terça-feira, 27 de agosto de 2019

Nápoles

Chegar à cidade de Nápoles ao cair da noite e procurar um alojamento num pátio escondido junto à Piazza Garibaldi, a praça da estação ferroviária, não é, de todo, o melhor cartão de visita que poderíamos esperar. Encontrámos aquilo que Nápoles aparenta ser - uma cidade feia, suja e desordenada e, à noite, até um pouco assustadora.

Felizmente, com a luz do dia a cidade releva muito para além das suas ruas sujas, das paredes grafitadas e do trânsito caótico. À medida que entramos no ritmo desta cidade vamos descobrindo aquilo que a torna especial - que são os napolitanos e o seu modo de vida. E até a praça da estação consegue apresentar um aspeto menos ameaçador.
Historicamente, Nápoles foi uma cidade bastante ligada ao mar e, ainda hoje, o porto é uma das principais referências para a sua economia. Porém, a cidade cresceu de costas viradas para o mar, deixando que grande parte da costa se tornasse feia e inacessível, desde logo pela ocupação do porto, que é enorme, mas também pelos parques de contentores, armazéns e outras indústrias mais pesadas que ali se foram instalando, deixando que apenas uma parte menor da cidade tire proveito da presença do Mediterrâneo, e aí sim, encontramos bonitas avenidas marginais e até dois castelos medievais.

A cidade de Nápoles é a principal metrópole do Sul de Itália e tem quase um milhão de habitantes que se amontoam num espaço densamente edificado. O centro histórico estende-se ao longo de uma planície que termina na montanha onde se ergue o Castelo de Sant'Elmo, uma espécie de farol desta cidade.
Nos percursos que fizemos para conhecer a cidade, seguimos a orientação dos seus principais eixos - a Via dei Tribunali, o Spaccanapoli e o Corso Umberto I - ao longo dos quais nos foram surgindo os seus monumentos e atrações históricas.

Além disso, incluímos também alguns bairros da cidade, como o San Ferdinando, monumental e glamouroso e, sobretudo, o bairro mais típico e que é a marca diferenciadora desta cidade, o Quartieri Spagnoli.

De qualquer forma, foi necessário fazer uma escolha e admitimos, à partida, que não conseguiríamos chegar a todas as atrações turísticas da cidade, deixando de fora, por exemplo, as Catacumbas de San Gennaro ou o Museu Arqueológico ou, sobretudo, a subida ao Castelo de Sant'Elmo, para daí podermos contemplar uma vista ampla sobre a cidade... e que foi uma falha imperdoável. 

E depois desta escolha, fizemo-nos ao caminho ao longo destes dois dias, vagueando pelas ruas e praças, de monumento em monumento, de bairro em bairro, percorrendo assim grande parte das principais atrações da cidade, assinaladas neste mapa:


Via dei Tribunali:

É a principal rua do velho centro histórico e, como tantas outras desta cidade, tem os traços das ruas mais antigas, degradada e suja, escura e grafitada, e onde desembocam aqueles becos estreitos e altos, tão tipicamente napolitanos.



         
Procurando pelos principais monumentos que se vão dispondo ao longo desta rua surge-nos um dos mais importantes de toda a cidade, a Catedral Santa Maria Assunta, o Duomo de Nápoli.

Trata-se da principal igreja católica da cidade. Foi construída sobre as ruínas de antigas estruturas do cristianismo que ali se encontravam, do período do imperador Constantino, no século IV. O seu interior é luxuosíssimo, tanto a nave central, como as pequenas capelas laterais.
A fachada da catedral, uma bonita, mas discreta, fachada de mármore cinzento, localiza-se numa pequena piazzeta na Via Duomo, uma transversal à Via dei Tribunali, ao contrário da maioria das cidades italianas que têm sempre grandes piazzas junto aos seus duomos.
A Catedral é dedicada a San Gennaro, um mártir cristão, que foi decapitado por volta do ano 300, e que é o padroeiro da cidade, e que, ainda hoje, tem uma enorme relevância para a fé divina, devido ao chamado “milagre da liquefação do sangue”.

