À partida, esta cidade não seria uma escolha natural para ser incluída num dos nossos roteiros de viagem, mesmo considerando que temos andado a explorar o Norte de Espanha e, particularmente, a região da Galiza. Até porque Ourense não é daquelas cidades particularmente ricas e maravilhosas, que se tornasse imprescindível incluí-la nos nossos percursos.
Mas há um facto que faz desta cidade um local diferenciado e que esteve na origem na nossa decisão de fazermos esta visita. É que a Ana, a minha mulher, tem origens galegas, uma vez que o seu avô materno e todos os demais antepassados, são exatamente desta cidade Galega.
Mais ainda, um dos seus tios-bisavôs era mesmo uma das figuras mais distintas desta cidade, o pintor Veloso Salgado, que nasceu e cresceu em Ourense, e que, com pouco mais de 20 anos veio para Lisboa, tendo posteriormente sido naturalizado português, tornando-se também numa das figuras maiores da pintura portuguesa do início do século XX.
Foi com esse espírito de regresso às origens, pelo menos para a Ana e para as miúdas, a quem corre sangue galego nas veias, que visitámos a cidade de Ourense num dia de Verão do ano de 2022.
Antes de entrarmos na cidade velha fizemos uma primeira paragem junto ao rio que corre pelo vale, o Rio Minho, o nosso Minho, que mais à frente, a caminho do oceano, irá marcar a fronteira entre Portugal e Espanha, banhando as principais vilas raianas do Noroeste português.
Uma das atrações de Ourense encontra-se exatamente junto ao rio, trata-se de um conjunto de nascentes termais, com águas quentes e sulfurosas, que vão passando por piscinas construídas em pedra, do tipo romano, onde se fazem os tratamentos… reconheço que não fiquei a saber que tipo de moléstias são aqui tratadas.
As Caldas de A Chavasqueira, uma dessas termas, apesar do nome pouco apelativo, atraem muita gente à procura dos tais tratamentos, mas também, porque as águas quentes que aqui nascem, juntam-se depois ao rio, aquecendo as águas que são naturalmente frias.
Assim, é possível encontrar por lá muita gente (o que não acontecia neste dia), quer seja para usufruir da praia fluvial quer entrem mesmo nas tais piscinas para tratamentos, mas que, neste Verão, estavam encerradas devido a obras de reabilitação. Mais à frente, seguindo o sentido do rio, encontra-se outra zona termal semelhante, as chamadas Termas de Outariz e Canedo.
Saindo das termas pela margem do rio fizemos um percurso que faz parte do chamado Parque Biosaludable, e que nos fez passar sob duas pontes rodoviárias, sendo que, uma delas, se trata de um projeto de engenharia muito interessante e singular, a Puente del Milenio.
Ao longo do percurso começamos a avistar a imagem da principal ponte da cidade, a Ponte Maior de Ourense, uma ponte de arcos com origem na época romana, que atravessava o rio Minho desde o século I dC.
Há mais de dois mil anos os romanos instalaram-se nestes terrenos atraídos, entre outros motivos, pelas suas águas termais. Um dos legados mais importantes dessa presença romana foi exatamente esta Puente Mayor, que liga as duas margens do rio Minho e se tornou um símbolo da cidade.
Nessa época a ponte fazia parte de um ramal da estrada romana Via XVIII e era uma das vias principais para se chegar à cidade. Este protagonismo da ponte, garantindo o principal acesso a Ourense, foi-se mantendo ao longo dos séculos, até ter sido fechada ao tráfego motorizado, o que só aconteceu recentemente, no ano de 1989.
Mas durante os seus séculos de existência, o passar do tempo foi provocando diversos danos estruturais que foram levando a várias intervenções de reabilitação e restauro, algumas delas durante a Idade Média. Por isso, além do nome de Ponte Maior, esta ponte é também conhecida como Ponte Romana ou Ponte Medieval, ou até Ponte Velha.
Mas seja qual for o seu nome, esta ponte sobre o Rio Minho, será sempre um dos símbolos principais da cidade de Ourense.
