Um bom jantar na companhia da família ou dos amigos é sempre algo marcante e que chega a ter uma importância decisiva no decurso de uma viagem. Por isso fiz questão de incluir esta crónica, que é sobre um restaurante, num blog que está sobretudo vocacionado para falar de viagens.
Mas não vos falo de um restaurante qualquer, trata-se de um dos nossos restaurantes favoritos... trata-se da Casa Marcelo, uma pérola da gastronomia galega.
5 de outubro de 2018
No ano de 2018 juntámos um grupo de amigos e fizemos uma visita gastronómica à capital da Galiza. Pelo conhecimento anterior já estava devidamente identificado aquele que seria o ponto mais alto desta visita... tratava-se da Casa Marcelo, um restaurante especial, num espaço bastante acolhedor, com um tratamento de grande amabilidade e com uma comida digna dos Deuses.
Situado em Santiago Compostela, a pouco mais de 100 m da Catedral, a Casa Marcelo é um restaurante com um ambiente muito agradável e completamente informal, e com uma cozinha brilhante, direcionada sobretudo para os pratos de peixe e de marisco... uma cozinha de autor com inspiração na melhor comida galega.
O chef da Casa Marcelo é um rapaz na casa dos trintas chamado Martín, no qual depositámos as escolhas daquele jantar. Pedimos que nos trouxesse o que achasse melhor, sem carne e sem abusar do picante, para estar ao gosto de toda a gente, e ele concebeu um magnífico menu de degustação, com que nos foi surpreendendo ao longo de quase duas horas.
Desfilaram sete pratos e duas sobremesas. Não existiu um único prato que não tivesse sido apreciado pela generalidade do grupo, embora, cada um tivesse as suas preferências pessoais e eu também tive as minhas.
Começámos logo em grande, com um ceviche de robalo. Era um prato especial, bem diferente dos ceviches habituais, que levam o chamado leite de tigre. Este não tinha nada disso, mas sim um molho e um tempero que não conseguimos identificar na totalidade, mas que fazia deste prato uma iguaria fantástica e, desde logo, foi eleito como um dos meus favoritos.
O prato seguinte foi uma salada de tomate bonbón (que conhecemos como tomate cherry), sem pele, com um creme de polpa de tomate e gelado de pimento. Mais uma maravilha... saboroso e refrescante.
Depois chegaram umas gyozas recheadas com camarão, um camarão fresquíssimo, servido cru e temperado com sumo de lima. Foi mesmo considerado o melhor prato para alguns e eu também apreciei bastante.
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Seguiu-se um prato vegetariano quente, com um tipo de calabacines (ou abobrinhas), conhecidas pelo nome de zucchinis, sobre um molho delicioso à base de parmesão derretido.
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5 de agosto de 2022
Depois da nossa primeira visita à Casa Marcelo ficámos fãs deste restaurante e decidimos que, sempre que os nossos destinos se cruzassem com a cidade de Santiago de Compostela, iríamos tentar passar por lá para voltar a desfrutar da experiência que ali pode ser vivenciada.
Foi o que fizemos em abril de 2022, íamos a Santiago e fizemos uma reserva para jantar. Porém, surgiu uma indisponibilidade do restaurante e um mal-entendido na tentativa de contacto, o que levou a que não tivesse sido possível usar a reserva que tínhamos feito.
Perante esta situação foi o próprio Marcelo Tejedor, dono do restaurante, que me contactou diretamente e fez questão de nos propor a escolha de uma outra data, na qual seríamos seus convidados. Na sequência deste convite tão amável e pela forma cordial com que o Chef Marcelo nos tratou em todo este processo, quisemos agendar uma nova viagem a Santiago de Compostela, tendo escolhido o dia 5 de agosto de 2022, que coincidiu com o dia do 23º aniversário da Casa Marcelo.
Este foi o mesmo dia em que caminhámos como peregrinos desde Padrón até à Cidade Santa e, no final da jornada, largámos as vestes franciscanas e voltámos à praça da Catedral, agora já com um aspeto viçoso e bem cheiroso, não dando para acreditar que tínhamos caminhado quase 30km nesse mesmo dia... seguindo depois a pé pouco mais de um minuto até à Rua das Hortas Nº1, onde fica este restaurante magnífico de que vos quero falar, a Casa Marcelo.