Segundo a lenda, após a morte de San Gennaro, o seu sangue foi colocado numas ampolas que estão depositadas nesta igreja, num relicário na capela do tesouro. O sangue do santo solidificou nestas ampolas mas, desde o século XIV, algumas testemunhas têm vindo a garantir que o sangue se tem tornado líquido nalguns dias santos especiais, o que é visto como uma bênção, e sinal de proteção dos napolitanos.

É assim que, em todos os aniversários da morte de San Genaro, o 19 de setembro, ocorrerá (eventualmente) o milagre da liquefação do sangue. O evento atrai milhares de fiéis todos os anos, que enchem a catedral e as ruas envolventes. Na cerimónia religiosa, o Cardeal tira as ampolas e mostra que o sangue se liquefez, o que geralmente acontece. Então os sinos tocam e o Cardeal leva o sangue à praça para que todos o possam ver e, em seguida, saem em procissão levando o busto de San Gennaro.

A multidão assiste ansiosa para ver se o milagre se dá, acreditando que, dessa forma, San Gennaro terá abençoado a cidade, caso contrário, será sinal de mau presságio.

Enquanto a Igreja Católica não toma uma posição oficial sobre o milagre, os cientistas afirmam que os frascos de vidro com o sangue seco terão também um gel que se liquefaz quando é agitado. Mas só a fé de cada um pode determinar se será um milagre divino, uma reação da química induzida, ou um truque de ilusionismo.

A grande cúpula do Duomo é visível a partir de uma outra praça, nas traseiras da catedral, onde se ergue o Obelisco di San Gennaro.
Continuando ao longo da Via dei Tribunali chegamos à igreja de San Paolo Maggiore, uma pequena basílica onde começa a Via San Gregorio Armeno.
A Via San Gregorio Armeno é uma rua única em todo o mundo, conhecida pelos muitos presépios que ali se encontram expostos. A sua história segue uma tradição muito antiga, numa época em que existia neste local um templo ao qual os devotos ofereciam pequenas estátuas feitas à mão. No final do século XVIII, essas pequenas imagens converteram-se em artigos decorativos dos presépios.

Mesmo sem estarmos interessados em comprar qualquer daquelas figuras, a verdade é que durante um passeio por esta rua conseguimos sentir um ambiente que parece genuinamente natalício, apesar de estarmos em pleno agosto. 
Esta rua é uma das principais atrações da cidade de Nápoles e recebe diariamente a visita de uma grande quantidade de turistas, mas, quanto aos moradores, esses só se deslocam até lá quando querem realmente fazer algumas compras, ou seja, quando é mesmo Natal.
         

Atualmente, as imagens que se encontram neste mercado representam muito para além das figuras religiosas dos presépios tradicionais. Há toda uma versão mais moderna com miniaturas de todo o tipo de objetos e personagens do quotidiano.
E sendo esta uma cidade de fanáticos pelo futebol, apaixonados pelo clube local, o Napoli, e pela sua figura mais adorada, o eterno ídolo dos tiffosi da squadra azul celeste, o “grande” Diego Armando Maradona... é muito comum encontrarmos diversas miniaturas do craque. 

Spaccanapoli:

Ao descer a rua San Gregorio Armeno chegámos a outro dos eixos principais da cidade, o Spaccanapoli. Não se trata de uma única rua mas sim de um conjunto de ruas que se ligam em linha reta, o que funciona como se fosse a rua principal, reta e estreita, que atravessa o antigo centro histórico da cidade. 

O nome Spaccanapoli significa literalmente "separador de Nápoles", e foi atribuído a este eixo por parecer uma linha de quebra que divide a cidade em dois, o que só se vê quando observamos um mapa da cidade. Mas quando percorremos as ruas que formam este eixo, continuamos a encontrar o mesmo tipo de imagem das ruas do centro histórico, entre os becos mais escuros, sujos e grafitados, e algumas zonas um pouco menos caóticas.



Nesta zona histórica de Nápoles vão ainda aparecendo alguns dos seus principais monumentos, o que compensa um pouco o facto de, até agora, termos encontrado sobretudo a sua pior imagem, a de uma cidade degradada, suja e muito feia.

