sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Buen Camino - Os verdadeiros Caminhos de Santiago (Padrón – Santiago)

De cada vez que o dia 25 de julho - dia de Santiago, o padroeiro da Galiza e de toda a Espanha - coincide com um domingo, a Igreja proclama o chamado Jubileu ou Ano Santo, que em Espanha é conhecido por ano Jacobeu (ou Xacobeo, em galego). Esta particularidade do 25 de julho calhar a um domingo é muito específica e leva a que os anos santos ocorram em intervalos inconstantes devido à existência dos anos bissextos, podendo assim passar 5, 6 ou 11 anos entre dois anos Jacobeu.

Ora, desde que ocorreu o ano Jacobeu de 2010, o seguinte só aconteceu 11 anos depois, ou seja, em 2021. Porém, devido ao estado da pandemia da Covid 19 que se verificava em 2021, o Papa Francisco declarou que este ano Jacobeu se estenderia até 2022… tivemos assim, pela segunda vez na história (a primeira vez aconteceu devido à Guerra Civil Espanhola), um Xacobeo que durou dois anos.
E qual é a razão do nome Jacobeu se encontrar ligado ao Apóstolo santificado nesta cidade Galega? A resposta está no próprio nome do Santo, para nós Tiago ou Santiago, que deriva de Sant’Iago (no português arcaico), Sanctus Iacobus (no latim), ou São Jacob (no hebraico)… e é do Jacob que surge a palavra Jacobeu. Saiba-se então que entre os 12 Apóstolos de Cristo não existia nenhum Tiago, nem provavelmente a maioria dos nomes pelos quais os conhecemos, porque, na realidade, todos eram hebreus e todos usavam o hebraico como idioma.

E foi precisamente o Apóstolo Jacob, o nosso São Tiago, o primeiro a ser martirizado e o único que tem o seu martírio narrado nas páginas do Novo Testamento da Bíblia.

Depois desta lição de história jacobeia pensar-se-ia que fomos duas vezes a Santiago durante este ano Santo de 2022, e uma delas em peregrinação, porque pretendíamos usufruir das vantagens que são concedidas a quem cumpre um conjunto de requisitos, nomeadamente chegar à cidade em peregrinação em ano de Jacobeu. Mas não, nada disso, estamos longe de cumprir os restantes requisitos… e até a própria peregrinação deveria ser de, pelo menos, 100km, e nós nem chegámos aos 30km.

Mas, na verdade, não contávamos obter indultos eternos ou outro tipo de perdão para os nossos pecados. Reconheço que isso nos diferencia dos peregrinos que seguem um chamamento de fé e devoção. Nós não temos essa fé, com muita pena minha, porque assim ajudava-me a explicar muita coisa e a lidar com tanta incerteza.

Mas a peregrinação não tem que ser um ato de fé cristã… Cristo certamente aceitará que os menos crentes também possam percorrer os caminhos que os guiem até Ele.

E foi o que fizemos neste dia, mesmo não sendo católicos praticantes, não chegámos à Cidade Santa apenas como turistas em busca das belezas arquitetónicas e culturais, nem da oferta gastronómica, que a cidade nos proporciona; desta vez iríamos entrar como verdadeiros peregrinos, vindos desde Padrón, ao fim de mais de 27km caminhando através daquela que é a última etapa do chamado Caminho Português, seguindo sempre os sinais das conchas que nos guiam durante toda a jornada.

A peregrinação é sempre um estímulo pessoal que nos leva numa procura pela nossa espiritualidade e que acaba por constituir uma viagem à interioridade de cada um de nós, e às nossas crenças e valores. Por mais ou menos devotos que possamos ser, esta cidade e o símbolo da peregrinação, a concha dos caminheiros, é e será sempre um elemento de crença e de fé que torna especiais todos os valores que aqui possamos querer celebrar.
E desta vez celebrámos tão somente a própria a vida, a vida em família, a proximidade dos amigos, a paixão de estarmos juntos, uns bem presentes e outros já ausentes, mas todos sempre bastante próximos… de uma forma ou de outra, todos nos acompanharam ao longo desta jornada.


A história e a lenda que está na origem da cidade sagrada

Antes de partirmos para a aventura da peregrinação deixo aqui a história resumida que conta a origem de Santiago de Compostela, uma cidade que nasce em torno do túmulo do seu Santo, São Tiago Maior, um dos 12 Apóstolos de Jesus Cristo. Mais à frente, enquanto for descrevendo os momentos mais significativos ao longo do caminho, voltarei a recordar algumas passagens desta mesma história.

Após a morte de Jesus, Santiago participou, com alguns dos outros Apóstolos, no núcleo da Igreja de Jerusalém, e foi-lhe dada a missão de evangelizar os territórios da Hispânia. Foi assim que partiu da Palestina num barco de transporte de ouro e estanho com destino à península ibérica, onde iniciaria a sua pregação, participando na evangelização dos povos ocupantes do território peninsular espanhol, concretamente da região do Noroeste, conhecida então como Gallaecia.

