sexta-feira, 13 de abril de 2012

Pádua


Saídos de Mestre, junto a Veneza, demorámos pouco mais que meia-hora até chegar a Pádova, ou Pádua, como dizemos em português.

Uma cidade que nos recorda sobretudo a existência de um Santo padroeiro, que acumula esta cidade italiana com a nossa Lisboa... e eu, que percebo ainda menos de santos do que de geografia, pretendia esclarecer esta questão fraturante... mas, afinal, o Santo António, aquele Santo casamenteiro que se apresenta com um Menino Jesus ao colo, é de Lisboa, ou será de Pádua? Não sei se vou conseguir descobrir este enigma, mas vou tentar.
 

Começámos a visita à cidade por uma praça algo incomum, sendo que em Itália a maioria das piazzas têm tendência para ser muito semelhantes em todas as cidades, mas esta é bem diferente. Chama-se Prato della Valle e é formada por uma área relvada com pequenas árvores, com uma forma elíptica e um comprimento de 230 m, e que é contornada por um canal artificial em todo o seu perímetro, deixando no interior uma ilha chamada de Isola Memmia. A praça é atravessada por dois caminhos retos formando entre si uma cruz, cada um deles com duas pontes sobre o canal.

Para além desta geometria quase perfeita, a praça destaca-se pela beleza do seu canal que é adornado por estátuas de mármore nas duas margens e em toda a sua extensão. 
Existem atualmente 78 estátuas ao longo do canal, todas elas construídas por vários artistas entre 1775 e 1883, usando mármores de Vicenza. 

Além de ser um espaço monumental muito peculiar e interessante a praça é também apropriada para atividades de lazer e é frequentada por turistas e pelos habitantes da cidade, que a apelidam apenas por Il Prato. Sobretudo durante o Verão a praça fica cheia de visitantes que caminham, patinam ou se bronzeiam. 

Muito próximo desta praça fica localizada uma das principais igrejas da cidade, a Basílica da Abbazia Santa Giustina, que surge perfeitamente enquadrada na paisagem juntamente com o canal e as suas estátuas.
A Abbazia de Santa Giustina faz parte de uma comunidade de monges beneditinos e é uma das maiores igrejas católicas de Itália, com um comprimento de 118,5 m e 82 m de largura. O primeiro templo foi construído naquele local em torno do século V em memória à mártir Giustina (uma personagem virgem e imaculada com uma história de fazer chorar as pedras da calçada). Ao longo do tempo a igreja foi sofrendo diversos danos, como o terremoto de 1117 e, em 1502, foi mesmo demolida para dar lugar ao atual edifício, que foi construído ao longo do século XVI por vários arquitetos, entre os quais Andrea Moroni.

A fachada frontal, que deveria ter sido revestida a mármore, provavelmente branco, nunca foi completada, tendo sido apenas coberta com cerâmico avermelhado e áspero, sem a nobreza que a Basílica merecia. Mas, para compensar, na fachada oposta foram evoluindo alguns detalhes arquitetónicos preciosos, como a torre do sino ou as oito cúpulas em mármore ao estilo bizantino, que dão ao edifício uma aparência arredondada.

O interior da Basílica é também riquíssimo e contém algumas obras-primas preciosas da pintura, escultura e da arquitetura renascentista.
Saímos do Prato della Valle numa caminhada em torno dos principais locais do centro histórico da cidade, seguindo, mais ou menos, os trilhos representados neste mapa:
 
Começámos por passar junto ao Palazzo Moroni, atualmente a Comune di Padova, que fica na Via VIII Febbraio, uma das ruas pedonais mais frequentadas e com maior oferta de comércio.
Chegados à Piazza Garibaldi voltámos à esquerda pela Via Santa Lúcia e outra vez à esquerda pela Via Stefano Bred, duas ruas pedonais cheias de lojas, e entrámos na movimentada Piazza dei Frutti, junto ao Palazzo della Ragione.
A Piazza dei Frutti é uma das principais praças que caracterizam o centro histórico de Pádua e foi, durante séculos, juntamente com a Piazza delle Erbe, o grande mercado da cidade, e é também um dos maiores mercados de rua de toda a Itália. 