Já à porta, constatámos uma mudança de visual na janela que anuncia a existência do restaurante, substituindo assim a anterior imagem que aparece no início desta crónica, sendo que, desta vez, é visível uma referência à Michelin, que atribuiu a este restaurante uma das suas cobiçadas estrelas.
Já no interior tivemos o primeiro contacto com a equipa que nos iria acompanhar, e ficámos preparados para uma grande aventura, uma noite cintilante e estrelada, fosse pela luz que irradia das estrelas da própria cidade e da lenda de Compostela, fosse pelo brilho dos profissionais que criaram esta piece de resistence... todos eles refletindo o brilho maior da própria estrela Michelin, que tão bem lhes fica.
O nosso estado de espírito não poderia ser mais apropriado, viemos de mente aberta para desfrutar da experiência que nos fosse preparada, sem quaisquer restrições ou condicionalismos.
Como é habitual na Casa Marcelo a cozinha está sempre próxima dos clientes, aliás ou ficamos no bar ou ficamos mesmo dentro da cozinha, e assim podemos observar os artistas durante o processo de criação das peças de arte que, mais tarde, iríamos desfrutar.
A primeira escolha que fizemos foi justamente seguir a opção de não escolhermos nada… também daria para pedir à carta, mas o ideal é definir apenas alguns requisitos, como preferências, alergias ou intolerâncias, e deixar nas mãos do chef Martin, o mesmo da visita anterior, a seleção dos pratos que farão parte do menu de degustação com que vamos ser brindados durante a noite.
E a sensação foi como se nunca aqui tivéssemos estado, tal a criatividade da nova degustação com que fomos presenteados, não repetindo nenhum dos pratos que já tínhamos provado.
Até a escolha do vinho foi orientada pela equipa que nos serviu, uma edição da própria Casa Marcelo, marca Ferve Masberzas branco, com traços de Alvarinho e uma frescura incrível, perfeito para a mistura de paladares intensos que iriam desfilar durante a noite.
Antes de chegarem as iguarias mais trabalhadas foi-nos servida uma cesta com uns nacos de pão acabado de cozer, estaladiço e ainda fumegante, bem tradicional e caseiro, um pão escuro certamente de uma receita galega à base de centeio ou outros ingredientes que não consegui distinguir, mostrando que a cozinha de autor também pode ser complementada com os produtos mais tradicionais.
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Foi então que começou o festival de sabores num desfile de pratos incríveis, quase todos perfeitos, embora, com níveis de preferência diferentes, como sempre acontece.
E tudo começou com uma sopa, se assim se pode chamar a esta maravilha. Trata-se de um creme, penso que de milho, com um paladar ligeiro a coco, e com uma espécie de umas ameijoas e com um toque picante e a sumo de lima, que era a cereja no topo do bolo.
Como se percebe, embora nos tivessem informado dos ingredientes, nem sempre os fixámos e, por isso, as receitas que aqui vou referindo serão sempre uma adaptação livre feita por mim. Mas o que interessa realmente não é a forma de como os pratos foram concebidos, mas antes a sua qualidade, os paladares que pudemos experimentar e o aspeto de cada um deles, que também é importante e que pode ser fielmente representado através das respetivas fotografias.
Esta espécie de consommé foi um excelente ponto de partida para uma noite memorável. O prato seguinte não foi aquele que mais apreciei, uns camarões ligeiramente fritos com um molho de azeite e alho preto, os lombos estavam excelentes, quase crus e bastante suculentos, e as cabeças estavam bem estaladiças e podiam ser comidas. O prato estava muito bem confecionado, mas o paladar era dominado pelo gosto forte do alho, por isso não foi um dos meus preferidos.
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A experiência seguinte foi uma das melhores da noite, um prato verdadeiramente “exquisito”, no sentido que é usado pelos espanhóis, que significa exótico e requintado. Esta degustação inclui a combinação de paladares que, à partida, não seriam minimamente adequados... misturar fruta com sardinha, ninguém imaginaria que pudesse resultar.
Mas resultou, uma mistura de figos, uva branca e amêndoas sem pele, com lascas de sardinha fumada, sobre um creme que não identifiquei totalmente, parecia que teria natas, mas o Martin assegurou-nos que não, tratava-se de um produto original do Piemonte italiano, talvez à base de queijo, mas que este era uma versão made in Galícia.