O primeiro desses monumentos é uma simples estátua de rua, que ali está sobre um pedestal e sem qualquer proteção, La Statua del Nilo, mas que, na realidade, se trata de uma escultura com enorme valor histórico.

A Estátua do Deus do Nilo é feita de mármore e tem origem no período romano, provavelmente datada entre os séculos II e III d.C.. A escultura terá sido oferecida pela grande comunidade de comerciantes e marinheiros de Alexandria, cidade da foz do Nilo, em agradecimento à bondade com que haviam sido recebidos pela cidade de Nápoles. Assim, de forma a agradecer a todos os napolitanos, ergueram esta estátua em homenagem ao seu rio sagrado, que tem perdurado ao longo dos séculos e constitui, ainda hoje, um símbolo de uma história de hospitalidade, aceitação e tolerância multicultural… algo que tem uma atualidade impressionante, sobretudo em Itália, onde as políticas de rejeição de migrantes têm sido lamentáveis.
Saindo ligeiramente da Spaccanapoli, dirigimo-nos para um dos pontos de visita obrigatória nesta de cidade, a Capela de San Severo.

Uma capela preenchida por um conjunto magnífico de estátuas em mármore branco e com um teto abobadado, decorado com afrescos lindíssimos. Mas não são essas peças de arte que fazem desta capela o local especial que ela é. Aquilo que é realmente impressionante é a obra do escultor Giuseppe Sanmartino, a extraordinária estátua de mármore de Il Cristo Velato, que ocupa o centro da nave principal. 

Quando encaramos esta estátua ficamos completamente fascinados, como quem assiste a um milagre. A obra representa Jesus Cristo em pleno velório, coberto por um véu. Porém, a qualidade do trabalho do escultor é tal que, apesar da estátua ter sido esculpida sobre um bloco de mármore, o véu que cobre Jesus Cristo parece claramente ser transparente, tornando nítidos alguns dos pormenores do seu corpo, como as pálpebras, as mãos e os pés, onde se salientam as veias, e as marcas do pregos com que foi fixado à cruz. 

É fantástico, deixei todas as outras estátuas e pinturas que adornam a capela, e fiquei demoradamente focado nesta obra-prima… nunca tinha visto uma escultura em pedra tão impressionante. (Esta capela merecia um bom conjunto de fotos, mas não somos autorizados a fotografar, mesmo sem flash, por isso o que se arranjou teve de ser tirado à socapa).
Voltando de novo ao eixo principal da cidade chegamos à Piazza San Domenico Maggiore, no centro da qual se ergue um obelisco com uma estátua de San Domenico, o fundador da Ordem Dominicana.
Na mesma praça encontramos também a Chiesa di San Domenico Maggiore. A fachada desta igreja não nos empolgou minimamente, mostrando um edifício que nos pareceu demasiado modesto, e acabámos por nem entrar, para poupar algum tempo. Mas, mais tarde, vim a perceber que foi um erro, porque, na verdade o interior desta igreja é um extraordinário exemplo da arquitetura gótica, e teria claramente justificado uma visita.

Mas, mais ainda, esta igreja é também um marco cultural da cidade, ao ter funcionado como sede da Universidade de Nápoles durante oito séculos.
Pouco depois encontramos uma das praças mais monumentais da cidade, a Piazza del Gesù Nuovo, ou do Novo Jesus, com alguns complexos religiosos praticamente lado-a-lado, e o l'obelisco dell'Immacolata, localizado em plena praça, no qual é celebrado um evento anual em homenagem à Imaculada Conceição, quando colocam uma coroa de flores no topo da estátua. 

Num dos lados da praça surge um conjunto religioso que inclui o Monastero e a Basílica de Santa Chiara. A sua origem remonta ao século XIV e tem pertencido a uma Ordem Franciscana. Visitámos apenas a Basílica que, atualmente, apresenta as suas formas góticas originais e, tanto a fachada, como a sua nave interior, são bastante austeras.