Mais tarde, no seu regresso à Terra Santa, em torno do ano 42 dC, Santiago voltou a fazer parte do núcleo da Igreja Primitiva de Jerusalém e, por isso, foi perseguido pelos romanos e acabou mesmo por ser capturado e depois decapitado, por ordem de Hérodes Agripa, neto de Heródes O Grande, tornando-se no primeiro Apóstolo a transformar-se em mártir.

Depois da decapitação o seu corpo foi recolhido por dois dos seus discípulos, Atanásio e Teodósio, que o levaram numa barca que navegou até Espanha, chegando ao porto de Iria Flavia (onde fica atualmente a vila de Padrón, na Galiza).

E foi justamente a partir de Padrón que iniciámos a nossa peregrinação, seguindo os trilhos do Apóstolo até à Cidade Santa de Santiago de Compostela.


Los Caminos e os seus principais símbolos

Os Caminhos de Santiago correspondem a um conjunto de trajetos por onde milhões de peregrinos têm caminhado durante séculos, desde a Idade Média, quer sejam movidos pela fé católica e pela devoção a este Santo quer se sintam atraídos por outros valores, que os levem até à estrada.

Foram criadas ao longo dos anos sete rotas históricas: o Caminho Francês, o Caminho do Norte, a Vía de la Plata, a Rota Marítimo-fluvial, o Caminho Inglês, o Caminho Primitivo e o Caminho Português… e há também algumas variantes a estes trilhos e ainda o Caminho de Finisterra-Muxia, que é feito no sentido inverso, de Santiago até à costa atlântica, e que deveria ser percorrido por todos os peregrinos depois de chegarem a Santiago de Compostela, num derradeiro percurso de 120km, que os levaria até ao mar para devolverem as conchas, queimarem as suas vestes e entrarem na água, para obter assim a total purificação.

A sinalização dos Caminhos é feita com setas associadas à imagem da Concha de Vieira, que é o principal símbolo dos Caminhos de Santiago, e que, normalmente, surge estilizada em cor amarela sobre um fundo azul… e que encontramos em cada esquina ao longo do caminho, não deixando quaisquer dúvidas sobre qual a direção que devemos seguir.
E mais uma curiosidade… aqueles que fazem o Caminho de Santiago são os únicos a quem podemos chamar legitimamente de peregrinos, pois peregrino é aquele que caminha “per agros”, ou seja, pelos campos, como acontece a quem vai a Compostela, ao longo de quilómetros de trilhos que atravessam campos e florestas. Da mesma forma que os romeiros eram aqueles que iam a Roma, em romaria; e os palmeiros eram os que iam a Jerusalém e traziam ramos de palmeira, recordando a entrada de Cristo na Cidade Santa. E que me desculpem os caminheiros de Fátima, mas, em rigor, não poderão ser chamados de peregrinos.


Buen Camino

É assim que se cumprimentam os caminheiros que se vão cruzando ao longo da sua peregrinação, uma expressão de simpatia e amabilidade, sempre acompanhada por um sorriso, desejando uma boa caminhada, a que se responde de volta da mesma forma… buen camino. Esta partilha de uma pequena frase vale muito mais do que aquilo que pode parecer, vai-se criando um espírito de grupo, de companheirismo, de algo comum, e embora cada um tenha as suas próprias motivações, fazemos todos parte de uma missão coletiva, a que nos alegra pertencer.

A escolha do troço a percorrer entre todas as alternativas possíveis levou-nos a uma parte do Caminho Português, mas não toda a rota galega desse caminho, que começa na fronteira em Tui e obriga a seis etapas, num total de cerca de 120km, e muito menos a um caminho mais completo que começasse em território português, e que nos poderia fazer caminhar centenas de quilómetros.

Não, nada disso, como peregrinos somos uns meninos, fizemo-nos à estrada apenas para um único dia de caminhada para o troço final de 27km entre Padrón e Santiago… como quem corre uma maratona, mas entra apenas junto ao estádio para os últimos metros.

Mas a escolha deste trajeto até foi bem acertada pois este é o percurso com maior ligação à lenda que é contada sobre a história do Santo e é mesmo chamado de Caminho Jacobeu (ou Ruta Xacobea), por ter sido aquele que foi percorrido originalmente pelos discípulos de Santiago, Atanásio e Teodósio, carregando os seus restos mortais até à sepultura final.

O seguinte mapa interativo representa os trilhos percorridos bem como os pontos principais que fomos encontrando durante a caminhada:
Escolhemos o dia 5 de agosto de 2022 para esta caminhada, um dia arriscado, devido à possibilidade de alguma onda de calor, mas lá fomos cheios de coragem e, afinal, haveria de ser um dia bastante agradável.


