Ao virar do século XX vivi quase três anos, embora de forma intermitente, na cidade do Funchal, por isso, é agora difícil voltar a ver esta mesma cidade com os olhos de um forasteiro, pois muitos dos espaços que ali encontro ainda me são familiares. Mas, a verdade é que a cidade mudou, como eu também mudei, e isso permite uma visão diferenciada da imagem que eu guardava deste local e foi com esses olhos, abertos à descoberta de algo novo, que entrei pela cidade adentro, quase com o chip de um turista que acabava de aterrar na ilha pela primeira vez.
Não visitámos a cidade de uma única tirada, mas sim em breves parcelas de cada dia, e também durante os serões, quando saíamos para jantar. A cidade continua muito ativa durante o dia, com a sua vivência habitual, que faz desta cidade uma das mais evoluídas do nosso país, mas também com uma presença constante de turistas de todas as nacionalidades. Quanto às noites, são pouco animadas em todo o centro histórico, mas mais mexidas junto aos hotéis, já afastados do centro, próximos da zona da chamada Estrada Monumental.
De qualquer forma, nos vários períodos que dedicámos a visitar a cidade, não deixámos de percorrer as principais zonas de referência, que aparecem assinaladas neste mapa:
Centro Histórico
Dividi a cidade em três zonas distintas, com diferenças bem vincadas, quer na própria arquitetura quer na sua vivência, com mais turistas ou mais habitantes. Esta parte da Baixa do Funchal inclui os principais edifícios de referência da cidade, como o Mercado, o Forte ou a Sé, mas também os principais edifícios públicos, como a Câmara Municipal ou o Tribunal.
Começámos a visita pela parte mais velha da cidade, do lado Nascente, num emaranhado de ruas apertadas, como a Rua de Santa Maria, que à noite se transforma numa esplanada quase contínua, e que nos leva até ao Largo do Corpo Santo, um espaço muito típico, ocupado por várias esplanadas e onde encontramos uma pequena igreja com o mesmo nome do largo, a Capela do Corpo Santo.
Trata-se de uma pequena capela construída nos finais do século XV, pelos pescadores, em devoção ao seu santo padroeiro, o São Pedro Gonçalves Telmo. Atualmente, já pouco resta da igreja original, mas talvez a devoção dos pescadores pelo seu santo se mantenha ainda intacta.
Logo de seguida chegamos à Fortaleza de São Tiago, uma fortificação que protegia a cidade dos ataques dos corsários, que ocorriam ainda nos séculos XV e XVI. Desde então a fortaleza foi utilizada exclusivamente com fins militares, até que, na década de 90 do século passado, foi cedida ao Governo Regional que decidiu utilizá-la para atividades culturais.
A partir de então, começou a exibir um programa cultural variado, sob a tutela dos museus do Funchal, com uma exposição permanente dedicada aos últimos anos da pintura em Portugal. Para além do museu, encontra-se também ali um restaurante requintado e muito bem localizado, literalmente sobre o mar.
Mas a principal beleza desta fortaleza é a imagem que obtemos quando a observamos do lado do mar, com as cores vivas do amarelo-ocre, enquadrada pelas águas do oceano e pela montanha salpicada pelo branco das casas.
Voltando à zona velha, percorremos de volta as ruas mais típicas, sempre com a Rua de Santa Maria em destaque, por ser aí que encontramos a maior concentração de restaurantes. No final chegamos a uma das atrações obrigatórias do centro do Funchal, o Mercado dos Lavradores.
O edifício do Mercado foi projetado pelo arquiteto Edmundo Tavares e foi inaugurado em 1940, apresentando o estilo típico da arquitetura do Estado Novo, numa combinação de art-déco e modernismo.
Tornou-se num dos principais ícones da cidade e é visita obrigatória para qualquer turista que venha à ilha da Madeira. Aqui encontram a imagem de um mercado português tradicional, com o talho, as zonas do peixe, as frutas e os legumes, mas, neste caso, há sempre uma imagem peculiar de algum exotismo, sobretudo pelas frutas e flores de espécies meio-tropicais que se encontram na ilha.
Logo à entrada aprecem as bancas de flores, com as estrelícias madeirenses em destaque, que são apregoadas por vendedoras vestidas com os coloridos trajos típicos da ilha.