Da praça do Gesù Nuovo, ao lado da fachada da Basílica, é ainda visível o campanário desde complexo religioso, o Campanile di Santa Chiara.
         
Mas, a igreja principal desta praça, é a Chiesa del Gesù Nuovo. A sua fachada é bem curiosa, não se assemelhando minimamente com a de qualquer outra igreja, mas, sobretudo, pela semelhança que tem com a nossa Casa dos Bicos. 
Mas, apesar do aspeto modesto e cinzento desta fachada, o que nos espera no interior é exatamente o oposto, uma nave majestosa, em estilo barroco, com uma cúpula lindíssima, as paredes e pavimentos em mármore e os altares revestidos em talha dourada. Existem dez capelas laterais, todas elas enriquecidas com peças de arte de artistas importantes daquela época, mas, o mais fascinante, é mesmo o altar-mor, que é uma verdadeira preciosidade.
Terminámos o nosso percurso ao longo do Spaccanapoli e, antes de entrarmos no Bairro Espanhol, passámos ainda na Piazza Dante.

Trata-se de uma praça pública com um edifício imponente, em arco, de onde se eleva a torre do Orologio Equazione del Tempo. Mas, o que realmente domina esta praça, é a estátua do poeta Dante Alighieri, executada no século XIX, pelo escultor napolitano Tito Angelini.

Quartieri Spagnoli:

Da Piazza Dante seguimos o caminho até à zona mais típica da cidade, o Bairro Espanhol. Entrámos pela Piazza Montesanto, junto à igreja que lhe dá o nome, a Basilica di Santa Maria in Montesanto, que foi construída e ocupada por uma comunidade de frades carmelitas originários de Montesanto, na Sicília.

Mas esta praça é também conhecida pela sua estação ferroviária, de comboio e Metro, e sobretudo pela Stazioni della Funicolare, que liga o bairro ao monte do Castel Sant’Elmo, ao longo de uma encosta onde se dispõem alguns dos prédios típicos desta zona da cidade.

Saindo da estação Montesanto entramos numa zona onde as ruas são usadas diariamente como um mercado, ora com vendedores ambulantes, ora são as própria lojas locais que se estendem ao longo das ruas e praças. É a isto que chamam o Mercado Pignasecca, um local com grande frenesim, que tem tanto de típico como de estranho, quase faz lembrar os mercados berberes do Norte de África, fascinantes, mas pouco apelativos para compras, apesar da boa disposição dos turistas quando assistem a toda aquela dinâmica. 
O Mercado Pignasecca é sobretudo frequentado por napolitanos e talvez não seja a melhor zona para que os turistas façam grandes compras. Mas será imprescindível dispensar algum tempo vagueando pelas bancas de todo o tipo de artigos que ali se encontram, para apreciar toda aquela azáfama… e, nesta zona de Itália, há sempre um ruído de fundo, aquele italiano cantado, ou quase gritado, que é uma das marcas bem audíveis deste mercado. 


O mercado vai-se espalhando pelas ruas do Bairro Espanhol, com uma imagem permanente das habitações degradadas que caracterizam esta zona napolitana, e termina na Piazza della Carità, junto à Via Toledo, a avenida que separa o centro histórico do Bairro Espanhol.
         

A Via Toledo sai da Piazza Dante na direção do mar e tem uma extensão de cerca de um 1 km. É maioritariamente pedonal, está cheia de lojas, e sempre preenchida com uma multidão de turistas e napolitanos, o que faz desta rua um dos principais eixos comerciais da cidade.

Uma das suas atrações é a própria estação de Metro, cuja recente renovação esteve integrada no projeto The Art Stationscom, decorando-a com uma imagem futurista e muito apelativa… mas não nos calhou entrar ou sair nesta estação, embora tivéssemos descido a escada e tentado ver o seu interior, mas não conseguimos, a decoração estava para lá dos torniquetes. Assim, voltámos à rua exatamente onde fica a estátua de aço do Cavaliere di Toledo, uma das atrações locais.

Falo-vos agora de novo do Quartieri Spagnoli, que se dispõe acima da Via Toledo, desde o sopé da encosta que sobe até ao Castel Sant’Elmo, e que é o verdadeiro bairro típico napolitano... ainda mais sujo e mais grafitado do que o resto da cidade. 

