

A ponte é hoje o piso inferior da ala Sul do palácio, mantendo os seus arcos sobre o rio.
Além disso, Diane mandou transformar a cozinha do palácio, que funciona na cave, onde ela entregava os animais que trazia das caçadas. Criou também uma escada exterior encostada à cozinha, que era usada para a entrega dos mantimentos que chegavam de barco, mas que ela aproveitava também para sair do castelo entrando diretamente no rio, onde gostava de nadar completamente nua.
Outra importante referência a Diane é o seu quarto, um aposento posicionado de forma a facilitar o acesso do rei com toda a privacidade... ao contrário do quarto da rainha, que estava mais distante e que ele frequentava muito menos vezes, apesar dos 10 filhos que tiveram juntos.
Um outro símbolo de Diane neste castelo é o seu jardim, o magnífico Jardin de Diane de Poitiers, oferecido pelo rei, mas criado por ela em estilo italiano, deixando bem claro quem é que era a favorita naquele palácio, pois é muito maior do que o da rainha, o Jardin de Catherine de Médicis, tornando-se até numa declaração pública do poder de que Diane dispunha.

Apesar da oferta da propriedade a Diane ter sido feita em 1547, o Château de Chenonceau ainda permaneceu na Coroa até 1555, quando, após oito anos de intrigas legais e políticas, veio a ser formalmente entregue à amante do rei. Mas, até lá, e após a morte do rei, Diane foi mesmo expulsa do seu próprio castelo pela rainha.

Diane de Poitiers morreu em 25 de abril de 1566 devido ao envenenamento por ouro… bebia todas as manhãs um elixir que continha uma alta concentração de ouro, conhecido na época por desacelerar o envelhecimento.


Catherine de Médici (1519-1589)


Catarina era uma descendente dos Médici, uma das famílias reais italianas, e herdeira de uma enorme fortuna, quando foi prometida ao príncipe Henri II, o que levou a um casamento quando ambos tinham apenas 14 anos, mas com a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, seria rainha de França.

E assim foi, e não só rainha como mãe de 10 príncipes da coroa francesa, e um deles seria mesmo o futuro rei Henri III.

Mas durante a sua vida Catarina haveria de ser, primeiro princesa e, depois, já rainha, a mais maltratada da história… não é que todos os reis não tivessem assumidamente amantes. O problema é que esta teve de enfrentar uma amante que vivia nos seus próprios aposentos, onde o rei lhe dava privilégios a que ela não tinha direito.

Por isso imagina-se que terá vivido uma vida de revolta, por não ser a preferida, apesar de ser ela a esposa legítima.

E assim, só depois do rei ter morrido em 1559, após um acidente com uma lança, Catarina pôde finalmente pôr a sua vingança em prática, expulsando do palácio a Diane caçadora, e amante do seu falecido marido, e rapidamente instalou o seu filho como autoridade maior do castelo de Chenonceau.

Apesar de Diane ser a proprietária do castelo, haveria de demorar oito anos até esse direito lhe ser concedido e foi mesmo expulsa. Mas como Catarina receava que Diane recuperasse o seu direito à posse do castelo, negociou com ela a troca de Chenonceau pelo Château Chaumont… e aproveitou ainda essa negociação para recuperar as Joias Reais.

Nessa atura Catarina ordenou a construção de uma nova ala do edifício que cresceu sobre a ponte que havia sido mandada construir por Diane, conforme representado no esquema seguinte, que mostra as três fases da vida do castelo, sendo a última a que encontramos atualmente.

Catarina ficou algum tempo como rainha regente até à coroação do seu filho, Henri III, e fez deste palácio o centro de governação. Aproveitou, entretanto, para fazer diversas obras de melhoramentos, tendo transformado o castelo num espaço muito popular na corte, onde ela organizava grandes festas.

No interior encontramos ainda hoje o reflexo da presença de Catarina, desta fase, depois da saída de Diane. Desde logo o seu próprio quarto, mas também o quarto das suas cinco filhas, conhecido por Chambre des Cinq-Reines… ambos fazem ainda parte dos cómodos visitáveis.

Depois temos também o seu jardim, que ela redecorou tornando-o equivalente ao jardim de Diane, não em dimensão, mas em requinte.

Mas o mais relevante que Catarina deixou, foi a nova ala do edifício e a grande Galeria Catarina de Médici, que ocupa todo o primeiro piso, exatamente onde existia o anterior tabuleiro da ponte.



Louise de Lorraine (1553-1601)


Com a morte de Catarina, em 1589, o château passou para a sua nora, Louise de Lorraine, esposa do Rei Henrique III.

Apesar de ser uma das sete damas do castelo, Louise de Lorraine teve pouco tempo para deixar a sua marca em Chenonceau, pois o seu marido foi assassinado oito meses após ter recebido o castelo como herança.

Com a dor pela perda do marido, Louise refugiou-se no castelo, vestiu-se de branco, a cor do luto segundo a etiqueta da corte, e caiu num estado de profunda depressão.

Inconsolável, mandou pintar o teto do seu quarto de preto e branco, forrou as paredes com tapeçarias escuras e com símbolos de luto, tristeza e morte, e manteve este quaro com as janelas fechadas, numa imensa escuridão, onde passava a maior parte do tempo.
Sempre que aparecia vinha de luto serrado, ou seja, vestida de branco, e por isso ganhou o nome de la Reine Blanche (a Rainha Branca). Até ao final da sua vida juntou-se a grupos de freiras e dedicou-se à oração e ao trabalho de caridade.