Km 0 – Padrón

Viemos de táxi até Padrón desde o hotel em Santiago e ficámos no Mercado de Abastos que, numa situação normal, seria um local onde eu iria tentar comprar os famosos pimentos desta terra. Mas, neste dia, o espírito sobrepunha-se ao corpo e o prazer da gula teria de ficar para mais tarde.

Começámos pela bonita alameda de plátanos junto ao rio, o Paseo do Espolón, uma magnífica porta de entrada para esta aventura, incorporámos o verdadeiro espírito do peregrino e até a própria imagem ficou semelhante à dos verdadeiros caminheiros de Santiago, com os bastões e as mochilas, que neste caso levavam apenas o farnel para esta jornada, ao contrário da maioria dos peregrinos que encontrámos, que traziam às costas os pertences para vários dias.

Este jardim termina junto à Ponte de Santiago, que atravessa o Rio Sar e nos leva até à Fonte do Carmen e à rampa de acesso ao Convento del Carmen, todo um conjunto de preciosidades históricas concentradas em pouco mais de uma centena de metros.
Ainda no Paseo do Espolón encontram-se duas marcas da história da pequena cidade de Padrón, por agora ainda fora da envolvente religiosa que nos iria acompanhar mais à frente. São dois monumentos dedicados a duas figuras maiores desta terra, Camilo José Cela, Prémio Nobel da Literatura, e Rosalía de Castro, uma famosa escritora e poetisa.

Seguindo pela ponte de Santiago que atravessa o rio Sar começámos por encontrar a Fonte do Carmen, uma fonte ligada à lenda de Santiago. É composta por três níveis; na parte inferior está uma pequena Capela da Virgen de los Dolores, protetora das mulheres em trabalho de parto; no corpo central está uma representação da transferência do Apóstolo Santiago pelos seus discípulos ao longo destas terras; e na parte superior representa-se o batismo da Rainha Lupa, que se terá convertido ao cristianismo depois de ter presenciado um milagre que descreverei mais à frente.

Subindo depois a rampa de acesso ao Convento del Carmen, que se ergue junto a um átrio elevado que serve de miradouro panorâmico sobre a cidade de Padrón, começámos por apreciar a vista sobre a Iglesia de Santiago Apóstol e sobre a ponte de Santiago.
         
Quanto ao próprio Convento, trata-se de um edifício do século XVIII, inicialmente ocupado pela ordem dos Carmelitos Descalços, tendo passado mais recentemente para as mãos dos padres dominicanos.
Descendo de novo até junto do rio encontramos um importante símbolo da lenda de Santiago. Trata-se de uma réplica da carroça onde os discípulos do Apóstolo terão transportado o seu corpo até ao túmulo.

E aqui importa recordar um pouco da lenda que conta a história do Santo. Depois da sua decapitação em Jerusalém, o seu corpo foi recolhido e protegido por dois dos seus discípulos, Atanásio e Teodósio, que o levaram numa barca que navegou até Espanha, onde Santiago tinha espalhado a fé cristã.

Saíram do mar remando pelo Rio Ulla e depois pelo seu afluente, o Rio Sar, este mesmo que passa aqui na atual cidade de Padrón, tendo atingido o porto de Iria Flavia, onde amarraram a barca num pedregulho em que depositaram o corpo do Apóstolo.

Foi nestas terras que Santiago pregou o Cristianismo alguns anos antes, e era aqui que se encontravam os aposentos da poderosa Rainha Lupa, que dominava todo este reino, e os dois discípulos quiseram visitá-la e pedir-lhe que lhes fossem dadas terras para sepultar dignamente os restos mortais de Santiago e lhe fossem concedidos uma carroça e bois mansos para a puxar, para assim poderem transportar o corpo até a esse local da sepultura.

Só que a Rainha fingiu ceder ao seu pedido e indicou-lhes um local onde apenas existiam touros bravos, tentando assim impedir que concretizassem o seu objetivo, por não acreditar em toda aquela história… mas, por milagre, os touros bravos haveriam de se transformar em bois mansos. 

Assistindo a esta transformação, que se revelava como um verdadeiro milagre, a Rainha ficou convencida da autenticidade da missão religiosa dos discípulos e deixou-se converter à fé cristã. Concedeu depois os bois e a carroça, para que os discípulos seguissem o seu caminho transportando o corpo do Santo, e doou ainda as terras que fossem escolhidas para a sua sepultura.

É uma reprodução desta carroça que encontramos aqui, nesta zona junto ao Rio Sar.
Logo junto à outra margem do rio ergue-se a Iglesia de Santiago Apóstol de Padrón, uma importante capela nas referências dos caminhos de Santiago, onde se encontram vários elementos da tradição jacobina e representações do Apóstolo.

