sábado, 16 de abril de 2022

Astúrias

Ao entrarmos nas Astúrias vindos da Galiza vamos percorrendo vários quilómetros de costa onde se vão formando diversas praias, algumas delas bastante bonitas e com areia branca. Mas o nosso objetivo nesta viagem não era propriamente explorarmos as praias asturianas, porque de praias estamos nós bem servidos em Portugal, e estas, provavelmente, terão águas demasiado geladas para o nosso gosto.

Ainda assim, não deixámos de dar uma espreitadela, aqui ou ali, ao longo desta zona costeira da região das Astúrias.


Playa del Silêncio

Foi assim que encontrámos uma dessas praias que merece ser aqui assinalada, trata-se da chamada Playa del Silêncio.

Nem descemos ao areal, limitámo-nos a percorrer o acesso que nos permite observar a baía que se forma entre os rochedos, um acesso bastante estreito e desconfortável para quem conduz. Mas logo que conseguimos parar o carro e alcançar a vista sobre a praia, ficámos rendidos à paisagem que nos é oferecida.

Uns rochedos que se elevam do mar, formando uma baía lindíssima de águas calmas e com uma tonalidade de azul vivo... pelo menos era assim que estavam naquele dia.
O acesso ao areal parece ser difícil e, por isso, mais protegido das grandes multidões de banhistas… digo eu, mas estávamos ainda em abril e faltavam alguns meses para a época alta do Verão. Mas nem imagino como poderá ser esta zona numa época de maior afluência, visto que, apesar da praia estar deserta, o acesso para automóveis já se encontrava praticamente entupido. Por isso, aconselho a quem quiser visitar esta praia que não se aproxime muito de carro e estacione ainda na estrada, percorrendo depois a pé o acesso de terra batida que passa ao longo do topo da colina que envolve a praia. 

Percorrendo esse acesso vamos sendo brindados pelas bonitas imagens da baía que, neste dia e a esta hora, se encontrava completamente vazia e realmente silenciosa... como o nome da praia assim faria prever.
Ao sairmos desta bonita baía tínhamos pela frente toda a região das Astúrias e dos Picos de Europa, que iríamos agora explorar durante os próximos dias.

Das duas principais cidades asturianas escolhemos visitar apenas Oviedo, a capital do Principado, ficando Gijón para uma eventual próxima visita. Mas ainda antes de chegarmos à cidade, fizemos algumas paragens ao longo do Monte Naranco, localizado a cerca de cinco quilómetros do centro da capital asturiana. 

Neste monte encontram-se três referências religiosas bastante interessantes, e que justificam uma breve visita a quem se desloque em viatura própria.


Monte Naranco – Conjunto de relíquias religiosas

Começando por subir o monte até ao ponto mais alto vamos encontrando alguns trilhos para caminhadas e passeios de bicicleta, mas aquela área inclui também uma antiga zona de combate que foi palco de batalhas durante a Guerra Civil espanhola.

Chegando ao topo deparamo-nos com o Monumento al Sagrado Corazón de Jesús, o Cristo-Rei asturiano, que abre os braços sobre a cidade protegendo simbolicamente as suas pessoas. A escultura, em conjunto com o seu pedestal, atinge uma altura de 30m, e foi realizada em 1980 pelos escultores Gerardo Zaragoza e Rafael Rodríguez Urrusti.
Este monte é muito utilizado pelos habitantes da cidade como local de passeio, ou mesmo de peregrinação, para os mais crentes, percorrendo os trilhos que os levam até ao topo, junto ao Sagrado Corazón de Jesús, onde podem fazer as suas orações, ou apenas contemplar a vista ampla que ali se abre sobre a cidade… no dia da nossa visita deparámo-nos com um céu nublado, o que nos impediu de poder desfrutar das melhores paisagens, ainda assim, foi possível distinguir alguns dos marcos desta cidade, como o Palacio de Exposiciones y Congresos Ciudad de Oviedo, ou o estádio do clube local, que atualmente disputa a segunda divisão, mas que, em tempos, fez parte do principal escalão do futebol espanhol.
Ao descermos pelo Monte Naranco vamos depois encontrar outros dois edifícios religiosos antiquíssimos e tivemos de procurar estacionamento por forma a fazer a respetiva visita bem de perto.

Um destes edifícios é a Iglesia de San Miguel de Lillo, declarado como Património da Humanidade, é uma pequena igreja pré-românica dedicada a San Miguel Arcángel, mandada construir no ano 848 pelo rei Ramiro I.