Mas é aqui que reside a alma desta terra, é aqui que a cidade mostra a sua identidade, que é também a identidade das suas gentes.

E é nestas ruas estreitas, algumas pouco mais que becos, que os napolitanos se revelam. É aí que os podemos ver, vivendo quase em comunidade, as ruas como se fossem os seus próprios pátios, com janelas e portas abertas, e a roupa estendida (muitos lençóis tem aquela gente para estender). 
         

E nós, forasteiros naquelas paragens, ficamos inquietos, sem saber se aceitamos o convite e entramos naquelas ruas, quase como quem entra em casa das pessoas, ou se fugimos por outras avenidas menos perturbadoras. Mas a resposta é fácil, só podemos querer entrar naquele mundo fascinante, de mente aberta e disponíveis para uns ruidosos… buona notte ou… grazie mille.

E para que a experiência seja a valer, é preciso que nos demoremos por lá, de rua em rua, pátio em pátio, como quem entra de casa em casa, com vontade de interagir e de tentar captar a onda magnífica com que os napolitanos vivem a sua vida, com as suas paixões… pela família (famiglia aiuta famiglia), a comida (la bella pizza napolitana), pela música e pelo futebol, do seu Napoli e do seu eterno Maradona.

É isto que faz a diferença na cidade de Nápoles, não são as ruas, as casas ou os monumentos que fotografamos, é a alma de um povo que só ali pode ser sentida e dá à cidade uma identidade que não encontramos noutros locais deste país.

Foi aqui e só aqui, que uma cidade feia, caótica e cheia de lixo, se transformou num quadro pitoresco de todo um povo, o que nos deixou emocionados e ligados a pessoas de que só reconhecemos os vultos e ouvimos alguns pregões entusiasmados – belíssimo.
         
Esta emotividade que o bairro transmite, poderá ter sido determinante para a escolha da UNESCO ao considerar este centro histórico como património.

Para que um final de tarde no Quartieri Spagnoli se torne perfeito é necessário ficarmos até ao jantar para aproveitar um dos muitos restaurantes do bairro, alguns deles com esplanadas em plena rua, uma vez mais, como se estivéssemos numa casa napolitana. Foi isso que fizemos nas duas noites que andámos por esta zona e, por isso, posso recomendar dois destes restaurantes - a Trattoria da Nennella, uma referência nesta zona para una buona pasta - e a Trattoria A Figlia d'a Maruzzara, com bons pratos de peixe e de marisco.

San Ferdinando:

Como ainda não era hora de jantar, seguimos a nossa caminhada pela Via Toledo na direção do mar, entrando no distrito de San Ferdinando, onde a cidade se torna menos suja e caótica, e começam a surgir prédios de aspeto mais luxuoso e alguns edifícios monumentais. 
Esta transição do típico para o monumental ganha forma sobretudo quando nos aproximamos de uma das principais praças de cidade, a Piazza del Plebliscito. Um espaço cheio de referências históricas e onde conseguimos ter a melhor imagem do monte do Castel Sant’Elmo, que domina toda a cidade como um farol protetor.

Já na enorme Piazza del Plebliscito, estamos rodeados por quatro monumentos de referência da história da cidade, o Palácio Real, o Palácio Salerno, o Ufficio Territoriale del Governo di Napoli e a Basilica San Francesco di Paola. Não visitámos qualquer destes monumentos, nem sequer a Basílica... às vezes o cansaço é tanto que já não queremos mais arte nem mais cultura, precisamos é de uma esplanada confortável e de uma cerveja - neste caso de una birra - muito fresquinha.