Um dos elementos mais significativos é uma imensa pedra que forma um altar romano, que surge por baixo do altar católico, e que é conhecida como "Pedrón", e que corresponde à réplica da pedra original onde os discípulos de Santiago terão amarrado a barca que trazia o corpo do Santo, no final da sua viagem desde Jerusalém.

Foi numa pedra semelhante a esta (pedrón em galego) que amarraram a barca e depositaram o corpo do Apóstolo, o que terá dado origem ao nome desta zona, que veio a ser batizada como Padrón.


        


Km 1,5 – Iria Flavia

Na época, próximo do ano 44 dC, não existia ainda Padrón e foi em Iria Flavia, no rio Sar, que os discípulos de Santiago terminaram a sua viagem na barca que os trouxe de Jerusalém e a amarraram numa pedra, o tal pedrón já referido.

Segundo a tradição, foi também em Iria Flávia que o Apóstolo Santiago pregou pela primeira vez durante a sua estadia na Hispânia, e talvez fosse essa a razão que levou os discípulos a trazerem o seu corpo para este lugar. Foi a partir dali que tentaram arranjar um outro meio de transporte, por terra, para assim procurarem o lugar adequado para sepultar o Santo… segundo a lenda, seguindo sempre as orientações de um anjo da guarda que os acompanhava.

Iria Flavia foi capital episcopal o que outorgava à igreja que ali encontramos, a Colegiata de Santa Maria a Maior de Iria Flavia, o título de catedral. É uma das igrejas mais antigas da Galiza, que remonta aos tempos romanos e é considerada o primeiro templo em todo o mundo dedicado à Virgem Maria.

Por volta do ano 820 foi mesmo o bispo desta igreja, Don Teodomiro, quem anunciou a descoberta do túmulo do Apóstolo no local onde viria a ser erguida a Catedral de Santiago. Este relato da descoberta, ligou para sempre a tradição jacobina a esta igreja em Iria Flavia.

O complexo que aqui encontramos inclui a igreja e um cemitério contíguo, chamado de Cementerio de Adina de Iria Flavia, que ocupa a área de uma extensa necrópole usada desde o século V. Existem, portanto, diversos túmulos de épocas mais remotas, para além das lápides e túmulos contemporâneos, como o de Camilo José Cela e dos seus antepassados.

Saindo de Iria Flavia levávamos apenas pouco mais de 1km de caminhada e é então que começamos verdadeiramente a nossa peregrinação. Deixamo-nos levar pela aventura associada ao percurso, pelos objetivos que vamos traçando, pelo envolvimento espiritual em toda esta jornada, e experimentamos uma sensação que nos era desconhecida, de fazer parte de algo muito maior do que aquilo que parece… e cada um viverá essa prova de superação de uma forma muito íntima e pessoal, ainda que se caminhe em conjunto, como era o nosso caso.

Julgava que pudéssemos ter dificuldade em encontrar os trilhos corretos e, por isso, trazia o mapa desta rota no GPS do telemóvel. Mas não podia estar mais enganado, por um lado, não há uma única esquina ou bifurcação onde o caminho não esteja assinalado com o habitual símbolo da concha e uma seta que indica o sentido, por outro lado, em ano Xacobeu, encontramos muitíssimos peregrinos, alguns deles em grupos que chegam a ocupar a totalidade dos trilhos… nesses casos deixávamo-nos até ficar para trás para continuarmos a nossa marcha o mais tranquilamente possível.

Ainda antes de sairmos da zona de Padrón, recordo a existência de um Mosteiro de Frades Franciscanos, em Herbón, um pueblo deste município que fica localizado fora deste nosso percurso, mas que refiro nesta crónica apenas pela curiosidade de estar na origem da famosa iguaria desta terra, os Pimentos de Padrón.

É justamente nos campos vizinhos deste mosteiro que se encontram as plantações deste tipo de pimentos, grande parte delas em estufas. Foi um dos frades franciscanos fundador do mosteiro de Hebron que, em visita a paróquias na América do Sul, trouxe as sementes de uma espécie de chilis que, plantados nesta zona e sob o clima local, deram origem áquilo que conhecemos como Pimentos de Padrón, e que podem ou não ser picantes, seguindo a máxima de “unos pican otros no”, ou seja, uma espécie de roleta russa de paladares. Talvez viéssemos a provar esta iguaria nalguma paragem ao longo do caminho.


Km 6 – Escravitude

A zona da Escarvitude era o nosso próximo destino, depois de cerca de 5km sempre a caminhar desde a última paragem em Iria Flavia. Nesta altura a boa disposição do grupo era bem visível e estávamos ainda longe do cansaço extremo que se iria instalar ao longo desta jornada.

Nesta fase os trilhos levavam-nos por uma paisagem marcadamente rural, atravessando pequenos pueblos, com alguns sinais dessa ruralidade, como os espigueiros, usados para guardar os cereais, ou os lavadouros públicos, alguns deles já meio abandonados, sinais dos tempos modernos.

