quarta-feira, 4 de abril de 2012

Verona

A belíssima e charmosa cidade italiana de Verona, imortalizada no romance “Romeu e Julieta” é, sem dúvida, uma das visitas indispensáveis para quem queira percorrer a região Norte de Itália. E para quem vem de fora, Verona é sobretudo a cidade do imaginário da tragédia de William Shakespeare que revela um amor infinito entre Romeu e Julieta, que se tornou fatal pelo conflito entre famílias rivais, de um lado os Montecchio, do outro, os Capuleto. Bem no centro da cidade existe uma pequena villa onde, pelo que a história conta, teria pertencido à família Capuleto e seria assim o local onde Julieta morava, tornando-se, por isso, num dos principais marcos da cidade, atraindo turistas que procuram magia e inspiração naquela que é considerada a cidade dos namorados.

Mas Verona é muito mais do que isso, é também uma bonita cidade histórica da região do Veneto, declarada como património da humanidade pela UNESCO devido à sua riquíssima arquitetura que se desenvolveu progressivamente durante dois mil anos.
No ano de 2012 chegámos à cidade e preparámos uma caminhada pelo seu centro histórico, que surge encaixado entre as margens do rio Adige que desce dos Alpes no seu caminho até à foz, no Mediterrâneo.
A cidade de Verona, como a maioria das cidades italianas, tem grande influência da civilização romana, neste caso com vestígios muito presentes, como a Arena di Verona e o Teatro Romano.

Foi justamente pelo Teatro Romano e pelo Museo Archeologico que começámos a nossa visita à cidade. Construído nas encostas da colina de San Pietro no século primeiro a.C., mantém ainda hoje grande parte do auditório do teatro original, bem como vários arcos de galerias e restos significativos do palco.

Numa posição mais elevada sobre o Teatro Romano, surge o Museu Arqueológico, localizado no antigo convento de San Girolamo. O museu contém centenas de achados arqueológicos daquele local, que podemos visitar com o mesmo bilhete que pagámos para entrar no Teatro.

Mas, para mim, o acesso àquela zona do site arqueológico constitui sobretudo uma oportunidade para contemplar a paisagem fantástica com vista para o teatro e sobre as casas da zona medieval da cidade, que se desenvolve lá em baixo, junto às margens do rio Adige.

O Teatro Romano é o edifício mais antigo de Verona mas, apesar de sua condição, é utilizado ainda hoje para alguns festivais e espetáculos durante verão, como o Festival Shakespeare ou o Festival de Jazz de Verona.
Saímos do Teatro Romano e atravessámos o rio através da ponte mais antiga da cidade, a Ponte Pietra. Uma ponte romana em arcos construída no ano 100 a.C. que nos leva a uma das portas de entrada no centro histórico medieval da cidade. Durante a Segunda Guerra Mundial foram explodidos propositadamente alguns arcos da ponte para, desta forma, fazer recuar as tropas alemãs. Com o fim da guerra a ponte foi reconstruída em 1957, com os materiais originais e, até hoje, mantém-se em funcionamento como acesso pedonal.
A entrada pela porta da Ponte Pietra conduz-nos de imediato ao coração do centro medieval da cidade, com ruelas labirínticas e casas nos tons de ocre ou terracota, como é tão habitual em Itália.

Por ser difícil uma orientação perfeita seguindo o mapa da cidade naquele emaranhado de ruelas medievais, deixámo-nos levar, um pouco sem destino, seguindo apenas os caminhos mais movimentados, que nos conduziam inevitavelmente às ruas mais pitorescas e às praças e monumentos mais interessantes.

Foi assim que chegámos naturalmente à Piazza Duomo e à Chiesa di Sant'Anastasia, atingindo depois o centro mais popular e mais concorrido da cidade, nas Piazzas Signori e Erbe.