Voltámos ao carro e percorremos alguns quilómetros até ao centro da cidade velha, estacionando num dos parques disponíveis, e percorrendo depois toda a cidade a pé, seguindo, mais ou menos, os trajetos assinalados neste mapa:
Começámos por parar no Miradouro que se forma num terraço que aproveita o desnível sobre a parte histórica da cidade, onde é possível contemplar a paisagem desta zona, que é claramente dominada pelo seu principal monumento, a Catedral de San Martín de Orense.
Percorrendo as ruas que constituem a Ciudad Vieja vamos descobrindo a riqueza do seu património. Ao longo de uma zona histórica que é relativamente pequena, torna-se bastante fácil atravessar as suas principais artérias, passando pelas praças e monumentos mais emblemáticos.
Chegámos pouco depois das 16h e tivemos que aguardar um par de horas até que a cidade acordasse, tal como acontece na maioria das cidades espanholas, provavelmente pelo hábito da siesta. Só então a cidade começou a movimentar-se, as lojas abriram e as pessoas começaram a aparecer, preenchendo as ruas e ocupando as esplanadas.
Só nessa altura abandonámos a esplanada onde tínhamos permanecido e começámos um percurso ligeiro, que nos levou pelas ruas e praças mais concorridas, e ao encontro dos principais monumentos.
Catedral de San Martín de Orense
Trata-se de uma Catedral românica construída entre os séculos XII e XIII, que apresenta a planta principal com três naves, em cruz latina, e uma cúpula monumental, que é a imagem de marca desta igreja e até da própria cidade, e que é visível do lado da Porta Sul, junto à Praça do Trigo.
A Catedral inclui alguns espaços de destaque, como a Capela Mor, a Capela do Santo Cristo e o Museu da Catedral, tudo isso no seu interior, e também o Pórtico do Paraíso, que forma a sua fachada Oeste, junto à Praza San Martíno.
Deste lado virado a Oeste a Catedral apresenta uma bonita fachada que integra o Pórtico do Paraíso, que foi construído no século XIII com influências marcadas de Compostela, evocando o Pórtico da Glória da Catedral de Santiago.
A porta que encontramos nesta fachada Oeste constitui a principal entrada na Catedral, apesar da escadaria de acesso que lá se encontra hoje em dia, ter sido construída muito recentemente, já depois do final do século XX.
Nesta fachada são também visíveis os arranques das duas torres de campanário inacabadas. Numa delas foi apenas construída a cúpula da torre sineira e, do lado oposto, nem essa cúpula existe. Podemos assim considerar que se trata de uma catedral que ficou por concluir, mas, mesmo assim, é o principal monumento da cidade de Ourense.
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A Norte da Catedral, na Rua Juan de Austria, encontra-se a sua Porta Norte, junto à tal torre inacabada desse lado virado a Norte.
Igreja de Santa Eufémia
Esta Rua Juan de Austria é das mais populares da cidade e encontra-se normalmente preenchida pelas mesas e cadeiras de várias esplanadas e, no seu topo, é ocupada pela fachada da Igreja de Santa Eufémia, uma importante igreja católica da cidade.
A igreja de Santa Eufemia, que pertenceu originalmente a um antigo convento jesuíta, é o segundo maior templo da cidade de Ourense, depois da Catedral. Foi construída nos séculos XVII e XVIII, sendo a sua fachada um excecional exemplo do barroco galego. Como a igreja teve de ser encaixada numa rua estreita, o arquiteto que a criou, idealizou um alçado frontal côncavo, para que se pudesse apreciar melhor a imagem que pretendia representar, numa solução poucas vezes utilizadas até à época.
O interior é formado por uma cruz latina com três naves longitudinais e, ao fundo, por um grande altar barroco com o Cristo da Esperança, uma obra do século XVIII.
Plaza Mayor
A Praça do Ayuntamento ou Plaza Mayor é cercada por pórticos na base dos edifícios periféricos, onde encontramos atualmente diversas esplanadas, que levam a uma enorme concentração de pessoas, quer de habitantes locais quer de turistas.
Já na antiguidade esta praça era o centro da vida social e comercial da cidade, e era ali que eram realizados os mercados e as festas, e outras atividades culturais e lúdicas.