Já fora das povoações fomos atravessando campos de cultivo, com milho e com trigo, zonas densamente arborizadas, algumas estradas rurais e até a berma do caminho-de-ferro local.

Encontrámos depois a estrada nacional já na povoação da Escravitude, marcada pela presença de uma fonte, que se diz ser milagrosa, e de uma igreja, o chamado Santuário da Virgem da Escravitude.

A origem deste complexo religioso está ligada a duas lendas… conta-se que no século XVI o pároco da igreja de Cruces esteve perto de morrer esmagado por um grande castanheiro durante uma tempestade. Contudo, depois de algumas orações desesperadas acabou por se salvar e, como sinal de agradecimento à Nossa Senhora, mandou esculpir uma imagem da Virgem com o Menino, que foi colocada sobre a fonte que existia neste lugar, e que passou assim a ser conhecida como Fonte Milagrosa.

Já mais tarde, no século XVIII, um agricultor que padecia de hidropisia deslocava-se numa carroça para o hospital de Santiago, acompanhado pela mulher e pela filha, e ao chegar à Fonte Milagrosa, que aqui encontramos, bebeu a sua água e pediu ajuda à Virgem. Na verdade, ou segundo a lenda, acabou por se curar mesmo da sua doença ao fim de apenas três dias. Assim, voltou a este lugar e agradeceu bem alto à Virgem por tê-lo curado da "escravidão" do seu mal… o que deu origem ao nome deste santuário. Em sinal de gratidão, o homem doou ainda à Virgem a carroça e os bois, que era tudo o que possuía.

Com o espalhar da notícia deste milagre, a fonte começou a atrair outros devotos na busca de vários tipos de cura, o que trouxe um aumento das doações e permitiu a construção de uma capela onde foi colocada a imagem da Nossa Senhora da Escravidão, e que se foi transformando ao longo dos anos na igreja que hoje aqui encontramos.

Foi no interior desta igreja que obtivemos o primeiro carimbo da nossa peregrinação, mas, na verdade, não oficializámos a nossa caminhada pelo que não pudemos obter a chamada Credencial do Peregrino.

Na Idade Média era entregue um documento de salvo-conduto aos Peregrinos de Santiago e, na atualidade, esse documento foi substituído pela tal Credencial do Peregrino, que permite identificar as pessoas como Peregrinos, e permite também o acesso à rede de albergues oficiais. Mas, além disso, essa Credencial é também necessária para a obtenção da chamada Compostela.

A Credencial do Peregrino pode ser obtida através das várias Associações dos Caminho de Santiago e Confrarias do Apóstolo Santiago, ou nalgumas Catedrais e em muitos dos Albergues de Peregrinos ao longo do próprio Caminho. Basta comprá-la e o preço de cada uma varia entre os dois e os cinco Euros, dependendo da quantidade adquiria e do país em que for comprada.

Mas nós não estávamos interessados em pernoitar em albergues nem precisávamos da Compostela, que é uma espécie de certificado que permitirá cumprir um dos requisitos que poderão levar à obtenção do Indulto Perpétuo, o que seria possível num ano Xacobeo, como é o caso deste 2022. Mas, para tal, era preciso averbar uma peregrinação de, pelo menos, 100km sempre a pé… e nós iriamos ficar muito longe dessa marca.

Além disso, não me considero um verdadeiro pecador para que fosse necessário procurar por um indulto, convivo bem com os meus pecados… aqui ou ali um bocadinho de preguiça, bastante gula e até alguma luxúria, mas nada de grave.

De qualquer maneira não quisemos caminhar de forma completamente incógnita e, ao entrarmos na bonita Igreja da Nossa Senhora da Escravitude, improvisámos uma credencial através do folheto que trazíamos sobre este percurso e obtivemos o nosso primeiro carimbo… mais tarde haveríamos de obter mais alguns, incluindo aquele que registou a nossa chegada à Catedral de Santiago… e foi assim que conseguimos obter esta versão alternativa da credencial de nos atesta como peregrinos.

Apenas uns 300m depois chegámos ao Pueblo de Cruces, onde se encontra um outro conjunto de igreja e cemitério, com a Igreja românica de Santa María de Cruces. Talvez o nome desta pequena povoação resulte do conjunto de cruzes que definem o contorno da zona do cemitério, e que surgem em todas as imagens da igreja… isto sou eu a dizer, ninguém me disse nem li em lado nenhum, mas faz algum sentido.