Mas sabíamos que a Basilica San Francesco di Paola era uma das grandes igrejas da cidade. Um edifício criado, juntamente com a própria praça, no início do século XIX, pelo rei de Nápoles Joachim Murat (cunhado de Napoleão), como uma espécie de Panteão em homenagem ao imperador. Anos mais tarde, com a queda de Napoleão e da própria família real napolitana, o monumento foi convertido na igreja que hoje encontramos, e que foi dedicada a São Francisco de Paola, que tinha vivido num mosteiro neste mesmo local, alguns séculos antes. É por esta razão que nos deparamos com um formato tão inusitado para uma igreja, com uma cúpula semelhante à do Panteão de Roma e uma estranha fachada para um templo católico, com um pórtico apoiado num grupo de colunas jónicas. 
Um último olhar sobre esta praça imensa e monumental, e seguimos em frente à procura da uma esplanada… para a tal cerveja muito fresquinha.


Mas, pouco depois, somos presenteados por uma paisagem distinta desta cidade, pela proximidade do Mediterrâneo e pela vista, lá ao fundo, do grande vulcão adormecido, o Vesúvio.

Entrámos assim num bairro chique da cidade, embora ainda dentro do distrito de San Ferdinando, o Bairro de Santa Lucia corresponde à zona marginal com as ruas mais charmosas e com edifícios cheios de estilo, como a Via Ammiraglio Ferdinando Acton, que nos conduz até à Fontana del Gigante e até à pequena ilha onde encontraremos a silhueta inconfundível do Castel dell’Ovo.


E um pouco mais à frente, já na via Partenope, mais uma bonita avenida marginal, chegámos à ilhota de Megaride e ao seu imponente castelo medieval, o Castel dell'Ovo.

O nome deste castelo resulta de uma antiga lenda, segundo a qual o poeta Virgílio – que, na Idade Média, era considerado como uma espécie de mago – terá escondido no interior da fortaleza um ovo mágico que iria garantir que a sua estrutura se mantivesse de pé, mesmo nas condições mais adversas, como num sismo ou numa erupção do Vesúvio. Porém, a quebra desse ovo, provocaria não só o colapso do castelo, mas também uma série de catástrofes em toda a cidade de Nápoles. Provavelmente o ovo será de boa qualidade porque a fortaleza ainda ali continua de pedra e cal.

Atualmente, o Castel dell'Ovo é um ícone turístico da cidade e permite o acesso ao público para visitas, ou para participação em eventos e espetáculos que lá se realizam frequentemente. Mas ao longo da sua história teve sempre uma utilização muito restrita, e chegou mesmo a funcionar como palácio real dos soberanos de Nápoles. 

Neste final de tarde aproveitámos as paisagens junto ao mar, coloridas pelos tons do entardecer, e sempre com a imagem em fundo do Monte Vesúvio, o vulcão privativo desta cidade.
Regressámos depois ao centro histórico, junto à Piazza del Plebliscito, ainda no distrito de San Ferdinando, onde se encontra o Teatro San Carlo, o antigo Teatro Real que tem sido a sala ópera da cidade de Nápoles. A sua origem remonta ao início do século XVIII, o que faz deste teatro o mais antigo em toda a Europa que ainda está em atividade. Mas, infelizmente, toda a fachada do teatro San Carlo estava coberta por tapumes devido a trabalhos de recuperação, e não a pudemos ver.

Logo em frente da porta principal deste teatro fica uma das entradas da Galleria Umberto I, a grande galeria comercial da cidade, mas que, atualmente, é bem mais uma atração turística do que um local onde os napolitanos fazem as suas compras. 

Mas nem sempre foi assim, desde a sua abertura, no final do século XIX, e devido ao seu aspeto vistoso e à sua localização central, a Galleria Umberto I tornou-se num dos mais importantes centros de comércio da cidade, embora direcionado para a população mais abastada. Era até uma referência por ser o lugar onde os homens mais ricos iam engraxar os sapatos, pelo menos até a década de 1950.


