terça-feira, 7 de setembro de 2021

Madeira - Costa Sudoeste


Ao quarto dia voltámos à costa Sul, desta vez no quadrante Sudoeste, entre o Funchal e o extremo mais ocidental da ilha, a Ponta do Pargo.

Miradouro da Eira do Serrado

No interior da ilha, mas ainda próximo do Funchal, ergue-se um complexo montanhoso onde se forma um autêntico buraco, o sítio mais recôndito do mundo, onde nasceu uma povoação, sabe-se lá como e porquê, a conhecida aldeia do Curral da Freiras. Hoje em dia já é possível chegar lá através de um túnel, mas, durante décadas, o acesso a este local era uma autêntica aventura.

No entanto, sempre foi possível observar o Curral das Freiras do alto de uma das montanhas que a envolve, onde encontramos o Miradouro da Eira do Serrado e onde nasceu um hotel, com paisagens de cortar a respiração de todo um imenso e profundo vale, onde dorme a minúscula aldeia.
Comtemplem esta paisagem grandiosa e agora imaginem um dia de Inverno, com vento e chuva forte, o que será destas populações? À mercê de uma natureza capaz de os engolir numa torrente de águas escorrendo por todas aquelas encostas circundantes.

E pensem também nas antigas estradas que tinham para lá chegar e, sobretudo, para de lá fugir… um caminho de cabras escavado na rocha, hoje abandonado, ou um caminho em forma de serpente, ao longo da ribeira, para onde olhamos a partir do miradouro com uma perturbadora sensação de vertigem.


Cabo Girão

O miradouro do Cabo Girão fica sobre um promontório que atinge 580 m de altitude, com a curiosidade de ser o mais alto cabo em toda a Europa. É suposto oferecer uma vista deslumbrante, sobre o mar e sobre as fajãs do Rancho e do Cabo Girão, pequenas terras cultivadas encostadas ao mar, mesmo por debaixo do miradouro. Mas, na verdade, a altitude é tanta que as vertigens não me deixavam olhar para baixo e só conseguia ver o azul do mar, sem distinguir os contornos que definem as falésias.

A alternativa é olhar para o lado, na direção de Câmara de Lobos, e aí conseguimos encontrar uma paisagem mais definida, com os terrenos cultivados e as casas que formam as pequenas aldeias que ocupam as encostas.
O miradouro foi recentemente alvo de obras de requalificação, tendo sido construída uma plataforma em vidro, denominada de skywalk, onde nos basta olhar para baixo para conseguirmos avistar a superfície do mar lá no fundo, por baixo de nós, mais uma sensação perturbante e desconfortável… para mim, claro, outras pessoas ficaram tranquilas sobre a plataforma a olhar para o mar.

Ponta do Sol

Toda esta costa Sul era de acesso quase proibitivo há duas décadas atrás, com as estradas a recortar cada uma das ribeiras que rasgam as falésias, obrigando a horas de viagem para se fazer este percurso junto à costa. Os primeiros acessos através de túneis para esta zona, foram feitos há pouco mais de 25 anos, e apenas na ligação entre o Funchal e a Ribeira Brava, só depois disso têm vindo a ser contruídas as restantes ligações.

Atualmente, já toda esta costa está servida por um conjunto de túneis que ligam as principais povoações, como aliás acontece em quase toda a ilha, permitindo viagens de poucos minutos, quando anteriormente se demoravam horas.

Esta rede regional de túneis, complementada por um conjunto notável de viadutos, pode ser vista como o resultado de uma política despesista e desequilibrada da região, sobretudo quando comparamos com outras regiões do nosso país. Mas isso são politiquices entre a gestão regional e governo central, que sempre apaparicou esta região, gerida como se estivéssemos no faroeste pelo xerife Alberto João… e tudo isso é completamente deplorável.

Mas, hoje em dia, não olho para este conjunto inacreditável de obras como algo resultante de negócios pouco justos e com uma transparência duvidosa, olho apenas, enquanto engenheiro, apreciando esta imensa obra-prima da engenharia, pela sua dimensão e extrema qualidade, quer dos projetos quer da construção, e isso é algo extraordinário.
Voltando à nossa viagem, desta vez não parámos na Ribeira Brava, uma cidade que não considerei suficientemente relevante para ser mencionada nesta crónica, e seguimos diretamente para a Ponta do Sol, uma praia encaixada num vale de bananais, com uma marginal onde encontramos algum requinte.
A povoação estende-se pelo vale acima, com a costumeira igreja matriz e já com uma rua pedonal ocupada pelas esplanadas dos restaurantes. Mas o que mais se distingue na Ponta do Sol é o mar azul da sua praia, que aqui está protegido por um molhe que não deixa que as ondas fustiguem a costa, o que permite que se aproveite um mar mais ou menos tranquilo.

Saindo depois pela estrada antiga junto à costa, passando através de um daqueles túneis meio-artesanais, e até um pouco assustadores, encontramos a Cascata dos Anjos. Uma queda de água sobre a própria estrada, onde todos paramos para experimentar um duche refrescante e observar as águas que são pulverizadas pela montanha, onde a incidência do sol faz com que se vejam os tons do arco-íris.