Já no interior, destacam-se as bancas marcadas pelas cores vivas das frutas exóticas que estão expostas de forma bastante apelativa, apetecendo provar cada uma delas.
De novo nas ruas da Baixa do Funchal encontramos a azáfama de uma manhã normal, num vaivém de quem trabalha ou de quem anda às compras, percorrendo a Rua Dr. Fernão de Ornelas, agora transformada em passeio pedonal, ou atravessando uma das ribeiras que desce pela cidade, às vezes inundada pelas imensas enxurradas que descem pela encosta abaixo, mas hoje totalmente seca.
Cá mais acima, chegamos à Rua do Bettencourt e ao Largo do Chafariz, onde o Funchal continua a palpitar, ainda sem a presença dos turistas, que durante as manhãs são menos afoitos e vêem-se pouco.
Seguimos depois para a Praça do Município, que constitui o espaço mais nobre de toda a cidade do Funchal, uma praça decorada com a típica calçada à portuguesa, aqui tirando partido da pedra preta feita com o basalto vulcânico da ilha, e onde se concentram alguns dos principais edifícios públicos da cidade.
É assim que, num reduzido espaço público, se concentram o antigo Paço Episcopal, que é atualmente o Museu de Arte Sacra, a Igreja de São João Evangelista, também chamada de Igreja do Colégio, e o edifício dos Paços do Concelho.
A Igreja de São João Evangelista remonta à época em que os padres da Companhia de Jesus chegaram ao Funchal, no final do século XVI, e edificaram um colégio nesta zona urbana, onde ensinavam latim, retórica e teologia moral. No século seguinte foi então iniciada a construção da atual igreja que ocupa um dos lados da Praça do Município.
Encontramos ainda, bem ao centro da praça, um chafariz que inclui um pequeno obelisco que ostenta as armas do Funchal, terminando com uma esfera armilar e a Cruz da Ordem de Cristo, a simbologia que recorda o Rei D. Manuel I, que elevou a vila do Funchal a cidade.
Ainda na envolvente desta praça surgem outros edifícios públicos relevantes, como a Reitoria da Universidade da Madeira ou o Tribunal Criminal do Funchal.
Mais abaixo, numa das artérias mais importantes da cidade, a Av. Arriaga, junto ao edifício do Banco de Portugal, ergue-se uma estátua com a imagem de João Gonçalves Zarco, um dos descobridores da ilha da Madeira e que foi também o primeiro Capitão Donatário do Funchal.
Logo abaixo desta estátua encontra-se o principal edifício religioso do Arquipélago, a Sé Catedral do Funchal. Esta igreja está construída em tons de branco e preto, com as paredes caiadas e os blocos visíveis, na fachada e na torre, feitos em basalto escuro da ilha.
O edifício da Sé foi classificado como Monumento Nacional e tem um imenso valor histórico, arquitetónico e artístico, destacando-se, no seu interior, pelo retábulo da capela-mor, mandado executar no século XVI pelo Rei D. Manuel I.
A igreja possui ainda uma extraordinária cruz processional, oferecida por D. Manuel I, e considerada uma das obras-primas da ourivesaria manuelina portuguesa.
Voltando à Av. Arriaga e seguindo para o lado Poente, encontramos, de um lado, o Café Teatro e, do lado oposto, o Jardim Municipal do Funchal… tornando-se também visível uma fila de táxis, conhecidos popularmente pela sua cor amarela com frisos azuis, nos tons da bandeira da região. Estas cores são a marca de todos os táxis da ilha desde que, há já muitos anos, o então presidente do governo regional, Alberto João Jardim, financiou todos os taxistas para que mandassem pintar os seus carros com as cores da Madeira.
No fim desta avenida chegamos ao Chafariz da Rotunda do Infante, que é uma das imagens de marca da cidade, desde a sua inauguração em 1948, em pleno Estado Novo. Além do tanque principal do chafariz, revestido a basalto, e de um conjunto de repuxos e nebulizadores em todo o seu contorno, salienta-se sobretudo a esfera armilar feita bronze, que constitui a sua principal referência.
