sexta-feira, 14 de abril de 2023

Dinan


A cerca de 30 km de Saint-Malo chegamos à pequena cidade de Dinan, que se apresenta rodeada por muralhas e com um património histórico e arquitetónico bastante rico.

Esta cidade bretã prosperou sobretudo entre os séculos XIV e XVIII, muito à custa do comércio do linho, couro, lã e cereais, de que eram produtores e exportadores, com frequentes carregamentos que partiam em barcos do porto instalado no rio Rance e que eram assim transportados para as cidades costeiras, como Saint-Malo, e daí para todo o país.

A cidade está situada numa colina sobre o vale do Rance e foi descrita por Victor Hugo como estando empoleirada num “precipício saliente, como um ninho de andorinha”… e hoje, a sua envolvente paisagística continua a ser dominada pelas imagens do vale do rio Rance, com o pequeno porto numa das suas margens, e o imenso Viaduc de Dinan, atualmente transformado numa via rodoviária moderna, mas mantendo ainda a sua estrutura original em arcos.
Mas o centro histórico desta cidade não fica no fundo do vale, mas sim no topo da colina, onde estão as ruas e praças de paralelepípedos e onde encontramos as principais atrações desta cidade, como os seus monumentos e também as suas casas de enxaimel, com aspeto medieval.

Estão ali os locais mais importantes, como a Grand Rue, a Place des Merciers ou a Rue du Jerzual, esta última é a rua inclinada que liga a Cidade Velha, no alto da colina, à zona do porto, junto ao rio Rance. Nesta rua vamos passando por casas que fazem ainda lembrar o passado medieval da cidade, quando este local era dominado pelas oficinas de tecelões, curtidores de pele ou sopradores de vidro.

Ao longo da nossa visita a Dinan começámos por deixar o carro num dos estacionamentos do centro, e percorremos toda a cidade velha, a zona do contorno das muralhas e descemos ainda até ao fundo do vale, na envolvente do rio, tudo isso através do trajeto assinalado neste mapa:
 
Em pleno centro histórico e junto à Grand Rue encontra-se uma das maiores igrejas da cidade, a Église Saint-Malo.

Já desde o século XI que existia em Dinan uma igreja de Saint-Malo, mas que estava localizada fora das muralhas, e isso veio a levar à sua destruição. Na verdade, sob o reinado do jovem rei Carlos VIII, a França quis submeter a Bretanha à sua autoridade e os habitantes de Dinan temiam que esta igreja viesse a servir como ponto de apoio aos franceses, em caso de cerco da cidade. Por isso, Francisco II, que era o duque da Bretanha naquela época, em 1487, deu ordem para que a igreja de Saint-Malo fosse demolida, e fosse construída uma outra igreja dentro das muralhas dedicada ao mesmo santo.

Na realidade, o cerco nunca ocorreu, mas a cidade acabou por se render à autoridade do rei de França, sem oferecer qualquer resistência.

Assim, quando a construção da nova igreja começou, em 1490, já esta zona da Bretanha tinha sido integrada no reino de França.

O edifício, construído com blocos de granito, que são comuns nesta zona da Bretanha, foi concebido em estilo gótico, mas, durante vários séculos, foi sendo aperfeiçoado até ao aspeto atual.
Esta igreja apresenta dois elementos mais significativos, um deles, na parte exterior, com uma floresta de pináculos, florões e gárgulas, formada por um conjunto de esculturas feitas em granito que lhe dão uma marca tipicamente bretã; depois existem também os seus magníficos vitrais que ilustram alguns episódios da história de Dinan, incluindo a entrada de Ana da Bretanha na cidade em 1505.
Depois desta igreja seguimos ainda pela Grand Rue até virarmos para a Place des Merciers, um dos locais com mais vestígios mediais, revelando várias casas em enxaimel, que são uma imagem de marca desta cidade.
Estas semelhanças com uma antiga cidade medieval é aquilo que mais nos atrai durante a nossa visita a este lugar, parece que estamos num cenário preparado para rodar um filme de época… e é muito bonito.

Logo na primeira transversal depois da Place des Merciers entramos na Rue de l'Horloge que é conhecida por um dos monumentos mais notáveis de Dinan, a Tour de l'Horloge, uma belíssima torre medieval com o seu relógio, que domina esta cidade no alto dos seus 43 metros de altura.
A Torre foi construída no final do século XV pela classe burguesa de Dinan, e desde essa altura que oferece a possibilidade de se observar toda a envolvente da cidade, permitindo também a sua utilização como torre de vigia, sobretudo nos vários períodos em que a cidade esteve ameaçada.