Km 9 - Desvio a Sendero

O percurso seguinte vai continuando por zonas rurais e foi aqui que a quantidade de peregrinos mais se avolumou, saíram mais tarde que nós e andam sempre a alta velocidade, facilmente nos ultrapassam. Além disso, os verdadeiros caminheiros vão muito focados em chegar aos spots principais, igrejas e outras zonas onde obter carimbos, enquanto nós íamos em ritmo de passeio curtindo a paisagem e disfrutando do dia.
Depois de passarmos numa zona de restaurantes junto à estrada nacional, onde encontramos A Casiña Galega e o La Milagrosa, mas ainda era cedo para almoçar, entrámos numa zona de bosque, primeiro com piso em terra, mudando depois para um piso empedrado de uma antiga estrada romana.

Entre estes dois troços optámos por fazer um pequeno desvio fora da torrente de peregrinos que não se desviava dos trilhos nem um metro. Foi aí que encontrámos um lugar calmo, chamado Parque Rio Tinto, junto ao rio com o mesmo nome, onde fizemos uma pequena paragem para refrescar e reabastecer.

         
Voltando aos trilhos e ao mesmo caminho romano empedrado que atravessa um bosque cerrado, que será um dos troços mais bonitos de todo este percurso, agora já mais calmo, provavelmente por estarmos perto da hora de almoço, chegámos a uma zona que é chamada de Faramello. Aqui atingimos uma estrada estreita onde se encontram alguns restaurantes, como A Casiña do Faramello. Se quisermos desviar mais uma vez podemo-nos aproximar do Pazo do Faramello, um palácio que não podemos visitar, mas apenas tentar observar à distância. Como os quilómetros já pesavam nas pernas, desta vez não nos desviámos e seguimos os trilhos corretos, como bons peregrinos.


Km 13 – Francos

Estamos mais ou menos a meio do percurso e já nos parece que caminhamos há uma eternidade. Nesta zona dos Francos existe uma capela onde nos é colocado um novo carimbo, trata-se da Capela de São Martinho.

Junto à capela encontra-se uma Casa Comum de apoio ao peregrino e existe também o Cruzeiro dos Francos, um dos mais antigos de toda a Galiza.

Para quem quiser almoçar mais ou menos a meio percurso pode escolher a Casa Rural Restaurante Parada de Francos, ou fazer um picnic no terreiro da parada dos Francos, onde encontrámos algumas dezenas de peregrinos a comer uma bucha, os tais que passam por nós a abrir... afinal a tartaruga consegue ultrapassar a lebre.
O próximo percurso é longo e penoso, começam a aparecer cada vez mais troços a subir, o que poucas vezes tinha acontecido até aqui, onde o caminho tem sido mais ou menos plano.

Num total de 6km o percurso continua a ser bastante agradável, com troços rurais junto a pequenas povoações, mas também com alguns percursos através de bosques, mais frescos devido à sombra das árvores e também mais bonitos. 

Mas 6km é muito quilómetro sem ter pelo menos alguma coisa que ajude a dividir o trajeto. Por isso fizemos uma paragem junto ao único ponto notável que se encontra neste trilho, trata-se de uma ponte medieval sobre o Rio Tinto, hoje já devidamente reabilitada mal deixando perceber a traça original da idade média.

Na parte final dos tais 6km fica a aproximação à vila do Milladoiro, um dos piores troços do percurso, por ser sempre a subir, mas como este haverá outros, mas, sobretudo, por ser um trajeto feito pela berma da estrada, o que raramente acontece ao longo da maioria dos Caminhos de Santiago.


km 19 – Milladoiro

Fizemos uma paragem no Pueblo de Milladoiro junto à Capela da Magdalena. Esperávamos receber um novo carimbo, mas não, como a capela fica ligeiramente desviada dos trilhos a maior parte dos peregrinos nem por lá passa.
A povoação do Milladoiro fica num ponto alto e, um pouco depois do aglomerado urbano, enquanto atravessamos um pequeno bosque, conseguimos avistar, pela primeira vez, as torres da Catedral de Santiago.

Este avistamento tem um significado especial para os peregrinos, não tanto para nós, que só iniciámos a caminhada nesta manhã, mas sobretudo para aqueles que vêm caminhando há vários dias. A imagem das torres antecipa a concretização do objetivo de chegar à catedral de Compostela.

O nome da própria terra, Milladoiro, traduz a existência de um ato "humilladoiro" no Caminho de Santiago, onde os peregrinos que ali chegavam pelo Caminho Português, ao avistarem as torres da catedral e assim constatarem que iriam conseguir chegar a Santiago, ajoelhavam-se em agradecimento e humilhação a Deus por ter permitido que viessem a terminar esta viagem.

E lá estavam as três torres principais da catedral, atualmente já completamente ofuscadas pela presença de vários edifícios de grande dimensão, mas há séculos atrás, certamente que a silhueta da catedral com as suas torres seria bastante mais marcante.


km 23 – Ponte Vella de Arriba

Ao fim de mais 4km chegámos a uma antiga ponte romana, a Ponte Vella de Arriba, que atravessa o rio Sar, o mesmo que encontrámos em Padrón ao início desta jornada. Mais um pretexto para uma nova paragem, neste caso seria mesmo a última paragem antes de Santiago, numa fase em que os quilómetros já pesavam bastante.