Ainda na mesma rotunda, vamos encontrar uma estátua do Infante Dom Henrique, feita em tamanho natural, homenageando esta personagem que terá sido uma das principais figuras do reino na época dos descobrimentos.
Zona marginal
A antiga marina do Funchal tinha todo o protagonismo nesta zona em que a cidade se encontra com o mar. Além da própria marina existia apenas uma avenida marginal, a Av. do Mar, e uma pequena faixa de calhau que formava aquilo que era considerada como a praia do Funchal.
Mas, no Inverno de 2010, a ilha sofreu uma enorme tragédia, depois das chuvadas torrenciais que caíram e que formaram uma torrente de lama imparável, criando destruição e desgraça. Depois da tempestade, e enquanto se contavam os mortos e se procuravam desesperadamente pelos desaparecidos, os funchalenses foram surpreendidos ao ver a sua baía completamente aterrada pelo aluvião que tinha escorrido pelas encostas abaixo. Assim, e de repente, o mar afastou-se da marginal e o Funchal tinha agora uma nova área de terreno junto ao mar.
Demoraram vários anos de obras complexas, quer no melhoramento dos sistemas de drenagem quer na reabilitação da cidade, para que esta zona marginal renascesse com uma nova cara, aquela que encontramos hoje em dia.
Foi assim criado um sistema de reforço e proteção das duas principais ribeiras que atravessam a cidade e chegam ao mar numa das suas praças mais icónicas, já existente antes do temporal, a chamada Praça da Autonomia. Aqui ergue-se uma estátua que assinala o dia da Autonomia da Madeira, estabelecida na Constituição Portuguesa em 1976.
Logo ao lado da praça da Autonomia a cidade estendeu-se sobre o mar, ocupando um novo terreno, designado, entretanto, por Praça do Povo. Neste novo espaço, foram criadas infraestruturas para que os funchalenses pudessem chegar até ao mar, incluindo algumas praias, mais do lado Nascente.
Mas a principal zona da Praça do Povo, que está perfeitamente ligada com a Av. do Mar, é agora utilizada como área de lazer, com jardins, espaços culturais, acessos a um novo porto de recreio, e até algumas composições artísticas que ali foram construídas.
Depois de tanta tragédia e destruição, a cidade renasceu das cinzas e surge agora mais ligada ao mar e mais cuidada, dando uma nova vida à própria Avenida do Mar e aos seus edifícios, como a Assembleia Regional da Madeira ou o Palácio de São Lourenço, uma instalação militar que domina esta zona da marginal.
Mas, apesar da renovação desta zona da cidade, senti, com alguma tristeza, que a antiga marina perdeu uma parte do seu fulgor. Os restaurantes perderam o charme e todo o espaço parece agora um mero armazém de barcos, sem o glamour que esperamos encontrar numa marina (embora a foto não represente perfeitamente essa desilusão). Pareceu-me que esta marina precisará urgentemente de uma renovação profunda para recuperar os seus melhores dias… mas não deixámos de voltar ao Restaurante Beerhouse, que continua muito semelhante àquilo que era, talvez seja uma das poucas exceções.
Estrada Monumental
Saímos da baixa rumo à zona mais nova da cidade, subindo pelo Parque de Santa Catarina, um parque municipal de onde é possível observar uma belíssima vista sobre o Funchal, desde a baía até à Ponta do Garajau.
Ao subirmos pelo parque começamos por encontrar a pequena igreja, a Capela de Santa Catarina, entrando depois num grande relvado, rodeado por canteiros onde são visíveis diversas espécies de arbustos e plantas provenientes dos lugares mais variados do mundo. Mais acima encontramos uma lagoa que é aproveitada para repouso e nidificação de algumas espécies de aves.
Do alto do parque, observando pelos dois lados distintos, de terra e de mar, são visíveis dois edifícios cor-de-rosa que estão ligados às figuras mais ilustras da ilha.
Junto à Avenida do Infante, encontramos a Quinta Vigia, uma moradia apalaçada construída no séc. XVII e recuperada nos séculos seguintes, que foi ocupada durante décadas por algumas figuras da monarquia europeia, entre as quais a imperatriz Isabel da Áustria, conhecida por Sissi, cuja vida foi retratada em vários filmes. Atualmente esta é a residência oficial da figura principal da região, o Presidente do Governo Regional da Madeira.