O edifício é muito bonito, sobretudo no seu enquadramento com a envolvente arborizada da montanha. Não pudemos vê-lo por dentro, mas apenas apreciar a sua arquitetura exterior.
Caminhando depois apenas um pouco a partir desta pequena igreja, encontramos um relvado extenso onde se ergue a outra capela, a Igreja de Santa María del Naranco.
O edifício foi mandado construir também no ano 848, pelo rei Ramiro I, e foi mesmo utilizado como palácio real e residência deste monarca. Só mais tarde foi convertido numa igreja e é hoje um interessante monumento arquitetónico, entretanto declarado como Património Mundial pela UNESCO.
A localização destas três obras religiosas, tal como dos vários pontos que iríamos visitar mais tarde no centro da cidade de Oviedo, estão representados no próximo mapa:
 


Oviedo – A cidade das esculturas

Chegados à cidade estacionámos numa das ruas junto à Praza de Espanha e começámos a nossa caminhada entrando no Parque de San Francisco, um imenso jardim densamente arborizado, com fontes, alamedas e também algumas esculturas. Aliás, uma das particularidades da cidade de Oviedo é a existência de várias estátuas de rua, que surgem por todos os lados e representam os personagens mais diversos. 

A primeira destas estátuas foi também aquela que mais gostámos de encontrar, trata-se da Mafalda, a famosíssima personagem contestatária da banda desenhada que conhecemos há décadas, e que estava por ali sentada num dos bancos de jardim, aguardando pela nossa companhia e pronta para pousar para uma foto.

Foi só uma graça, fazer esta pose com uma personagem da literatura de quadradinhos, mas que iríamos depois repetir, logo poucos metros mais à frente, quando nos cruzámos com o grande Woody Allen, também ele representado numa estátua em tamanho natural, e dando a perceber que, afinal, e apesar do talento, ele não será assim tão grande.


Oviedo - Centro da Cidade

Ignorando agora as demais estátuas que iríamos continuar a encontrar, pusemo-nos a caminho pelas ruas da cidade. Primeiro andámos em torno do seu centro mais moderno, com uma arquitetura bastante cuidada, com edifícios clássicos e muito bonitos, que encontramos, por exemplo, na Calle Progreso e na Calle Pelayo, duas das ruas pedonais desta zona do centro.

É no final desta rua, a Calle Pelayo, que encontramos o Teatro Campoamor, que é um ponto de referência dos acontecimentos culturais da cidade e é o local onde é feita a entrega dos conceituados Prémios Príncipe das Astúrias. Trata-se de um conjunto de prémios que são atribuídos anualmente a pessoas, entidades ou organizações de qualquer parte do mundo que tenham alcançado feitos notáveis nas áreas das ciências, humanidades ou na vida pública.
Seguimos depois até à Plaza de la Escandalera continuando rodeados de edifícios lindíssimos.



Mais tarde, no regresso a esta zona mais moderna da cidade, haveríamos de chegar até à Basílica de San Juan el Real, uma igreja católica, mas com traços bizantinos bem visíveis, fazendo lembrar algumas igrejas turcas. Este templo foi construído na segunda década do século XX para substituir a antiga igreja românica com o mesmo nome, entretanto demolida, e que tinha sido erguida no século XI.

A atual basílica tem a fachada revestida com cantarias ornamentais, maioritariamente de cor rosa, e uma enorme janela de três corpos no portal principal, ladeada pelas duas torres onde se encontram os sinos. O conjunto é bastante bonito e muito diferente da imagem padrão das igrejas católicas de Espanha.
Saindo desta zona do centro mais contemporâneo pelo lado da Plaza de la Escandalera, já a caminho da Plaza de El Fontán e da chamada cidade velha, continuamos ainda por algumas ruas com edifícios notáveis, pela sua arquitetura neoclássica, e que conferem a esta cidade uma imagem de requinte, que a diferencia da maioria das cidades espanholas.



Oviedo - Cidade Velha

A imagem destes edifícios de grande porte e arquitetura monumental, vai-se misturando com a das casas mais pequenas e das ruas mais estreitas, que anunciam a chegada à parte velha da cidade. O primeiro ponto de referência desta zona é a Plaza de El Fontán que, por vezes, serve de palco a uma feira, mas não neste dia, em que estava quase vazia e em que as bancas de venda ambulante se encontravam do lado de fora, ao longo das ruas envolventes.

Logo depois atravessamos a rua estreita e animada junto ao Mercado El Fontán, um local de referência da cidade, que se enche todas as manhãs com os habitantes locais, mas também com os turistas que por lá passam.

Ao percorrermos a rua do mercado surge, logo em frente, a silhueta de uma bonita capela, a Iglesia de San Isidoro el Real.

Trata-se de um edifício do século XVII que foi construído para ser um colégio jesuíta, mas, mais tarde, já no século XVIII, como resultado da expulsão dos jesuítas, o edifício transformou-se na atual paróquia de San Isidoro. A igreja é de estilo barroco, em cores de terracota, e com uma única torre do sino que lhe confere um estilo muito particular, diferenciando-se das imagens mais comuns de outras igrejas católicas.