Calheta

Continuámos para Oeste e, logo depois do túnel seguinte, chegámos à Madalena do Mar, um povoado minúsculo rodeado por bananeiras, e com uma praia de calhau onde as águas podem chegar agitadas, por falta de um molhe que as protejam, mas não era o caso neste dia.
É um local sem qualquer brilho ou requinte, do mais bravio que pode existir, mas permitiu que nos aventurássemos junto a um bananal e apanhássemos mesmo umas bananas de um cacho enorme, que comemos apenas algumas semanas depois, quando ficaram maduras e doces.

A banana é um património da Madeira e, mais do que uma riqueza para a economia da ilha, é uma delícia que não parei de consumir, quer aquelas que se vendem nas praças ou supermercados quer as que compramos na berma das estradas, onde nos oferecem algumas espécies diferenciadas, umas maiores e outras minúsculas. Em qualquer dos casos sou um fã incondicional da banana madeirense… mas sempre bem madurinha, detesto aquele paladar da banana verde que nos encortiça a boca.

A introdução da bananeira na ilha é antiquíssima, deve remontar ao século XVI, tendo em conta os registos que foram deixados dessa época, onde era também referido que teriam tido origem na China. E desde então, não parou de ser produzida, vendida e consumida… e é consumida a qualquer hora do dia, ao natural, ou a acompanhar uma fatia de queijo. Faz parte das receitas de alguns pratos da gastronomia local, como o filete de espada preto com banana, e é indispensável ao fabrico do licor de banana, tão apreciado no arquipélago… e, para as crianças, é preparada a tradicional merenda com banana da Madeira, bolacha e sumo de laranja.

Em vez de uma explicação daquilo que constitui a produção e comercialização da banana e dos seus derivados, tão importante para a economia local, foquei-me apenas numa ótica de utilizador, de que sou militante, desde a bananinha descascada, até à merenda tradicional, feita supostamente para as crianças.
E depois desta pausa… que é quase uma pausa para lanche, voltámos à estrada e, pouco depois, estávamos já a chegar à Calheta.

Mais uma povoação sem grande importância, mas esta com uma marina de recreio nova e um Savoy de alto luxo, junto ao mar, e com uma praia muito especial, criada a partir de dois quebra-mares em talude que protegem da força das águas uma área em forma oval, onde foram criadas duas praias de areia… mas o mais curioso é que se trata de areia branca.

Esta ideia de criar praias de areia branca na Madeira, onde só existe calhau e areia preta, é algo bizarra. Desde logo não é uma solução natural, funciona como uma espécie de maquilhagem e, além disso, com o tempo a areia branca vai-se misturando com a preta e fica uma grande mixórdia, tal e qual como com a maquilhagem. No entanto, estas praias de areia vinda do Sahara, no Sul de Marrocos, são a coqueluche destas terras, e atraem bastante a população. 

Também demos uns mergulhos para refrescar, que nos souberam muito bem, mas sentimos a coisa um pouco estranha, teria sido mais interessante se a areia fosse preta, mesmo de lá da Calheta, mas talvez seja só porque estamos habituados às praias brancas… afinal, tudo é relativo.

Jardim do Mar

Cada terra tem a sua atração e esta tem um longo calçadão junto ao mar, que poderia parecer uma coisa banal, numa zona rodeada pelo mar por todos os lados, mas não é. Porque só aqui, no Jardim do Mar, é possível fazer um longo passeio junto ao mar enquanto apreciamos o marejar das ondas e observamos as grandes falésias que também se erguem nesta zona da costa Sul.
Numa das extremidades deste calçadão encontramos uma rampa de betão, improvisada como praia por vários jovens locais e, logo ao lado, junto à esplanada de um pequeno bar-restaurante, sentimos o aroma das lapas grelhadas, um dos petiscos irresistíveis da ilha.

Subimos até à esplanada e mandámos vir uma dose de lapas que acompanhámos com o típico bolo do caco com manteiga de alho, que nos foi perseguindo à mesa durante toda a viagem pelo arquipélago, e ainda com uma cerveja Coral, a cerveja produzida aqui na Madeira, indispensável para o resultado pretendido.

À saída do Jardim do Mar passámos por outra povoação desta costa, o Paul do Mar, que só conseguimos ver em condições quando subimos a encosta e atingimos um ponto de observação, que é chamado de Miradouro do Paul do Mar, e que nos dá uma bela paisagem sobre esta encosta.

Farol da Ponta do Pargo

É o ponto mais ocidental da ilha e seria o local ideal para assistirmos ao pôr-do-sol, mas não quisemos ficar até tão tarde num local tão distante. Assim, não deu para aproveitar as cores alaranjadas que ali se formam à hora em que o sol se põe, mas conseguimos umas bonitas paisagens das falésias que se estendem nos dois lados do farol.

O farol da Ponta do Pargo ergue-se na Ponta da Vigia, uma arriba a 290 m de altitude. Com a sua origem nos anos 20 do século passado é um dos faróis classificados do arquipélago, e constitui o primeiro sinal da presença da ilha para os navegantes que vêm de Oeste.

