sexta-feira, 6 de abril de 2012

Dolomiti

Vindos de Riva Garda entre os vales das montanhas que se vão formando e ganhando envergadura, à medida que nos aproximamos da cordilheira dos Alpes, fizemos 145 km até ao nosso destino durante os próximos três dias, na província de Trentino-Alto Ádigeo, onde fica Vale Gardena e a região dos Dolomitis.
Os Dolomiti são um conjunto de montanhas da cordilheira dos Alpes Calcários do Sul, localizados no Nordeste de Itália na região do antigo Tirol, que outrora foi um estado autónomo e que, após a Segunda Guerra Mundial, foi dividido pelos territórios do Tirol austríaco e da região do Trentino-Alto Ádige, em Itália.

A história de anos de ligação entre esta zona de Itália e a Áustria faz com que a língua que mais escutamos seja o alemão, o que nos deixa realmente surpreendidos. É que, apesar de terem sido mantidas as duas línguas oficiais desde a separação do Tirol, nada faria supor que, dentro de Itália, os italianos, que têm um dos mais belos idiomas que pode ser escutado em todo o mundo, tivessem optado por usar, nas ruas e entre amigos e familiares, a esquisitíssima língua alemã... mas é assim mesmo, há gente para tudo.

A beleza deste santuário de montanhas e lagos é deslumbrante e a UNESCO declarou mesmo o complexo dos Dolomitis como Património Mundial, o que aconteceu em 2009, apenas alguns anos antes da nossa visita ao local em abril de 2012.

Atualmente toda a zona dos Dolomitis constitui um dos principais polos turísticos do Norte de Itália, atraindo os amantes de todo o tipo de desportos de montanha, não só do ski, que é o prato forte durante os meses de Inverno, mas também das várias atividades que se podem praticar durante todo o ano, desde as caminhadas mais suaves à escalada de alta dificuldade.

Existem vários centros turísticos nesta zona montanhosa que se localizam na envolvente do complexo de montanhas rochosas designado por Grupo Sella, de onde emerge o ponto mais alto, o Piz Boe, que atinge os 3152 m.
O local escolhido para passarmos os próximos dias foi o Vale de Gardena, localizado a cerca de 50km da cidade de Bolzano, a capital de distrito.

A zona do vale apresenta uma paisagem típica do Alpes, com chalets de madeira dispostos ao longo das montanhas relvadas e com as montanhas ao fundo. A estrada atravessa várias comunas que se vão distribuindo ao longo do vale, entre Ortisei e Selva di Val Gardena.

Escolhemos um hotel numa das povoações do vale, a aldeia de Santa Cristina, onde alugámos o equipamento de ski e comprámos os forfaits para acesso aos meios mecânicos das estâncias deste vale.

Na manhã seguinte, escolhemos passar o dia na estância de L'Alpe di Siusi, junto ao povoado de Ortisei.


A estância do L'Alpe di Siusi é uma zona vasta com muitos quilómetros de pistas que se encontravam praticamente desertas... totalmente por nossa conta. Com o céu limpo e um sol brilhante, embora a neve, já primaveril, não estivesse perfeita, acabou por ser um dia de ski perfeitamente fantástico.

Fomos percorrendo quase sempre pistas diferentes e fomos parando em esplanadas de chalets de montanha, não só para almoçar e fazer pausas de descanso, mas também para umas cervejas e umas chávenas de chocolate quente, uma combinação que sempre apreciei e que me sabe especialmente bem numa esplanada soalheira rodeada pelas montanhas nevadas.


O aprés-ski é sempre algo que apreciamos bastante, depois de um dia de grande cansaço físico, mas também de emoções fortes, passado a escorregar pelas montanhas abaixo com a adrenalina a mil e envoltos por um cenário, muitas vezes, perfeitamente idílico... chega o entardecer e prepara-nos para uma forma diferente de aproveitarmos o ambiente que a neve e o ski proporcionam.
Assim, aproveitámos naturalmente o final dos dias que aqui passámos apreciando as alternativas que o vale oferece, com ruas e espaços públicos onde o ambiente das estâncias de ski sobressai, com lojas típicas e, sobretudo, com ótimos restaurantes, onde se podem apreciar principalmente os excelentes pratos italianos, apesar de sermos atendidos por habitantes locais que se expressam num alemão fluente e chegam a estar vestidos de tiroleses.

A arquitetura das aldeias do vale, tal como a decoração dos espaços que frequentámos, têm uma influência tirolesa bem marcada, mas as ementas dos restaurantes preferem privilegiar os paladares italianos em vez das comidas mais apreciadas dos lados austríaco e alemão do Tirol, como o bizarro eisbein com chucrute.

No segundo dia em Vale Gardena escolhemos uma outra estância, chamada de Plan de Gralba, próxima da povoação de Selva Gardena.

Nas cotas mais baixas a estância é formada por pistas ladeadas por pinheiros alpinos, com as montanhas rochosas logo atrás numa paisagem sublime.

Nas cotas superiores a paisagem muda completamente, as árvores vão desaparecendo e as montanhas passam a ser dominantes. Nesta altitude e com uma exposição total o sol começa a incidir de forma mais intensa, o que melhora claramente o ambiente envolvente, parecendo-se com uma atmosfera de praia, com muitos esquiadores a substituir os casacos de neve por t-shirts e com as esplanadas a ficarem cheias e a serem aproveitadas para banhos de sol. Mas este sol e este calor também têm efeitos nocivos, fazendo derreter a neve durante a tarde que se vai transformando numa papa de sorvete, tornando-se impossível um ski de qualidade.