A praça estende-se pelo terreno envolvente ao Palazzo della Ragione e a sua utilização como espaço para troca de mercadorias, especialmente frutas, legumes e aves de capoeira, remonta há já vários séculos. Mas, com a construção do Palácio, foram criados outros pontos de venda diversificando os produtos transacionados, tendo-se instalado, por exemplo, vendedores de tecidos, de couro e calçado, ou vendedores de sal, entre outros.

O Palácio della Ragione foi a antiga sede dos tribunais da cidade de Pádua. É um edifício imponente que se localiza entre a Piazza dei Frutti e a Piazza delle Erbe com origem no século XIV. O piso superior é ocupado por um imenso salão, il Salone (com 81 m por 27 m e uma altura de 27 m) com um teto em casco de madeira e com as paredes forradas por diversas pinturas.
O palácio está ainda ligado num dos topos ao complexo de edifícios da Comuna de Pádua e à Torre degli Anziani.

A menos de uma centena de metros da Piazza dei Frutti, entramos numa outra das grandes praças da cidade, também ela com imensa atividade de rua, a Piazza dei Signori. Cheia de esplanadas e, por vezes, com bancas de venda de rua, a Piazza dei Signori é um local de grande afluência de habitantes e turistas e é sempre um espaço de grande animação.

Nos dois topos da praça ficam os seus monumentos mais importantes, a Igreja de S. Clemente, com a sua fachada em forra cerâmica em cor de terracota, e o Palácio do Capitanio, no lado oposto, com a famosa Torre Dell'Orologio.

A Torre do Relógio foi construída no século XIV como o portão oriental do Palácio, adornado em estilo gótico e equipado com o famoso relógio astronómico. Um século depois foi construído na base da torre o grande arco triunfal.

Ainda ao fundo da praça, na esquina com Via Monte di Pietà e à esquerda do Palácio do Capitanio, fica o Loggia del Consiglio, mais um edifício monumental que adorna a bonita Piazza dei Signori.
E foi por essa rua que continuámos o nosso percurso, pela Via Monte di Pietà, até atingirmos, logo a seguir, a Piazza Duomo, com o Duomo de Pádova, a Catedral da cidade.

A Catedral é dedicada a Santa Maria Assunta e, apesar de ser considerada como a catedral de Pádua, é apenas a terceira igreja da cidade, depois das importantes basílicas de Santo António e de Santa Giustina. 

As suas origens são ancestrais mas, o atual edifício, só começou a ser feito no século XVI, quando o projeto foi selecionado por concurso público. Participaram nomes de peso e a proposta escolhida foi mesmo a do grande Michelangelo. A catedral começou entretanto a ser construída e desde então tem estado sempre em obras. A sua fachada nunca foi completada, o que é algo comum nas grandes igrejas italianas, começam com grandes projetos para o interior e para alguns alçados e depois fica a faltar a fachada principal, que acaba sempre por ficar com aquela solução provisória, que se transforma em definitiva, forrada a alvenaria ou cerâmico com cores de terracota e com um aspeto pouco nobre. 
Seguimos por mais uma rua pedonal bastante frequentada, a Via Daniele Manin, que nos levou ao lado oposto do Palazzo della Ragione em plena Piazza delle Erbe. Uma grande praça, quase gémea da Piazza dei Frutti, também ela parcialmente usada como mercado da cidade, hoje como há vários séculos atrás.
Faltava-nos agora visitar a Basílica de Santo António, a única que eu já tinha visitado numa anterior passagem pela cidade, mas também a única de que já tínhamos ouvido falar, pela curiosidade de partilhar com Lisboa o mesmo Santo padroeiro.

A Basílica di Sant'Antonio di Padova é a maior igreja da cidade, embora não seja a sua catedral, mas é aquela que recebe mais peregrinos de todo mundo. É conhecida como "il Santo" e é administrada por frades Franciscanos.

A sua construção começou nos anos 30 do século XIII, pouco depois da morte de Santo António de Pádua, na altura apenas com uma única nave e, logo depois, foi sofrendo várias ampliações que lhe deram uma maior nobreza e dimensão. 

De acordo com o seu testamento, Santo António foi enterrado na pequena igreja de Santa Maria Mater Domini, próxima do local da Basílica. Por isso, alguns anos mais tarde, esta igreja foi incorporada na atual Basílica com o nome de Cappella della Madonna Mora (Capela da Madonna Escura), aumentando significativamente o edifício.