Está localizada na Plaza de la Constitución, ao lado do edifício do Ayuntamiento, também ele bastante bonito, formando um conjunto arquitetónico muito interessante.

Atravessámos depois pelo arco que fica sob a torre do relógio do edifício do Ayuntamento, seguindo pela Calle Cimadevilla, mais uma rua pedonal, que termina no Museo de Bellas Artes de Asturias, junto à Plaza de la Catedral.
A praça da catedral é um espaço amplo, cheia de edifícios históricos, alguns bastante bonitos, e funciona como o principal centro da cidade, onde se concentram sempre muitos turistas que apreciam a fachada fantástica da Catedral de Oviedo, que ocupa um dos lados da praça.
É uma catedral gótica e foi construída em homenagem ao santo San Salvador e é, por isso, designada formalmente como Catedral Metropolitana Basílica de San Salvador. Começou a ser edificada no final do século XIII, mas foi concluída apenas durante a segunda metade do século XVI. A sua fachada é uma preciosidade, sobretudo pela imagem da sua imensa torre, esbelta e terminando em agulha.

A beleza desta fachada é mesmo a maior joia deste local e, por isso, sentimo-nos devidamente preenchidos e nem explorámos o interior da catedral. Contudo, soubemos que ali se encontram importantes elementos arqueológicos e, na chamada Câmara Santa, que foi declarada Património da Humanidade pela UNESCO, guarda-se um tesouro no qual se destacam a Cruz dos Anjos, a Cruz da Vitória, a Caixa das Ágatas e a Arca Sagrada.

De qualquer forma, a relíquia mais importante que ali se encontra guardada é o corpo de Santa Eulália de Mérida, padroeira da cidade de Oviedo, que repousa ali na catedral.
Rodeámos depois a Catedral num passeio pelas ruas do casco velho, atravessando a Plaza Corrada del Obispo, onde encontramos o teatro do Conservatorio Superior de Música e, de seguida, passámos pela Iglesia de Santa María de la Corte e pelo Monasterio de San Pelayo. Todos os edifícios desta zona apresentam o mesmo tipo de traça e quase sempre aquela cor de terracota que domina a cidade velha.


Caminhámos ainda por mais algumas ruas até à Plaza Porlier e, logo depois, chegámos de novo ao Teatro Campoamor, acabando assim esta breve visita ao centro da cidade de Oviedo, uma cidade da qual se regista a beleza singular dos seus edifícios, tanto os de estilo neoclássico que encontramos na zona do centro mais moderno, como aqueles que preenchem as ruas e praças, com aspeto quase medieval, da cidade velha.

No final, ficou a imagem de uma cidade agradável e bastante bonita, sobretudo pela beleza de alguns dos seus principais edifícios e monumentos… não será uma cidade fantástica, nem o local mais bonito do mundo ou com alguma atração espetacular imperdível, mas é certamente muito particular e com uma personalidade muito própria, completamente diferente de qualquer outra cidade espanhola, e isso é algo que deixa a sua marca.


Cangas de Onís

Saindo de Oviedo a caminho dos Picos de Europa chegámos à pequena cidade de Cangas de Onís, localizada no sopé desta cordilheira e que constitui uma das principais bases de apoio para todos quantos visitam esta zona montanhosa, que é um dos principais spots espanhóis para o chamado turismo de natureza.

A cidade não é claramente a maior atração para quem visita os Picos, que procura sobretudo os passeios de aventura em plena montanha e não aquilo que esta cidade poderá oferecer.

Assim, a nossa presença em Cangas de Onís acaba por ser meramente de passagem, mas, ainda assim, não deixamos de desfrutar de algumas das atrações que ali encontramos e também dos restaurantes de comida asturiana, que ali podemos experimentar.

A cidade dispõe-se ao longo de uma rua principal, paralela ao rio Río Güeña, que entronca depois num outro rio mais importante, o Rio Sella, que é atravessado pela principal atração da cidade, a sua Ponte Romana.
A cidade de Cangas de Onís foi mesmo a primeira capital do Reino de Astúrias e esta Ponte Romana é a sua principal referência e um dos símbolos mais representativos de todo o Principado. Apesar do nome da ponte e de ser possível que esta obra já existisse na época da ocupação romana da península, segundo os registos, o mais certo é que a atual Ponte Romana seja, na realidade, da época medieval, possivelmente do final do século XIII.