O resultado final foi uma das combinações mais interessantes que alguma vez tinha provado, um prato de autor, completamente arrojado e muito bem conseguido.
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O prato seguinte foi mais um excelente exemplo da mistura entre a comida de autor com a cozinha tradicional. Numa zona de proximidade com as rias galegas não poderiam faltar os calamares… as nossas lulas. Mas não os calamares fritos que nos habituámos a encontrar nas várias regiões espanholas e também na Galiza. Desta vez as lulas eram grelhadas inteiras e com a própria tinta, servidas fatiadas com um molho fino de azeite e com um creme que não identificámos, e um vegetal que também não percebemos qual era, algo entre os espargos verdes e o cebolinho, mas provavelmente não era nenhum dos dois.
Mas o nosso objetivo não era propriamente descobrir os ingredientes, nem conseguir reconstituir a receita, queríamos apenas apreciar o prazer da degustação de cada uma destas obras-de-arte que nos eram servidas, e foi isso que fizemos, usufruímos plenamente de cada uma das iguarias que nos trouxeram.
O sabor deste prato fazia lembrar os nossos chocos com tinta, mas com este acompanhamento tão requintado, elevava o paladar final para um nível quase transcendente... mais um dos meus favoritos.
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As quantidades que nos foram servidas eram bastante generosas e tivemos que abrandar o ritmo para conseguir prolongar a degustação. Porém, tivemos que avançar para uma segunda garrafa de vinho, o que, com apenas duas pessoas a beber, poderia ser um problema… mas nós somos bons a resolver este tipo de problemas, e lá veio uma nova garrafa do Ferve Masberzas branco.
O prato seguinte foi mesmo o meu favorito. Um lombo de salmonete servido sobre uma cama formada por uma tosta estaladiça e um creme que foi obtido a partir da redução feita com as espinhas do próprio salmonete. Como comecei por dizer foi mesmo a melhor experiência da noite, uma autêntica preciosidade, com um paladar indecifrável que não dará para comparar com mais nada, dá apenas para ir comendo lentamente, usufruindo do prazer que é obtido com uma degustação tão sublime como esta... enquanto apreciava estes paladares tão refinados cheguei mesmo a fechar os olhos, como quem agradece aos céus.
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O passo seguinte foi uma mudança radical, para terminarmos com uma carne veio um leitão com legumes. Já estávamos extasiados de tantos pratos belíssimos que já não conseguimos apreciar devidamente este prato de leitão, o que foi uma pena, porque os paladares eram ricos, embora contivesse aquela gordura habitual da pele do leitão, de que eu gosto bastante, mas as miúdas têm mais dificuldade em apreciar. Não foi o melhor dos pratos o que me faz pensar que talvez os pratos de peixe sejam mesmo a marca preferencial deste restaurante.
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Para finalizarmos em pecado, experimentámos ainda dois dos postres da Casa Marcelo.
Um deles não seria a minha escolha natural, porque não aprecio particularmente doces de coco. Trata-se de uma espécie de pavlova com sabor a coco, sobre uma cama de creme de coco e polpa de maracujá e ainda com uma bola de gelado de maracujá... uma delícia, disseram todas elas, que são fãs de coco.
Por fim, uma outra sobremesa, com um gelado de avelã, uma espécie de panqueca com sabor a café e um creme, talvez à base de mascarpone, e algo crocante por baixo... já nem sabemos bem, porque naquela altura o vinho já começava a tomar conta das operações, mas posso assegurar que se tratava de uma sobremesa divinal... acho eu, mas já nem me lembro muito bem.
Fomos convidados para subir até ao terraço para terminarmos o vinho e tomarmos o café, e foi uma nova surpresa, ainda não conhecíamos este espaço brutal.
O jardim que encontrámos e a sua proximidade com alguns edifícios da cidade velha, aumenta ainda o nível requintado deste restaurante, que, desta forma, adquire uma maior proximidade com esta cidade encantadora… e encontramos assim uma perfeita combinação entre a cidade sagrada e um restaurante digno dos deuses.
No final de uma experiência tão sublime como esta só nos resta agradecer ao Martin e a toda a equipa que contribuiu para esta noite fantástica... e ao Marcelo, queria deixar aqui a nossa gratidão pela sua imensa amabilidade.
Buena suerte a todos vosotros y a vuestra magnifica Casa Marcelo... felicidades.