Do lado oposto do jardim, com vista sobre o porto, destaca-se um espaço recente que foi designado por Praça CR7, em homenagem ao filho mais ilustre da região, o nosso Cristiano Ronaldo, e onde se ergue um edifício pintado em tons de rosa idênticos aos da Quinta da Vigia, o Hotel Pestana CR7 Funchal.
Depois do jardim a Avenida do Infante vai transformar-se na Estrada Monumental, que percorre esta faixa costeira até Câmara de Lobos, atravessando a principal zona turística da ilha, onde se concentram a maioria dos resorts.
É ainda nas imediações deste jardim que surgem os hotéis mais emblemáticos da cidade, sobretudo das marcas Pestana e Savoy.
O primeiro desses hotéis é o Pestana Casino Park, um edifício clássico projetado por Oscar Niemeyer em 1966, associado ao Casino da Madeira, uma das instituições da cidade que sempre atraiu um tipo de turista muito específico. Em tempos visitei este casino, apenas para perder algumas moedas nas máquinas, mas, atualmente, não é algo que nos seja minimamente apelativo… nem visitar o casino e muito menos perder moedas.
Entramos depois numa área de moradias típicas, algumas convertidas em restaurantes ou mesmo em hotéis de charme, que formam um bairro muito interessante e bastante glamouroso, até que atingimos mais um dos hotéis de referência da cidade, o Carlton.
O Hotel Pestana Carlton é um clássico da ilha da Madeira e é, para mim, um local muito especial, porque foi neste hotel que eu vivi durante mais de dois anos. O edifício é imponente e localiza-se numa falésia rochosa com acesso a mar e, atualmente, encontra-se bastante bem recuperado o que permite manter as cinco estrelas originais.
Mas o principal hotel histórico da Madeira não é nenhum dos Pestana’s ou dos Savoy’s, o verdadeiro clássico da ilha é o Hotel Reid’s Palace, um espaço que materializa o sonho de William Reid, um escocês que resolveu criar este hotel longe dos Invernos severos dos países do Norte, que servisse de abrigo, durante esses períodos, às figuras mais ilustres de toda a Europa.
O Reid’s Palace foi inaugurado em 1891, com um serviço de primeira classe e um conforto requintado, e recebia os hóspedes mais distintos que chegavam em navios transatlânticos vindos do outro lado do oceano ou da Europa.
Ao longo da sua história, o hotel tem acolhido muitos hóspedes ilustres, incluindo membros da realeza britânica e europeia, presidentes, políticos, atores e artistas. O Livro de Ouro do hotel inclui os honrosos nomes do Rei Eduardo VIII ou da Princesa Stephanie do Mónaco, mas também dos atores Roger Moore ou Gregory Peck, que ali permaneceu enquanto decorriam algumas das filmagens do filme Moby Dick. A sala de jantar do hotel é conhecida por “House of Lords”, graças aos aristocratas britânicos que a frequentavam, e as Suites Presidenciais receberam nomes de alguns dos seus principais hóspedes, como George Bernard Shaw e Winston Churchill.
Mas, para nós, todo este luxo sumptuoso do Reid’s Palace Hotel é apenas uma miragem, na verdade limitámo-nos a apreciar a imagem exterior do edifício e a imaginar as noites requintadas de jantares dançantes que ali terão sido realizados.
Continuando pela Estrada Monumental surge depois a zona do Lido, muito popular pelas suas piscinas municipais junto ao mar e, mais à frente, a extensa Praia Formosa, e ao longo de todo esse trajeto vamos encontrando um sem número de resorts e hotéis que acolhem milhares de turistas de todas as nacionalidades.
Ao final da tarde, este corredor que é materializado pela Estrada Monumental e pelas suas transversais, está completamente apinhado de turistas que se vão distribuindo pelos inúmeros restaurantes que ali existem, de todos os tipos e para todos os gostos.
Para nós, a escolha certa foi o Restaurante Fora d’Oras, um espaço que frequentava muitas vezes há 20 anos atrás e que encontrámos agora totalmente renovado e ainda bastante melhor do que naquela época. Uma ótima escolha para terminar uma excelente tarde na fantástica cidade do Funchal.