A Piazza Duomo é a praça da Catedral de Santa Maria Matricolare, o duomo da cidade e o principal local de culto católico e sede do bispado da diocese. A igreja inicialmente existente naquele local foi construída no século IV, mas foi sofrendo profundas alterações ao longo dos séculos, incluindo a construção de novos edifícios religiosos a acrescentar ao complexo. Mas todas estas estruturas foram destruídas pelo terramoto de 1117, o que obrigou à construção de uma nova catedral que ficou pronta no ano 1187. A catedral que encontramos hoje resulta ainda do mesmo edifício do séc. XII, embora tendo sofrido algumas modificações.
Continuando pelo emaranhado de ruas chegamos à Piazza Sant'Anastasia, onde se localiza a basílica com o mesmo nome, a Chiesa di Sant'Anastasia, um importante local de culto católico do centro histórico da cidade.
A Chiesa di Sant'Anastasia, que vista da praça junto à sua fachada principal, aparenta ser apenas uma pequena igreja, quando a contemplamos do lado oposto do rio verificamos que a sua dimensão é grandiosa, tornando-se mesmo num dos elementos arquitetónicos mais predominantes da paisagem de Verona, sobretudo daquela zona medieval junto ao rio.
Continuando a nossa marcha aleatória pelas ruas da zona medieval e passando, desta vez, pela Via Santa Maria in Chiavica, uma rua pedonal cheia de turistas e com comércio local, chegámos até à Chiesa Santa Maria Antica e, logo depois, entrámos na Piazza dei Signori, uma das praças mais emblemáticas da cidade.

A Piazza dei Signori, também conhecida como Piazza Dante, é um terreiro criado na Idade Média na zona do antigo mercado, onde foram depois nascendo ao longo dos anos alguns edifícios monumentais ligados entre si por arcadas e galerias.

Durante séculos criou-se um hábito, que virou tradição, em que a Piazza Dante era ocupada à noite de todas as quartas-feiras por centenas de jovens e estudantes universitários, que escolhiam aquele local como espaço de encontro e socialização, incluindo guitarradas, cânticos e danças, que foram evoluindo em função das modas e hábitos das décadas que foram sendo atravessadas. A utilização da praça com este fim estabeleceu-se rapidamente como um fenómeno social de Verona, envolvendo cada vez mais pessoas e, a partir das últimas décadas, atraindo também os turistas que visitam a cidade e que têm conhecimento desta tradição.

A praça encontra-se emoldurada por vários edifícios e monumentos de enorme beleza e de grande importância histórica e artística, que encerram algumas das principais páginas da história da cidade.

O Palazzo Loggia del Consiglio, um edifício renascentista magnífico, foi construído na segunda metade do século XV como local para reuniões do conselho da cidade. O palácio é lindíssimo e é mesmo considerado um dos mais belos edifícios da Renascença de todo o Norte de Itália. A parte superior ostenta frescos em tons de ocre e beirados decorados com várias estátuas. As arcadas da galeria e as janelas duplas em arco, estão construídas em mármore trabalhado, conferindo ao palácio um design requintado, que se encontra até agora num ótimo estado de conservação.

Atualmente o palácio funciona ainda como edifício público albergando a sede da Administração da Província de Verona.
Salienta-se também a imponente estátua de Dante, que confere a esta piazza a sua imagem de marca. A escultura, construída em mármore de Carrara por Ugo Zannoni, representa a imagem de Dante Aglighieri, o grande poeta de língua italiana, autor da Divina Comédia, que foi acolhido na cidade Verona durante o seu exílio de Florença. O corpo da estátua, que se encontra apoiado num pedestal no centro da praça, tem uma envergadura de três metros e o seu modelo original, mais pequeno e feito em bronze, encontra-se preservado na coleção da Galleria D'Arte Moderna, no Palazzo Forti, um dos edifícios da envolvente desta praça.
A caminho da Piazza delle Erbe encontramos um arco à esquerda que nos leva até ao pátio interior do Palazzo del Mercato Vecchio ou Palazzo della Ragione. Mais um palácio fantástico construído no final do século XII, onde decorria o mercado medieval da cidade. O palazzo atual já não tem a fachada original, que foi modificada no século XIX e no pátio revela agora uma arquitetura preciosa, com a mistura dos tijolos vermelhos e dos mármores cremes, com portais em arco e uma escadaria monumental de mármore, constituindo uma das imagens de referência da cidade de Verona. Atualmente, o Palazzo della Ragione alberga a Galeria de Arte Moderna Achille Forti, um dos museus de arte mais importantes da cidade.
Ainda no palazzo podemos subir ao topo da Torre dei Lamberti para admirar uma vista deslumbrante sobre a cidade. Esta Torre dei Lamberti é uma das duas torres que dominam a arquitetura da Piazza delle Erbe, a outra é a Torre del Gardello.

Saindo do Palazzo della Ragione entramos de imediato na Piazza delle Erbe, uma das principais praças de Verona, num espaço que outrora, na época romana, tinha sido o fórum da cidade.

