Vernon
Fizemos a primeira paragem na pequena cidade de Vernon, uma terrinha encantadora, aninhada nas margens do Sena e com um belíssimo património.
A sua principal referência é a Igreja colegiada da Notre-Dame, listada como monumento histórico, foi construída ao longo de vários anos, entre os séculos XI e XVI, e combina os estilos românico e gótico.
A principal riqueza desta igreja é a sua torre, contruída no século XIII, e a sua fachada do século XV, mas encontramos também outras preciosidades, como os modernos vitrais ou uma caixa de órgão de madeira esculpida.
Além de ocupar a principal praça de Vernon, a Igreja de Notre-Dame é ainda visível de outros locais, marcando a paisagem de forma dominante, como quando a avistamos ao atravessarmos a ponte sobre o Sena que nos leva até ao centro histórico, com a sua silhueta que se destaca de todos os telhados das casas velhas que a envolvem.
Logo ao lado da igreja começamos a encontrar as antigas casas do século XV, neste caso trata-se da Maison du Temps Jadis, um antigo café que abriga hoje o Centro de Visitantes de Vernon, e é uma de várias casas de enxaimel desta cidade.
As casas de enxaimel têm as fachadas com ripas de madeira visíveis, com um aspeto marcadamente medieval, e que dão um ar pitoresco aos centros históricos que vamos encontrar por toda a Normandia, e não só.
Nestas ruas velhas de Vernon encontrámos várias casas que parecem ter saído diretamente da Idade Média, apesar deste centro da cidade ter sido bombardeado na chamada batalha da Normandia, após o desembarque das tropas aliadas. Mas devido a permanentes trabalhos de reabilitação e restauro, estas ruas e estas casas mantêm as portas antigas de madeira entalhada, os letreiros das lojas em ferro forjado, os caminhos de paralelepípedos e, claro, a suas fachadas em enxaimel... num conjunto que chega a ser encantador.
As ruas mais interessantes do centro histórico ficam na envolvente da igreja e não precisamos sequer procurá-las, porque as encontramos com facilidade por toda a cidade velha, uma vez que se contam ainda mais de 200 casas de enxaimel espalhadas pelas antigas ruas.
Mas ao voltarmos de novo à principal praça, a Place Hôtel de Ville, aquela onde fica a igreja de Nossa Senhora, encontrámos também o Palácio da Câmara Municipal, mais um importante edifício histórico. Foi construído no final do século XIX em estilo neoclássico e está voltado para a igreja, formando um conjunto muito interessante.
Na época da sua construção o Presidente da Câmara fez questão de que a torre sineira fosse mais alta do que a da igreja, para mostrar quem mandava ali, numa época de grande rivalidade entre o poder religioso e o poder civil.
Na parte de trás existe um belo vitral que mostra o Rei Saint-Louis recebendo três cachos de agrião na sua chegada a Vernon, sendo que o brasão da cidade tem origem nesta história.
Além da praça principal e das ruas da cidade velha com as típicas casas de enxaimel, encontramos ainda no centro da cidade, a chamada Torre dos Arquivos. Trata-se de um resquício do antigo castelo de Vernon, que remonta ao século XII. Já mais recentemente, no século XIX, esta torre passou a ser utilizada para guardar os arquivos da cidade, função que se mantém até à atualidade. O seu interior está quase sempre interditado ao público, à exceção do dia do património, o Heritage Day, no terceiro fim de semana de setembro, quando o acesso ao interior é permitido, oferecendo vistas desde o topo da torre a quem queira subir por uma escadaria de 100 degraus.
Saindo agora do centro histórico e atravessando a ponte sobre o Sena, chegamos à margem oposta, onde vamos encontrar o Castelo de Tourelles.
O castelo Tourelles (que significa torres) foi construído em 1196 por Philippe Augustus para defender a antiga ponte que dava acesso à cidade. Esta fortaleza é formada por quatro torres periféricas e uma torre de menagem central, formando um bonito conjunto, tanto pelo próprio castelo como pela sua envolvente, formada por um campo relvado junto ao Sena.
Nessa mesma margem direita do rio, junto ao Castelo de Tourelles, está aquela que é a mais bonita da atrações da cidade de Vernon, o Moinho da Antiga Ponte Medieval.
A antiga ponte, chamada de ponte Clemenceau, encontra-se completamente destruída, porém, continua a ser visível o antigo moinho de enxaimel do século XVI, que está ainda apoiado sobre o que resta dos pilares daquela ponte medieval.
O conjunto que ali encontramos é de uma beleza extraordinária, numa envolvente marcadamente romântica… não é por acaso que este moinho tenha sido imortalizado pelo famoso pintor Claude Monet, através de uma das suas pinturas.