Devido a essa má qualidade da neve durante a tarde, que era expectável por estarmos em abril e por termos apanhado dias quentes, condicionámos a nossa decisão na escolha do forfait que adquirimos e optámos por não querer fazer a chamada Sella Ronda, uma das principais atrações para os esquiadores que escolhem esta zona.

A famosa Sella Ronda é uma rota de ski circular que contorna a cadeia de montanhas dos Dolomitis designada por Grupo Sella. O percurso completo atravessa os vales de Gardena, Badia, Fassa e Livinallongo, contornando todo o maciço rochoso do Grupo Sella, assegurando meios mecânicos e pistas devidamente preparadas para que seja possível fazer este circuito em ambos os sentidos.
Para termos acesso à alternativa de explorar toda esta zona de ski devemos adquirir o passe Dolomiti Superski, bem mais caro que os passes para as estâncias de cada um dos vales.

A viagem completa da Sella Ronda demora pelo menos umas 6h, o que obriga a uma planificação cuidada e a um grande rigor nos horários de cada percurso, criando um certo stress. Na verdade é necessário garantir que se atingem as últimas telecadeiras ou telecabines antes das 16h45m, sabendo que as pistas são fechadas às 17h. O percurso deve ser feito seguindo sempre um mapa das pistas para que possamos controlar se conseguimos completar a ronda ou se teremos que nos ficar por um dos vales atravessados e regressar ao hotel sem honra nem glória, e totalmente desolados, de autocarro ou de táxi.
Assim sendo ficámo-nos apenas pelas estâncias de Vale Gardena, mas se voltarmos a este local numa época com neve de melhor qualidade, certamente não voltarei a perder o desafio de percorrer a Cella Ronda.


Dispúnhamos de mais um dia nesta região montanhosa do Norte de Itália e, em vez de fazermos mais uma jornada de ski, preferimos aproveitar para conhecer outros vales e outras estâncias desta imensa zona dos Dolomitis.

Assim, e enquanto nos dirigíamos para Veneza, onde só precisávamos de chegar no final do dia, decidimos percorrer as estradas de montanha mais pitorescas e inóspitas, que vão serpenteando por entre montanhas e vales, subindo até às cotas mais altas, ainda cobertas de neve.


Estávamos praticamente sozinhos nestas estradas e fomos parando constantemente de forma a apreciar devidamente estas paisagens de tirar o folgo. Não me cansava de fotografar insistentemente cada novo ângulo que se revelava... enquanto a Martinha comentava que eram montanhas e mais montanhas, para quê mais fotografias. Mas ela não tinha razão, estas paisagens são quase inacreditáveis de tão belas e por isso não podia deixar de as registar, quase compulsivamente.

Desde o alto das montanhas onde a estrada rasgava o branco dos mantos de neve, até às descidas pelos vales sinuosos, já cobertos pelo arvoredo, e por onde corriam furiosamente os riachos que se formam com as águas dos degelos... as imagens que nos rodeavam eram quase alucinações, numa realidade difusa, como se nos tivéssemos perdido num mundo encantado de sucessivos cartões postais.

E ao início da tarde, depois de passarmos toda a manhã no âmago mais profundo deste complexo montanhoso, chegámos à cidade mais importante e mais conhecida dos Dolomitis, Cortina d’Ampezzo.
A cidade de Cortina está localizada na região de Veneto a apenas 160 km de Veneza, e foi durante décadas a estância de ski mais chique de Itália e uma das mais apreciadas da Europa, sobretudo após os Jogos Olímpicos de Inverno que ali decorreram em 1956.
O local tem ainda sido escolhido para a rodagem de alguns filmes, como o primeiro da série "A Pantera Cor-de-rosa", em 1964, com Peter Sellers, com cenas passadas na cidade, mas o mais famoso foi o 007 de 1981, “For Your Eyes Only” com perseguições incríveis com esquiadores e motas em plenas pistas de ski das estâncias de Cortina... nas quais, o agente Bond, interpretado por Roger Moore, acaba sempre por levar a melhor.

A estância oferece uma variedade de pistas de ski elegantes e bem equipadas para todos os gostos, mas também a possibilidade de se usufruir do estilo de vida italiano mais glamouroso... entre as lojas de moda, a gastronomia nos melhores restaurantes ou o desfile de carros desportivos, não há falta de opções para quem prefira saborear a montanha sem calçar as desconfortáveis botas de ski, ou para quem passou o dia a esquiar e queira passar algum tempo em modo mais lento.

De toda esta oferta, não deixámos de usufruir de um dos restaurantes mais apelativos, e até nos pudemos arriscar a entrar em lojas e fazer algumas compras a preços elevados, sobretudo na rua principal, o Corso Italia, que está repleta de lojas de marca... mas quanto aos carros desportivos, é mesmo só para observar.
No final da visita à cidade continuámos a descer a cordilheira dos Dolomitis, tendo privilegiado as estradas de montanha ao longo dos últimos 160 km que nos levariam até Veneza, terminando em beleza este percurso pela região Norte de Itália... por entre montanhas e vales.