O seu desenho, estilizado e gracioso, remete à imagem do estilo românico, mas com um arco central muito grande, atravessando o Rio Sella de uma só vez, menos habitual nas pontes da era romana, mas que é o seu traço mais determinante e que dá à ponte a sua imagem de marca. O acesso sobre a ponte é estreito e íngreme e é usado como acesso pedonal, mas atualmente apenas por turistas, porque a ponte rodoviária fica logo ali ao lado e é muito mais fácil de atravessar.

No arco central pende uma reprodução da Cruz da Vitória, uma obra de ourivesaria do início do século X, cujo original está guardado na catedral de Oviedo.

Ao longo da cidade vamos encontrando outros pontos de interesse, como é o caso da Iglesia de Nuestra Señora de la Asunción de Santa María, a principal igreja da cidade, com uma arquitetura bastante interessante.
Encontramos também na cidade o chamado Dolmen y Capilla de la Santa Cruz que corresponde à reconstrução moderna, realizada em 1951, do monumento original, destruído durante a guerra civil espanhola.

A capela original remonta ao final do século VIII e é considerada a primeira igreja cristã construída nas Astúrias após a invasão muçulmana. No interior da sua cripta encontram-se os vestígios de um dólmen, uma sepultura com cerca de 3.000 anos que está ainda bastante bem conservado, e onde são visíveis gravuras e pinturas rupestres daquela época. Não visitámos o interior da capela, ficámo-nos apenas pelo seu exterior, apreciando as fachadas bastante bonitas, apesar da sua antiguidade, admitindo que reproduz fielmente o aspeto da construção original.
O facto desta cidade acolher durante todo o ano uma imensidão de turistas que visitam os Picos, desenvolveu bastante a oferta, quer de hotelaria quer de restauração. Assim, encontramos bastantes restaurantes com esplanadas de rua, que ficam razoavelmente ocupadas, sobretudo ao final da tarde e já à noite, na hora de jantar.

Assim, durante o serão, é normal que os caminhantes, depois de um dia inteiro a explorar as montanhas, façam ainda uns passeios ligeiros pelas ruas mais animadas da cidade, e apreciem também os seus principais monumentos, que se encontram devidamente iluminados, como a Iglesia de Nuestra Señora de la Asunción e, claro, a inevitável Ponte Romana, que à noite nos pareceu ainda mais bonita.




A gastronomia Asturiana

Terminamos a nossa experiência por terras das Astúrias fazendo uma referência à gastronomia local, que experimentámos ao longo dos quatro dias que por lá andámos, mas, principalmente, já nos restaurantes de Cangas de Onís.

Não é que esta gastronomia seja assim tão soberba, mas é diferenciada do que encontramos noutras regiões espanholas, com menos tapas e menos raciones. Aqui existem alguns pratos fortes, fazendo lembrar um pouco a nossa cozinha mais tradicional. E de todas essas opções, refiro-me aqui apenas a uma delas, a chamada Favada Asturiana, que, apesar do nome, não é com favas, mas sim com feijoca (é uma questão de tradução). Trata-se, portanto, de uma feijoada, direi mesmo, uma excelente feijoada, com chouriço, toucinho e morcela fritos à parte… uma coisa leve, já se vê, mas realmente bastante boa. Experimentámos mais do que uma vez, mas a minha favorita foi a do restaurante Los Arcos, no centro de Cangas de Onís.
Uma outra especialidade asturiana é a sidra, uma bebida alcoólica preparada com sumo fermentado de maçã e que é produzida em grande escala nesta região espanhola. Bebemos algumas, por estarmos na região demarcada, mas confesso que não aprecio particularmente, sabe a sumo de maçã meio azedo.

A particularidade desta bebida, que é usada como aperitivo e não tanto à refeição, é toda a mise-en-scène com que é servida, em que o garçon tenta formar um esguicho desde a garrafa, que é segurada a mais de um metro do copo, e tentando assim que o copo fique cheio, mas sem verter… normalmente quem executa este serviço consegue fazê-lo de forma imaculada. Este procedimento serve para introduzir algum gás na bebida e dar-lhe assim alguma vida, caso contrário iria parecer mesmo uma aguada choca com sabor a maçãs estragadas.

Mas o mais comum é trazerem as garrafas de sidra com um equipamento que substitui este efeito, quase como uma torneira de imperial, que confere à bebida a tal textura gasificada.

Termino assim a descrição da visita ao Principado das Astúrias, embora tenha deixado para uma outra crónica deste blog aquilo que realmente nos trouxe a esta zona do Norte de Espanha, e que foi a possibilidade de explorarmos a imensa cordilheira dos Picos de Europa. De qualquer forma, registo que gostámos bastante da cidade de Oviedo, que acabou por ser uma agradável surpresa, e também desta vila de montanha onde provámos alguns pratos da melhor gastronomia asturiana.


Carlos Prestes
Abril de 2022