À saída da ponte entrámos por um denso bosque, mais um troço bem bonito, mas este sempre a subir ao longo da encosta rasgada pelo Rio Sar, dificultando a escalada a quem já vem caminhando há várias horas… veja-se o sorriso patético de quem já quase nem sente os pés.


Ao fim deste bosque encontramos uma indicação de dois caminhos alternativos, é a primeira vez que isso acontece, até agora houve sempre um único trilho. Mas agora os peregrinos teriam de optar por uma das duas alternativas assinaladas, ou por Santa Marta ou por Conxo.

O caminho original era feito por Conxo, é mais interessante, até porque passa por uma igreja importante, a Parroquia de la Mercé de Conxo, mas é também um pouco mais longo.

O outro caminho, por Santa Marta, será um pouco menos interessante, passando também por uma pequena capela, a Igreja de Santa Marta, mas é um pouco mais curto.

Eu gostaria de ter ido por Conxo, mas todo o pessoal suplicou para que seguíssemos pelo caminho mais curto. A Marta chegou mesmo a argumentar que teríamos de ir por Santa Marta porque era a santa com o nome dela… tudo para evitar mais um quilómetro.

E lá fomos por Santa Marta e passámos pela igreja em passo acelerado, como acontece sempre ao fim de uma maratona na chamada ponta final… mas, neste caso, também porque estávamos a ser pressionados por um grupo enorme, os mesmos peregrinos que tínhamos ultrapassado enquanto almoçavam no terreiro dos Francos, e que agora vinham atrás de nós como se nos perseguissem, sempre a acelerar e entoando cânticos apostólicos assustadores... mas não nos apanharam 😇.



km 27,8 – Catedral de Santiago

Seguimos já por dentro da cidade de Santiago passando pela Capela do Pilar e pelo Parque da Alameda, entrando no casco velho pela Porta Faxeira e seguindo depois pela Rua do Franco, repetindo assim o trajeto feito pelos discípulos do Apóstolo carregando o seu corpo.

     

Na época nem existia a Rua do Franco, mas, segundo a lenda, foi por ali que o corpo de Santiago terá sido levado. Hoje em dia esta rua é bem mais do que qualquer outra rua da cidade velha, é aquela por onde todos os dias milhares de peregrinos entram na Cidade Santa de Compostela.

Ao longo da Rua do Franco encontramos ainda uma fonte, que corresponde à antiga Fonte do Franco, e que representa a nascente onde os próprios discípulos e os bois terão bebido água antes de concluírem o seu caminho.
         

No final do trajeto onde hoje existe a Rua do Franco os discípulos Atanásio e Teodósio chegaram ao antigo Monte Libredón e escolheram este local para ali sepultar o corpo do Apóstolo. Construíram assim a primeira capela dedicada ao Santo e ali se fixaram, tendo vivido e morrido junto ao túmulo, no local onde hoje encontramos a Catedral de Santiago de Compostela e a Praza do Obradoiro... por onde entrámos ao fim de 27,76km e de mais de oito horas entre o caminho e as paragens que fomos fazendo.

A chegada à Praza do Obradoiro é um instante quase arrepiante, aceleramos como quem corta a linha da meta, com uma enorme carga emocional que nem conseguimos compreender, sentimos que fizemos algo importante e que este dia será sempre uma memória boa que nos acompanhará, e esta cidade, e toda magia em torno do seu Santo, será sempre um farol para a nossa própria espiritualidade… há uma tremenda satisfação por termos cumprido este desafio e termos conseguido ser verdadeiros peregrinos de Santiago.



Voltando à lenda do Apóstolo, conta-se que o seu corpo foi sepultado neste mesmo lugar, onde mais tarde foi criada uma primeira capela. Mas só muito mais tarde, oito séculos depois, no ano 813, um eremita chamado Paio terá contado ao Bispo Teodomiro, de Iria Flavia, que, durante a noite, tinha observado luzes que partiam da capela e que iluminavam o céu com uma estranha luminosidade, como se fossem estrelas que ali brilhavam. O Bispo foi ao local com uma numerosa comitiva e encontrou um sepulcro de mármore com as relíquias do Santo.

O local foi batizado com o nome do Apóstolo Santiago e com uma referência à aparição da estranha luminosidade, que transformou aquelas terras num campus stellae, ou campo de estrela, ou ainda, Compostela.

O local transformou-se rapidamente num destino de culto e, no ano de 872, face a um número crescente de peregrinos, o Rei Afonso III, manda construir uma Igreja majestosa no lugar da antiga capela.