A sua morte marcou o fim da presença real em Chenonceau, que entrou num período de decadência por mais de um século, durante o qual, grande parte do seu recheio foi vendido, com muitos itens a serem levados para Versalhes.


Louise Dupin (1706-1799)


Em 1777 o castelo foi comprado por Claude Dupin, marido de Louise Dupin, senhora do iluminismo, que acolheu em Chenonceau os maiores estudiosos, filósofos e académicos de França.

Louise restaurou Château de Chenonceau e devolveu-lhe o seu antigo esplendor, com novos móveis e novas decorações, incluindo este quarto chamado de Salão Luis XIV.
Louise Dupin passava todo o tempo com os seus amigos do mundo das finanças e da elite intelectual, da literatura, artes e ciências, incluindo alguns intelectuais importantes como Voltaire, Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau. Rousseau tornou-se mesmo secretário de Louise e tutor de seu filho.

Esta excecional mulher foi mesmo a primeira a redigir um Código dos Direitos da Mulher, e foi a responsável por um período distinto neste palácio, em que foi privilegiado o conhecimento e as artes.


Marguerite Pelouze (1836-1928)


Mais uma senhora deste castelo, esta muito colorida nas suas relações, o que veio a dar origem a um escândalo financeiro que levou à renúncia do presidente da república francesa.

Marguerite nasceu numa família muito rica, em que o pai, Daniel Wilson Senior, fazia fortuna instalando iluminação a gás em toda a cidade de Paris.

Com a morte dos pais, utilizou a herança na compra de Chenonceau, e decidiu restaurar todo o palácio, seguindo a mesma tendência que tinha acontecido há vários séculos, com as anteriores proprietárias… especialmente Diane e Catarina, as mais empreendedoras.

Gastou assim uma fortuna no restauro, repondo e redecorando as salas, quartos e a cozinha, dando-lhe o aspeto semelhante ao que encontramos atualmente, durante a nossa visita.

No entanto, a presença desta mulher no castelo veio a terminar mal, na sequência de um obscuro caso político e financeiro, que envolveu o quarto presidente da República Francesa, Jules Grévy, de quem Marguerite se tornou amante, juntamente com uma fraude cometida pelo irmão de Marguerite em pleno Palácio do Eliseu. Este escândalo político causou a queda daquele presidente, e levou à falência da proprietária de Chenonceau, apesar da sua fortuna colossal, obrigando-a a vendê-lo em 1888… inscrevendo assim uma página negra na reputação deste extraordinário castelo.


Simone Menier (1881-1972)


Em 1913, o château passou finalmente para os seus atuais proprietários, ao ser comprado por George Menier, da família Menier, detentores de uma enorme fortuna construída em torno do negócio do chocolate.

Durante a Primeira Guerra Mundial permitiram que Chenonceau se tornasse num hospital para os soldados feridos, com a Galeria de Catarina de Médici convertida numa enfermaria com 120 camas e um centro cirúrgico.

Simone Menier, a mulher de George, que era enfermeira, dirigia o hospital de campanha com o seu marido, enquanto a Menier Chocolate Company suportava todas as despesas.

Mais de 2.000 soldados foram aqui tratados, e há ainda hoje uma placa na Galeria que faz referência ao Hospital Militar de Chenonceau, numa homenagem aos soldados que por ali passaram e às enfermeiras que lá trabalharam.
Na Segunda Guerra Mundial, Chenonceau estava novamente no meio da confusão. O rio Cher formava a linha divisória entre a França controlada pelos nazis e a França livre, em que os alemães controlavam a margem a Norte da ponte, enquanto que a margem do lado do palácio era dominada pelos franceses.

Os nazis estavam constantemente a patrulhar o rio para impedir que as pessoas o cruzassem, no entanto, Simone Menier conseguiu ajudar vários judeus e moradores franceses a escapar, destrancando as portas da Galeria sempre que as patrulhas estavam fora do alcance da vista. Assim, estes fugitivos atravessavam o rio pela galeria do castelo e não eram apanhados pelos nazis, que estavam focados nas águas do rio.

No final de tantos séculos de uma história riquíssima, nada melhor do que associar este castelo a atos de bravura e solidariedade, como estes. Simone Menier arriscou a sua própria vida, mas conseguiu salvar várias vidas, permitindo a fuga de uma captura fatal pelas tropas alemãs.

Já depois do fim da guerra, em 1951, a família Menier restaurou o castelo e os seus jardins, devastados por umas cheias que ocorreram em 1940, e também pelos efeitos da Segunda Guerra… trazendo este castelo de volta à sua antiga glória.


À saída passámos ainda pelos jardins, para observarmos mais de perto a riqueza da decoração de cada um deles, e para explorar um outro jardim, o chamada labirinto, onde nos podemos divertir um pouco a tentar encontrar o caminho de saída.

Ainda nessa zona dos extensos jardins vamos poder contemplar uma última vez a magnífica silhueta do belíssimo Château de Chenonceau.


O Château de Chenonceau será certamente um dos mais bonitos de todos os castelos do Vale do Loire, mas aquilo que mais o diferencia, não é apenas a beleza das suas fachadas, mas, sobretudo, a riqueza da sua história, que aqui tentei contar resumidamente, e que está ligada de forma decisiva ao papel desempenhado por sete das suas ilustres proprietárias que construíram, ampliaram, embelezaram, restauraram e até salvaram este castelo, o que esteve na origem do nome atribuído de Château das Damas, ou Château das Sete Damas.


Carlos Prestes