Uma visita à Torre do Relógio permitirá apreciar as vistas sobre os telhados da cidade e será uma oportunidade para se descobrir a história deste mecanismo que é um dos mais antigos da Europa, oferecido pela Duquesa Ana ao povo de Dinan, que passaram a dispor de um relógio público, numa altura em que os relógios pessoais eram ainda artigos de luxo.

Quem optar por não visitar o interior do relógio encontrará cá em baixo alguns locais onde podem ser apreciadas as imagens deste bonito monumento.

   
Ainda nesta mesma rua existe o teatro da comuna de Dinan, o Théâtre des Jacobins, construído sobre as ruínas do antigo teatro medieval desta cidade.

Um pouco depois do teatro entramos num espaço cultural bastante moderno, com uma imensa plataforma empedrada, chamada de Esplanade de la fraternité. Ao longo desse espaço encontramos algumas esculturas e dois edifícios importantes, a Bibliothèque Municipale e o Centre des Congrès René Benoit.

Ainda na envolvente deste zona da cidade vamos chegar a uma das principais igrejas locais, a Basilique St-Sauveur.

Esta Basílica é a única na Bretanha que possui uma combinação dos estilos românico e bizantino, por ter sido mandada construir por um cavaleiro que voltou de uma cruzada no Oriente, para agradecer ao Senhor (Saveur) por tê-lo protegido.

A sua construção foi iniciada no século XII, mas só foi concluída no século XVI. O edifício tem uma arquitetura bastante rica, e o seu interior, como acontece muito nas igrejas francesas, exibe alguns vitrais excecionais.
A fachada mais bonita desta igreja fica do lado posterior, junto a um espaço relvado, o Jardin Anglais.

Este jardim é limitado pela muralha da cidade numa zona onde se encontram dois dos seus pontos notáveis, a Torre de Sainte Catherine e a chamada Porte Cardinale.

É desta zona do Jardin Anglais que podemos apreciar a paisagem sobre o vale do Rio Rance e ver as duas pontes da cidade. A maior, o chamado Viaduc de Dinan, com vãos em arco, mas que hoje foi transformada numa ponte rodoviária moderna e, lá mais em baixo, junto ao rio, a chamada Ponte Velha.

Saindo desta zona do alto da colina teremos de fazer um caminho longo para conseguirmos descer o vale, primeiro chegando ao Viaduc de Dinan e, depois, atingindo o nível do rio na zona do Porto e da Ponte Velha, onde se forma um conjunto muito bonito.

Esta zona da cidade é bastante agradável, com o rio a funcionar como uma marina de recreio, cheio de barcos e com muitos restaurantes ao longo da marginal. Atualmente, é daqui que partem os barcos para passeios ao longo da ria até chegar ao mar, tal como acontecia quando exportavam os produtos produzidos pelos artesãos da cidade.
Ao sairmos de volta para a cidade teremos de subir a Rue du Petit Fort, num trajeto bastante inclinado. A meio da subida encontramos um dos portões da muralha, a Porte de Jerzual, e daí para cima entraremos na Rue de Jerzual, a tal rua medieval muito bonita e muito inclinada, de que falei no início desta crónica

Mas ainda antes de atravessar o portão que ali se encontra, podemos tentar aceder ao Chemin de Ronde, um caminho sobre as muralhas que nos vai oferecer algumas bonitas paisagens sobre a cidade (mas como as muralhas estão frequentemente em obras de reabilitação, podem não estar disponíveis todos os troços deste caminho).

As muralhas têm mais de 3 km de extensão, que cercam toda a cidade, serpenteando pelas casas e pelos jardins. Foram construídas originalmente no século XIII, mas foram depois reforçadas, já no século XV, por ordem do Duque da Bretanha Francisco I… embora continuem a ser reformadas até à atualidade.

Mais tarde voltámos ao mesmo portão, a Porte de Jerzual, e entrámos então na tal rua íngreme e com casas muito bonitas, a Rue du Jerzual, que nos conduziu de volta até ao centro da cidade velha.

Mas antes de voltarmos ao parque de estacionamento para terminar a nossa visita, passámos ainda pelo Castelo local, de onde saem as muralhas que contornam toda a cidade.

O Château de Dinan inclui uma torre de menagem do século XIV, chamada Donjon de la Duchesse Anne, ou Tour Ducale, mas tem também outros componentes, como a Tour de Coëtquen e a Porte du Guichet, esta última mais antiga, do século XIII.
Terminámos assim esta visita à cidade de Dinan, um local que revela séculos de história em cada recanto que vamos encontrando, um destino que recomendo, talvez um dos mais interessantes locais da Bretanha.

Faltavam-nos agora pouco mais de 50 km até à cidade de Rennes, a capital da Bretanha, onde iriamos dormir e que visitaríamos no dia seguinte.


Carlos Prestes