Câmara de Lobos

De regresso à zona do Funchal, escolhemos o final de tarde para visitar a baía de Câmara de Lobos, porque é nessa altura que conseguimos aproveitar o melhor que esta zona tem para oferecer… faríamos uma paragem para provar uma das típicas ponchas e depois iriamos espreitar a Praia de Vigário, o melhor sítio nesta povoação para apreciar o pôr-do-sol.

Mas antes de tudo isso começámos por observar um pouco das paisagens desta vila, localizada a poucos quilómetros do centro do Funchal, numa área muito urbanizada. A parte velha, que se dispõe junto ao mar, é formada por um conjunto de casas pitorescas, encavalitadas entre si, que ocupam a envolvente da baía, na base de uma encosta cheia de bananeiras.


Saindo depois do porto, somos surpreendidos por um imenso leão marinho feito de desperdícios pelo magnífico Bordalo II, que vai deixando as suas obras de arte pelo país fora.
Virámos, entretanto, na direção da Praia do Vigário, que não é, de todo, uma boa praia, sobretudo devido ao calhau grosseiro que ocupa o seu “areal”, mas é um local fantástico pela paisagem brutal que o envolve.

A imagem que nos é oferecida mostra o Cabo Girão ao fundo e aquela estranha encosta que parece ter sido recortada por uma navalha gigante, fazendo parecer que o casario que ali se dispõe terá sido poupado por misericórdia àquela navalhada. Mais tarde voltaríamos a este local para tentar assistir às cores do pôr-do-sol, esperando que as nuvens se desviassem um pouco para nos deixar assistir ao espetáculo.
Voltando ao centro da vila, entrámos agora na rua da Nossa Sra. da Conceição, onde se ergue a capela com o mesmo nome, e nos leva até à zona de mais animação, com bares e restaurantes.

E é nesta mesma rua que encontramos as famosas ponchas originais. A poncha é uma autêntica instituição da Madeira e até já foi consagrada como um Direito de Propriedade Intelectual do povo madeirense. Trata-se de uma bebida tradicional, completamente enraizada na cultura do povo madeirense, cuja origem remonta ao século XIX.

A poncha apresenta alguma flexibilidade na seleção dos ingredientes, sendo o único ingrediente obrigatório, a aguardente de cana, o chamado rum madeirense. Os restantes ingredientes são selecionados livremente, desde o mel e o açúcar, aos citrinos, ao maracujá e até ao absinto… provámos quase todas, menos a de absinto, e confesso que gostei da maioria.

Hoje encontramos ponchas por toda a ilha, e até em Porto Santo, mas a poncha madeirense original é a chamada Poncha à Pescador, que leva limão, e é daqui desta mesma rua de Câmara de Lobos.
De todos os bares que servem a poncha aqui na baía de Câmara de Lobos, escolhemos aqueles que já conhecia e que recomendo como os melhores locais para experimentar a verdadeira poncha madeirense, realmente original… o Bar Number Two e o Bar Filhos d’Mar.
         
Para terminar o dia, e não tendo sido possível assistir ao pôr-do-sol na Ponta do Pargo, aproveitámos a praia do Vigário, que também nos brinda com belas imagens, enquanto o sol se põe.


Estreito de Câmara de Lobos

Saímos a caminho do Estreito, onde iríamos jantar, mas escolhemos as estradas secundárias que nos levaram pelos vales mais apertados, onde iríamos encontrar uma quantidade imensa de vinha, com a azáfama do final de um dia de vindima.

O Vinho Madeira, tantas vezes celebrado por poetas e apreciado por figuras notáveis em todo o mundo, é um dos grandes embaixadores da Ilha da Madeira… e isso eu já sabia. Só não sabia que a maior parte das vinhas que contribuem para a produção do Vinho Madeira se encontravam na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos.

As vinhas crescem sobre armações em arame criadas a cerca de metro e meio do solo, e espalham-se formando uma espécie de teia e vão revestindo as encostas, criando uma imagem rara e muito peculiar.

Foi esta a paisagem surpreendente que encontrámos nos vales da freguesia do Estreito, numa altura em que se faziam as vindimas, difíceis de realizar pela inclinação dos terrenos… não estávamos à espera e ficámos deslumbrados com este tipo de paisagem, que desconhecíamos completamente.
Na verdade, já sabia que esta freguesia produzia uma agricultura rica e diversificada, mas desconhecia a existência de tantas vinhas para produção do Vinho Madeira.
Desta vez, só passámos naquela estrada em direção à povoação do Estreito, para irmos jantar num dos dois restaurantes de referência para se provar a típica espetada madeirense.

Entre o Santo António e o Restaurante As Vides, costumava escolher sempre o segundo, e foi também essa a escolha que fizemos desta vez, para experimentarmos as alternativas mais tradicionais da espetada, devidamente acompanhada por batata e milho frito… de vaca em pau de loureiro, também de vaca, mas em espeto de aço com folhas de louro, e de frango… parece estranho, mas esta última é a minha favorita.
Provámos um pouco de cada uma para terminar em beleza mais um dia fantástico nesta ilha encantadora.