O edifício do Ayuntamento, ou Câmara Municipal, domina um dos lados da praça. A sua construção remonta ao final do século XIX e possui uma fachada classicista com uma varanda no primeiro andar, um alpendre no piso térreo e exibindo na parte superior do edifício, um brasão e um relógio.
Ainda nesta praça, junto ao edifício do Ayuntamento, encontramos uma escadaria no topo da qual se ergue a Iglesia de Santa María Madre. Trata-se de um templo de estilo barroco, construído no século XVIII sobre um outro templo mais antigo, do ano 1084. Da antiga basílica ainda podem ser admiradas várias colunas com capitéis de mármore.
Logo ao lado, à direita de quem sobe a escadaria, nasce o edifício do antigo Palácio Episcopal. Esta edificação, começou a ser construída no século XII no lugar onde ficava o assentamento romano primitivo. Este recinto abriga hoje o Museu Arqueológico, dividido em duas seções: uma de arqueologia, que reúne uma coleção de objetos e peças de arte desde o período Paleolítico até a Idade Média; e uma outra de belas artes.
As Burgas
Ainda no centro histórico, um pouco abaixo da Plaza Mayor, encontramos a zona das Burgas, umas fontes de águas termais que deram fama a Ourense, de onde brotam águas a uma temperatura superior aos 60°C, que são aplicadas em tratamentos de diversos tipos de doenças da pele.
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Ruas de Comércio
Já só bem perto do final da tarde, por volta das 18h, é que a cidade de Ourense começou a acordar, trazendo as pessoas para as ruas, sobretudo para as principais ruas de comércio.
Na parte da cidade velha, os principais centros de comércio, neste caso, do chamado comércio tradicional, encontram-se na Rúa da Paz e na Rua Santo Domingo, que se ligam na Plaza do Ferro.
Mas a principal rua de comércio surge já numa zona mais moderna da cidade, a Rua del Paso, que liga o centro histórico ao Parque de São Lázaro.
É nesta rua que se encontram as lojas das principais marcas, como se fosse um centro comercial de rua. Mas vamos também encontrando alguns edifícios notáveis, desde os mais clássicos aos mais modernos.
Ao início desta Rua del Paso, no limite do casco velho, está a Plaza Eugenio de Montes, com uma estátua sui-generis que é chamada de La Granadina, e surgem também os Jardines de Padre Feijoó e o edifício monumental do Centro Cultural Marcos Valcárcel.
Seguindo ainda os roteiros do comércio local, chegámos ao Parque de la Alameda, perto do mercado da cidade, aqui chamado de Mercado de Abastos, como é hábito em Espanha. Logo em frente, atravessando uma das importantes ruas da cidade, a Rua do Progresso, encontra-se a Praza Bispo Cesáreo, com um bonito jardim, muito verde e florido.
Restaurantes de Rua
Para acabarmos o dia faltava agora procurar por um restaurante, que só começaram a abrir a partir das 20h. A cidade tem diversos locais com esplanadas onde se pode jantar, mas a maior concentração de restaurantes está na própria Praça Maior, na Rua Lepando e na Rua dos Fornos, onde os restaurantes se pegam uns com os outros, transformando estas ruas numa esplanada contínua.
O ambiente de rua é bastante agradável, muito à espanhola, que fazem das calles a sua casa. Os pratos galegos chegam-nos aqui em forma de tapas e raciones, algumas delas são as tapas tradicionais espanholas, mas outras são bem características desta região, como o Pulpo a Feira (a que chamamos Polvo à Galega), ou as deliciosas zamborinas das Rias Galegas.
Terminámos assim um dia bastante interessante e muito bem passado, numa local onde procurávamos simbolicamente pelas origens antepassadas, mas sem quaisquer expetativas, e encontrámos uma pequena cidade, bastante típica e com uma enorme carga histórica.
No que respeita às raízes de sangue e aos antepassados, ouvimos falar muito dos Romanos, mas nada sobre os Veloso Salgado, sobre os quais, na verdade, também nada esperávamos descobrir… em vez disso, encontrámos o que mais apreciamos nas cidades espanholas com o seu salero habitual, talvez seja mesmo o sangue que corre pelas veias, que faça com que nos agrade tanto uma noite de tapas e copas em plena rua, como neste serão quente que aqui passámos.
Agosto de 2022
Carlos Prestes