Ao chegarmos a esta praça percebemos que ali se sente o palpitar da cidade, sobretudo pela sua agitação, quase como se fosse ainda um verdadeiro mercado medieval, e ficamos também fascinados pela variedade e riqueza artística da arquitetura dos vários edifícios envolventes.


Hoje a Piazza delle Erbe continua a ser um grande ponto de encontro da cidade de Verona e mantém o seu cariz comercial com o mercado de rua onde se vende de tudo um pouco. Encontram-se tendas de roupa e vendas de legumes e frutas, com procura sobretudo por parte dos habitantes locais, mas também outro tipo de tendas, com artesanato, souvenirs e até comida rápida confecionada no local, que são as escolhas mais procuradas pelos muito turistas que frequentam a cidade.

Apesar de grande e muito preenchida a praça não perde o seu toque pitoresco, com edifícios coloridos e alguns com grandes histórias para contar, como a Casa Mazzanti, com os seus maravilhosos frescos na fachada, bem perto de outro dos monumentos mais marcantes, a Fonte da Madonna de Verona.
Ao fundo da Piazza delle Erbe está outro dos seus edifícios emblemáticos, o Palazzo Maffei, de onde emerge mais um dos símbolos deste local, a Torre del Gardello.
Saímos pela Via Cappello parando logo a seguir no nº23, na villa dos Capuleto, também conhecida como a casa de Giulietta Capuleto, um local mítico que terá inspirado Shakespeare para escrever a sua tragédia mais famosa.

Passando por um portão de ferro forjado chegamos ao pátio da villa, que recebe os visitantes ansiosos para conhecer os lugares de amor eterno, e onde os amantes de todos os lugares e de todas as idades, podem deixar o testemunho do seu amor em pleno espaço público, escrevendo mensagens nas paredes do pátio, já completamente escrevinhadas. Há ainda um outro portão, já no interior do pátio, totalmente preenchido por centenas de cadeados fechados, representando um elo de união entre os casais, o qual, desta forma, jamais será separado. Considerando que aquele é o lugar dos amores eternos, estas mensagens e estes cadeados irão fortalecer os elos de ligação entre as pessoas amadas... mas isso é só o que diz a tradição, porque a vida real será certamente mais exigente.
De qualquer forma, e mesmo sem cadeados nem pinturas nos muros, não deixámos de aproveitar o local simbólico para selar uma vez mais a nossa paixão... se todos os locais e todos os momentos são perfeitos para alimentar uma vida apaixonada, este não poderia ser diferente, e com a vantagem de ser o local certo para que se façam votos de amor eterno.

Também no interior do pátio destaca-se uma estátua em bronze de Giulietta, criada pelo escultor Veronese Nereo Costantini, e há ainda uma placa onde se podem ler alguns versos da tragédia de Shakespeare.
         
A casa é de origem medieval, do século XIII, e é quase uma torre com vários andares que se dispõem em torno do pátio. As fachadas são em tijolo e estão decoradas com janelas elegantes, destacando-se a famosa varanda que Giulietta teria usado como local reservado para as conversas de namoro com o seu Romeo. O interior da casa é também visitável, sendo necessário pagar o respetivo ingresso, mas, a maioria dos visitantes, fica-se pelo pátio, com acesso livre.
Saímos de novo na Via Cappello escolhendo o trajeto seguinte através da Via Stella e mudando depois para a Via Giuseppe Mazzini, duas das ruas mais elegantes e movimentadas da cidade, onde se localizam algumas das lojas de marca mais apelativas, mas também mais caras.
A Via Mazzini leva-nos diretamente até à Piazza Bra, ornamentada pelo grande monumento romano, a Arena di Verona. A Piazza Bra, a maior praça de Verona e uma das maiores do país, combina a presença de alguns edifícios notáveis com várias esplanadas de cafés e restaurantes, bastante procuradas pelos muitos turistas que por ali passam.
Para além da Arena Romana que ocupa o centro da praça, entre os edifícios que a rodeiam existe ainda um jardim sombreado por cedros e pinheiros, que envolve a fonte dos Alpes e uma estátua de bronze de Victor Emmanuel II, onde o primeiro rei de Itália aparece montado a cavalo.
A Arena de Verona é um imenso anfiteatro romano construído no primeiro século d.C., que domina de forma majestosa toda a Piazza Bra e constitui um dos principais símbolos de referência da cidade de Verona.
Apesar da época a que remonta, a arena encontra-se em ótimo estado de preservação e é utilizada como uma das principais salas de espetáculos de Itália, desde que, pela primeira vez, em 1913, recebeu apresentação de Aida, de Verdi, no início da temporada de ópera de verão.