A Basílica é hoje um edifício gigantesco mas sem um estilo arquitetónico bem definido, pelas várias intervenções que sofreu, embora os traços românicos e góticos sejam predominantes e revelando também uma influência bizantina evidente nas suas cúpulas. 

No interior, o estilo ainda se torna mais complexo, com numerosos monumentos funerários e altares renascentistas e barrocos, decorados com esculturas e pinturas. 

Localizada no lado direito do santuário destaca-se a Capela da Arca onde se encontra o túmulo de Santo António, e onde muitos devotos deixam mensagens com as suas súplicas ao Santo milagroso. A capela é uma imponente obra de arte com relevos em mármore que ilustram vários episódios da vida do Santo. O túmulo de Santo António é uma escultura de Tiziano Aspetti, um importante artista do Renascimento.
E agora, no final da visita, faltava apenas resolver a tal dúvida sobre o Santo António ser de Lisboa ou de Pádua e bastou alguma pesquisa para ficar a saber muito mais sobre este nosso Santo casamenteiro... e partilho esse conhecimento com queira ler esta crónica.

O Santo António é de Lisboa porque foi em Lisboa que nasceu e viveu no início da sua vida, e é de Pádua porque foi lá que viveu os últimos anos e foi lá que morreu, e os seus restos mortais ainda lá se encontram.

Esclarecida esta dualidade padroeira fica aqui uma breve biografia do Santo.

Nasceu em Lisboa em 1195 com o nome de batismo de Fernando de Bulhões e, só mais tarde, foi ele mesmo que se nomeou como António. Viveu em Lisboa e em Coimbra onde estudou teologia. Em 1220, com 25 anos, ingressou na Ordem dos Franciscanos e partiu para Marrocos, como missionário e pregador, participando na conversão dos chamados infiéis. Já em Marrocos teve uma doença que o obrigou a regressar à Europa seguindo, no entanto, para Itália, e foi neste país que viveu os restantes anos da sua vida, ligado a ordens franciscanas. Os seus conhecimentos de teologia levaram-no a ser nomeado professor de teologia pelo próprio São Francisco de Assis, e assim lecionou em várias universidades italianas e também francesas, como as universidades de Bolonha, de Toulouse, Montpellier e de Pádua, adquirindo renome como grande orador sacro. Após a morte de S. Francisco em 1226, Santo António fixa-se em Pádua, onde começa por fazer sermões dominicais, mas as suas palavras eram de tal modo acessíveis ao povo, que passaram a atrair multidões para o ouvir, tornando-se num caso raro de popularidade. 

Santo António viria a falecer em Pádua aos 36 anos no dia 13 de Junho de 1231 e cerca de um ano após a sua morte foi declarado Santo pela igreja católica, pelo Papa Gregório IX.

E, desde então, ao longo dos séculos, Santo António de Lisboa ou de Pádua tem sido objeto de grande devoção popular, é um Santo casamenteiro e é padroeiro dos pobres e invocado para o encontro de objetos perdidos. É o Santo padroeiro da cidade de Pádua mas, ao contrário do que é corrente pensar, não é o Santo padroeiro da cidade de Lisboa, que é São Vicente. De qualquer forma não deixa de ser o nosso Santo popular de Lisboa e, o dia da sua morte, o 13 de Junho, é mesmo o feriado municipal da cidade.

Em 1934, o Papa Pio XI proclamou-o como segundo padroeiro de Portugal, a par da Nossa Senhora da Conceição.

Foram-lhe dedicados dois templos oficiais, a Igreja de Santo António de Lisboa, em Alfama, e a Basílica di Sant'António di Pádova, cuja visita serviu de pretexto a esta história.

Muitas das suas estátuas e imagens representam-no envergando o traje dos frades franciscanos e segurando um Menino Jesus ao colo.

Terminámos assim esta visita à cidade de Pádua, com direito a uns breves conhecimentos teológicos, sobre os quais jamais imaginei poder vir a escrever.

Partiríamos no dia seguinte para Sul e faríamos uma primeira paragem na cidade de Bolonha.


Voltar à página "Pelo Norte de Itália, de costa a costa"