A galeria é muito parecida com a Vittorio Emanuele II de Milão e começou a ser construída imediatamente depois da sua congénere milanesa ter sido concluída. É uma verdadeira obra-prima da arquitetura, sobretudo devido à extraordinária cúpula central, que se prolonga por dois corredores dispostos em forma de cruz, também eles com grandiosas abóbadas envidraçadas.
À saída das galerias encontramos uma outra fortaleza medieval, o Castel Nuovo. A sua origem remonta ao século XIII e, durante a sua história, teve várias utilizações, tendo mesmo sido a sede real dos Reis de Nápoles. A sua localização, perto do mar, a dimensão imponente e o seu formato, ladeado por torres de vigia, faz desta fortaleza um dos marcos arquitetónicos da cidade de Nápoles. Atualmente é um dos pontos turísticos da cidade, está aberto para visitas ao público, e é também utilizado para a realização espetáculos e outros eventos.
De um dos lados do castelo desenvolve-se a Piazza Municipio, uma imensa praça que se estende da Comune di Napoli - o edifício da Câmara Municipal - até ao cais da Stazione Marittima, já no porto.

Não tivemos sorte e encontrámos a praça transformada num enorme estaleiro das obras de uma nova estação de metropolitano. É algo que se prolongará por alguns anos, mas, no final, certamente que a praça vai ficar bastante interessante.

Será certamente uma das mais bonitas praças da cidade, pela sua amplitude, pela proximidade do Castel Nuovo, por chegar até perto do mar, e pelos edifícios monumentais que ali encontramos, a Comune di Napoli, o edifício do Grand Hotel Londres (onde atualmente funciona o Tribunale Amministrativo Regionale), ou a bonita fonte existente em plena praça - a Fontana del Nettuno - que foi retirada da zona afetada pelas obras e reposicionada junto ao edifício da Câmara.


Corso Umberto I:

Entramos assim no eixo que nos permite fechar o contorno do centro da cidade, o Corso Umberto I. Trata-se de uma avenida com bonitos edifícios clássicos que sai da Piazza Giovanni Bovio, onde encontramos a monumento equestre de Vittorio Emanuele II, e segue até à Piazza Garibaldi, junto à estação ferroviária.
Uma vez mais, o efeito das obras do metro vai estragando o aspeto de grande parte desta avenida, perdendo-se bastante do seu interesse. Mais tarde, quando as obras acabarem, esta será, sem dúvida, uma bonita avenida.

Também nesta zona encontramos restaurantes de referência desta cidade que não posso deixar de mencionar. A pouco mais de 50 m de distância entre si, ficam duas pizzerias de referência da cidade de Nápoles, a Trianon e a L'Antica Pizzeria da Michele. Ambas com excelentes pizzas feitas em forno de lenha, são as autênticas pizzas napolitanas, enormes e muito à base de tomate e manjericão. 

Apesar das pizzas serem semelhantes nos dois restaurantes, há uma grande diferença entre os dois. É que a L'Antica Pizzeria da Michele é a pizzeria mais famosa da cidade, e é também bastante mais cara, e sempre com longas filas para se conseguir um lugar... tudo isto porque foi lá que rodaram as cenas do filme “Comer, Orar e Amar” em que a atriz Julia Roberts se deliciou com algumas iguarias fantásticas da cozinha italiana.

Por causa de tudo isto a Trianon funciona como uma excelente alternativa, com pizzas idênticas, mas mais baratas, e com muito menos confusão... e, aqui para nós, apesar das longas filas, acabamos por não conseguir encontrar a Julia Roberts.

Faltava ainda voltar ao porto da cidade, depois de lá termos estado para apanharmos o barco para Capri. Trata-se de uma das referências napolitanas, não por ser um local particularmente apelativo, mas por fazer parte da vida dos habitantes desta cidade, muito ligados à importância do mar na sua história e na sua vivência. 

E é aqui, junto ao Porto, sobretudo quando já nos afastamos nalguma embarcação, que conseguimos observar a imagem completa desta cidade, com o amontoado de casas que sobem pelas encostas do monte do Castel Sant’Elmo, e o próprio castelo, que parece comandar toda a cidade.
É assim que terminamos a nossa visita a esta cidade muito especial, feia e suja, de quase nos assustar, mas com uma alma própria muito envolvente. Quando olhamos à distância, relembramos a silhueta da cidade e surge a memória das pessoas que ali vivem... e dá-os a nostalgia da despedida, de um local e de um povo que nos cativou, e que gostávamos de ter conhecido mais de perto.