Terminámos em beleza naquele que é o local mais aprazível de toda a cidade de Vernon, lembrando a obra de Monet... e foi justamente em torno da vida e da obra deste pintor impressionista que iriamos prosseguir a nossa viagem.
Giverny
Depois de um trajeto de carro de apenas cinco minutos chegámos à pequena aldeia Giverny, onde fomos visitar o Museu Casa e Jardim de Claude Monet. Trata-se de uma bonita casa onde Claude Monet, um dos mestres do impressionismo, viveu grande parte da sua vida, e que se encontra rodeada por um jardim lindíssimo, que foi usado por como fonte de inspiração para muitas das pinturas do mestre, encontrando-se algumas referências nestes espaços que foram retratadas nas suas pinturas, como é o caso dos Nenúfares, que constituem uma das suas obras mais importantes.
Claude Monet cresceu em Le Havre, na Normandia, onde ganhou uma reputação como pintor de paisagens. No início da sua carreira, em 1862, estudou pintura em Paris onde se decidiu concentrar no chamado método en plein air, um processo de pintura ao ar livre.
Depois disso, ainda viveu brevemente em Londres, regressando de novo a Paris, até se estabelecer definitivamente em Giverny, uma pequena povoação localizada nas margens do rio Sena, a cerca de 70 km da capital francesa, onde criou os seus jardins em torno de uma bonita casa onde iria viver o resto da sua vida.
Foi nesta casa que Monet iria viver e pintar durante 43 anos, com a sua mulher e os seus filhos, até à sua morte em 1926.
Dez anos depois de se mudar para aqui, o artista decidiu criar um jardim aquático com influência asiática. Para conseguir criar a aparência exata daquilo que desejava, desviou a água de um ribeiro local, criando um lago onde organizou vários conjuntos de flores, arbustos e pontes... as pontes verdes japonesas, que surgem na obra do artista.
Desta forma, o próprio jardim foi também executado como uma obra de arte concebida por Monet, e o ambiente bucólico e tranquilo que ali foi criado, deu-lhe a possibilidade de explorar a natureza e desenvolver o seu estilo de pintura.
Monet representou as paisagens existentes ao redor da sua casa em quadros que mudariam completamente a maneira como olhamos para a pintura, na sua cor e na sua textura, com uma marca inconfundível do impressionismo.
Assim, ao visitarmos esta casa e os jardins que a envolvem, vamos conseguir revisitar uma parte das obras de Monet desde as suas origens… como na representação de 1895 da icónica ponte de madeira de estilo japonês.
Foi também neste jardim que nasceu a série Lírio de Água, mais conhecida como os Nenúfares. Esta série, que retrata este tipo de plantas que crescem nos lagos deste jardim, engloba cerca de 250 pinturas a óleo que estão agora espalhadas por galerias em todo o mundo, como as grandes telas dos Nenúfares que tivemos oportunidade de visitar no Musée de l'Orangerie em Paris.
Ao sairmos do chamado jardim aquático, em torno do lago, entramos num outro tipo de jardim onde se encontram plantadas milhares de flores de todos os tipos, formando pequenos carreiros entre si, e uma alameda principal que dá acesso à casa.
A visita à própria casa leva-nos a apreciar a decoração de cada quarto, onde encontramos, algumas vezes, pinturas de outros mestres impressionistas. Cada detalhe, como o papel de parede, as pinturas expostas, os móveis e até mesmo as vistas que se alcançam de cada janela, tudo parece ter sido cuidadosamente pensado.
Mas mesmo as restantes divisões, como a cozinha ou as salas de refeições, apresentam um design que parece ter sido o resultado de uma tarefa criativa do pintor.
Nesta casa-museu são expostos todos os espaços onde Monet viveu e também onde terá criado as suas obras, uma espécie de estúdios, um deles transformado em loja de souvenires do museu, e onde encontramos referências à principal obra do mestre, Os Nenúfares.
Nesta visita pudemos admirar a forma como Monet utilizou os seus jardins como elemento de inspiração para grande parte do seu trabalho, tendo dedicado muitos anos da sua vida à criação deste espaço, que se tornou a referência principal para a sua arte.
Foi um gosto podermos admirar vários sinais da obra de Monet, imaginando o mestre no seu processo criativo neste mesmo espaço, que foi palco da criação de uma das mais ricas obras do movimento impressionista.
Les Andelys
Seguindo depois cerca de 20 km junto ao curso do rio, chegámos à pequena cidade de Les Andelys, que constitui um dos pontos mais notáveis no vale do Sena, e é dominada pela silhueta imponente do icónico Chateau Gaillard.
Ao chegarmos a este local começámos por subir ao penhasco onde se ergue o Chateau, um castelo medieval em ruínas com uma bonita vista sobre o Rio Sena, ladeado por falésias calcárias e pela pitoresca cidade de Andely.