Durante vários séculos a igreja foi sofrendo sucessivas alterações, tendo passado por incêndios que quase a destruíram. As intervenções efetuadas ao longo do tempo permitiram a sua reconfiguração arquitetónica, com a mistura de vários estilos, que foram alterando a traça original. Os trabalhos de recuperação foram também ampliando o edifício e a igreja transformou-se na catedral imponente e magnífica que hoje podemos encontrar.
Os restos mortais do Apóstolo estão atualmente guardados num relicário que se encontra depositado sob o Altar Mor da Catedral. Mas a sua autenticidade é algo que sempre gerou acesos debates, tendo, por isso, dado origem a meticulosas investigações. Os estudos realizados conseguiram demonstrar, através da análise do Carbono 14, que se tratam de ossadas do século primeiro e foi ainda confirmado que incluem ossos de três pessoas diferentes, mas não foi possível determinar a quem pertenciam, por falta de quaisquer referências de ADN.

Assim, a versão oficial da igreja é que se tratam das ossadas do Apóstolo Santiago, juntamente com as dos seus dois discípulos mais dedicados, Atanásio e Teodósio, que terão sido sepultados juntamente com o seu Mestre... e esta é uma versão que não pode ser provada e só mesmo a fé de cada um a poderá validar.

(Esta crónica inclui várias passagens históricas, numa adaptação livre das várias versões da lenda, que me fizeram algum sentido, tendo em conta tudo o que li, juntamente com a versão que nos foi contada pela guia que nos acompanhou na visita à catedral e ao museu).


Depois de chegarem à Catedral os peregrinos vão ainda obter o seu último carimbo, tal como nós fizemos, e vão levantar o certificado final do peregrino que é chamado de Compostela. Para isso, e como já referi, terão de comprovar que percorreram, pelo menos, 100km a pé, ou 200km de bicicleta.

Na posse da Compostela podem então assistir à missa do peregrino, às 19h30, atravessando a nave principal da Catedral e fazendo duas romagens obrigatórias: Uma paragem para reflexão junto ao relicário onde estarão guardadas as ossadas do Santo; uma passagem pelo altar, por detrás da figura de Santiago, com uma breve paragem para pousar as mãos sobre o manto que cobre os ombros da estátua do Santo.
Duas últimas referências ao interior da catedral. Primeiro, para mencionar a existência da Porta Santa ou Porta do Perdão, que é uma das sete portas da Catedral, mas que tem toda uma mística e um significado muito especiais. Esta porta só é aberta durante os anos Santos, e este ano de 2022 é de facto um ano Santo e a porta encontrava-se aberta, desde que o Bispo da Catedral a abriu em 2021. Na visita anterior, em 2018, tínhamos encontrado esta mesma porta fechada.

Se o peregrino entrar na Catedral e passar por esta porta pode receber uma indulgência especial, com o perdão de todos os seus pecados. Será necessário, contudo, cumprir uma série de condições… apresentar a Compostela (o que obriga aos tais 100km de peregrinação), participar numa missa, fazer uma oração, comungar, e terá ainda que se confessar e comungar em qualquer outra igreja, até 15 dias depois desse dia, ou tê-lo feito nos 15 dias anteriores… não cumprimos nenhuma destas condições, apesar de termos chegado a Santiago como peregrinos, mas o nosso objetivo também não era esse.
         
Por fim, menciono ainda a existência de um enorme queimador de incenso, o chamado Bota Fumeiro, que é utilizado nas missas do peregrino em anos Xacobeo. O queimador é suspenso por cabos e roldanas ao teto da abóbada, fazendo com que oscile pendularmente, libertando, dessa forma, o aroma dos fumos da queima de ervas e incenso, que vai purificando o ar daquele espaço. Assim, e à medida que que o Bota Fumeiro vai oscilando, os seus aromas vão purificando o ar daquele espaço, afastando os maus cheiros que, naturalmente, alguns peregrinos vão trazendo. Podemos ver através deste atalho o vídeo oficial da utilização do Bota Fumeiro gravado numa missa do peregrino.


Terminámos assim esta aventura, um ato de superação que me deixou completamente emocionado, algo que seria quase impensável para mim, seguir os trilhos que me haveriam de conduzir até à sepultura de um Apóstolo santificado, desafiando as minhas próprias crenças, quebrando barreiras e aproximando a fé cristã de uma devoção pessoal, menos religiosa, mas igualmente focada nos mais importantes valores das nossas vidas... como são os valores da família e da amizade. 


No final desta jornada senti-me diferente, senti a importância do poder da espiritualidade no caminho que percorremos ao longo das nossas vidas, um poder sensorial que é indispensável a cada dia que passa, por cada decisão que tomamos, por cada percurso que vida nos obrigue a escolher... e essa escolha irá levar-nos por um novo caminho, que será 
sempre, para nós, como um novo caminho de Santiago... Buen Camino a todos.


Agosto de 2022
Carlos Prestes