Com capacidade total para cerca de 30.000 pessoas (embora atualmente, por razões de segurança, a lotação máxima permitida seja de 15.000 pessoas), é habitual este anfiteatro ser incluído na rota das principais digressões, quer da temporada de ópera quer também de todo o tipo de espetáculos, do rock ao clássico, do teatro à dança. Existem inclusive alguns concertos gravados ao vivo neste espaço, como aconteceu, por exemplo, com a banda de Seattle, Pearl Jam, ou com o cantor lírico Andréa Bocelli. Existem também vários registos de grandes performances das sopranos Maria Callas e Renata Tebaldi, em que as grandes divas do canto lírico interpretaram algumas das principais óperas... e imagino a sensação de assistir a um grande concerto ou, sobretudo, a uma grande ópera, num espaço tão mágico e inspirador como este.

A arena pode ser visitada por um custo de 10€, caso não esteja ocupada com algum espetáculo. No dia da nossa visita a arena estava, curiosamente, a ser preparada para uma performance de Romeu e Julieta, não percebemos se seria uma peça de teatro, ou alguma coreografia de dança ao som da obra-prima de Prokofiev inspirada na peça de Shakespeare.

Dos edifícios notáveis dentro e ao redor da praça de Bra, destacam-se o Palazzo della Gran Guardia, que é atualmente utilizado como um local para conferências, reuniões e exposições, e sobretudo o Palazzo Barbieri, um edifício neo-clássico que é a atual Câmara Municipal de Verona. Originalmente era chamado como Palazzo della Gran Guardia Nuova, mas foi renomeado mais tarde em honra do seu projetista, o Arquiteto Giuseppe Barbieri.
Do lado oeste da praça existe ainda um outro monumento, o Portoni della Bra, um pórtico que materializa a porta de acesso à Piazza de Bra, que é composto por dois arcos românicos e um relógio admirável.
Não atravessámos o Portoni della Bra, virámos antes na direção do rio pela via Roma até à Ponte Castelvecchio, um complexo medieval, que integra o Castel Vecchio e uma ponte pedonal sobre o rio Adige.
O castelo, que tem vindo a ser utilizado como museu, foi construído em tijolos vermelhos e é um exemplo impressionante da arquitetura gótica. Uma das características mais notáveis, quer ​​do castelo quer da ponte, são as ameias em forma de M, que percorrem todo o contorno das paredes da ponte e do próprio castelo. Existem sete torres, juntamente com uma torre de menagem mais elevada.
Depois de atravessarmos a ponte fizemos um pequeno percurso na margem oposta do rio, chegando até à Piazza Arsenale, onde surge o palácio da Associazione Amici dei Civici Musei d'Arte, mais um edifício clássico da cidade.

Seguimos ainda junto ao rio até regressarmos ao centro histórico pela Ponte della Vittoria e passámos depois pela Porta Borsari, que nos levou de novo para a parte medieval da cidade. A Porta Borsari é um portal romano que remonta ao século primeiro d.C.. A fachada é em calcário branco e tem dois arcos com incorporação de colunas que servem de apoio a capitéis coríntios. Na parte superior ergue-se uma parede de dois andares com doze janelas em arco.
E assim, regressámos ao centro medieval da cidade e voltámos a deambular pelas ruas e praças, inspirando o extraordinário ambiente do final de tarde. A noite começou a instalar-se e procurámos uma das muitas esplanadas para um jantar tranquilo, já muito merecido, o que se tornou fácil, como sempre acontece em Itália, onde existe uma enorme oferta de restaurantes. Optámos pelos sabores mediterrâneos e pelo vinho toscano, numa noite de abril espantosamente amena, nesta cidade que continuava a palpitar pela noite fora, pela concentração de turistas, mas também pelo lastro histórico que se torna evidente em cada recanto.

Para terminar a visita à cidade de Verona, não deixámos de voltar a percorrer os locais que mais nos tinham impressionado, mas agora com outras cores, as cores das luzes que iluminam as praças e os monumentos, o que sempre nos revela uma outra face de cada cidade... que é muitas vezes a face mais interessante.

Voltámos a atravessar o rio até à zona de estacionamento, próximo do teatro romano por onde tínhamos começado este dia longo e excitante.