O castelo foi construído nos finais do século XII, sob o poder de Ricardo Coração de Leão, que era simultaneamente rei de Inglaterra e duque feudal da Normandia.
O objetivo estratégico do castelo, construído sob o domínio inglês, seria acompanhar o vale e proteger a cidade dos ataques franceses, vindos de Rouen, sob ordens do rei Filipe Augusto de França.
Esta antiga fortaleza dispõe de uma localização privilegiada para permitir uma vista quase infinita sobre o vale do Sena, mas, atualmente, além das paisagens, que são de tirar o fôlego, encontramos apenas a ruína da torre de menagem e de algumas das antigas muralhas.
Cá em baixo, já no coração da pequena cidade de Les Andelys, destaca-se a sua igreja principal, a Notre Dame, que já se destacava quando a observámos do alto da colina, um belo edifício dos períodos gótico e renascentista, cujo interior contém uns bonitos vitrais do século XVI, como é comum nas igrejas desta zona de França.
Apesar da sua posição fortificada, no topo do maior penhasco desta zona, o Château-Gaillard e o Ducado da Normandia, acabariam por cair nas mãos do Reino da França no início do século XIV, e durante os séculos que se seguiram, a cidade e a fortaleza foram palco de muitas batalhas entre França e Inglaterra.
No trajeto seguinte percorremos cerca de 20 km, nos quais nos desviámos do rio e seguimos na direção das florestas que existem nesta zona, onde se encontra a pequena cidade de Lyons-la-Forêt.
Lyons-la-Forêt
Diz-se que a vila de Lyons-la-Forêt foi construída em torno de um castelo fortificado que foi começado a construir no século XI, sob o comando de Guilherme, o Conquistador, e que foi concluído pelo seu filho mais novo, o Rei Henrique I, conhecido como Beauclerc.
A sua posição estratégica deste castelo e da vila que ali foi criada, junto à imensa propriedade florestal na fronteira dos Reinos de Inglaterra e de França, alimentou os conflitos entre os Duques da Normandia e os Reis de França. Algumas vezes este Chateau era um quartel-general militar, mas outras vezes era apenas um local de férias e de caça para Saint-Louis ou mesmo Philippe Le Bel (o conhecido Felipe, o belo).
Lyons-la-Forêt acabou por perder o seu castelo num incêndio, mas recuperou a paz e adquiriu o prestígio do município que se mantém até à atualidade, com uma história interessante, onde se regista a presença de algumas figuras francesas relevantes.
A personagem mais ilustre deste local é a de Isaac de Benserade, um poeta da corte de Luís XIV, que ali se estabeleceu, e que, inclusive, dá nome à principal praça do vilarejo, a Place Isaac de Benserade.
Mais tarde, já no início do século XX, uma outra figura ganhou destaque nesta pequena vila, o compositor e pianista Maurice Ravel, cuja casa está devidamente identificada, representando um exemplo do estilo mais comum das antigas casas, com as suas fachadas de enxaimel.
Como o próprio nome sugere, a vila de Lyon e sua floresta são inseparáveis, trata-se de uma propriedade florestal de quase 11 mil hectares que chega até aos arredores da vila e é atualmente considerada como uma das mais bonitas florestas de faias da Europa. Os entusiastas das caminhadas apreciarão os trilhos e clareiras que ali são disponibilizados que permitirão um conhecimento mais intrusivo desta bela floresta… mas, apesar de gostarmos bastante de fazer caminhadas, não tivemos tempo para experimentar os trilhos que ali estão disponíveis.
E foi pena que não tivéssemos explorado a floresta, porque a visita à vila não foi muito interessante, pois estava tudo muito chocho, com as esplanadas vazias e os restaurantes a meio gás. Talvez por ter sido logo depois da Páscoa, e também por estar um dia chuvoso. A verdade é que a vila até é bastante bonita, sobretudo pelas suas casas de aspeto medieval, com as fachadas em enxaimel ou em tijolo de burro, mas sem vida na rua, sem as esplanadas cheias de gente, não nos consegue cativar… foi o aconteceu, mas não deixámos de fotografar os locais mais bonitos, imaginando que num dia mais concorrido e mais soalheiro, poderia ser um espaço até bastante interessante.
Ainda tentámos arranjar um local para almoçar, mas, de facto, não era o melhor dia, e a imagem das principais esplanadas da vila eram uma perfeita desolação… espero que quem venha a visitar este lugar tenha mais sorte com o dia.
Tínhamos ainda o resto do dia para visitar o próximo destino, a cidade de Rouen, capital da Normandia, que fica a pouco mais de 35 km, desta vez já com uma parte em autoestrada.
Carlos Prestes