Ao Norte da costa atlântica espanhola encontramos uma das mais bonitas cidades da Galiza, e que é também a principal província desta região. A cidade da Corunha tem uma série de características que a tornam especial, bem diferenciada da maioria das cidades espanholas. Neste caso a cidade tem uma outra personalidade, tirando partido da sua localização numa pequena península encaixada no mar, e aproveitando uma imensa praia de areia branca que acolhe as águas protegidas pela Enseada de Orzan, uma baía natural que é uma das imagens de marca desta cidade.
Foi exatamente por esta praia e pela imensa avenida marginal que começámos um percurso que nos iria levar a percorrer as zonas mais marcantes desta cidade. Saindo da praia fomos entrando gradualmente no centro histórico, que se desenvolve entre esta baía do lado Norte e uma outra baía a Sul, onde fica o Puerto de La Coruña, e onde encontramos uma marina de recreio e porto de pesca junto a uma outra marginal, esta bem típica e singular, com um conjunto de edifícios que ostentam fachadas envidraçadas, conhecidas localmente como as galerias da cidade.
A nossa caminhada pela cidade seguiu aproximadamente os percursos assinalados neste mapa, onde se identifica também a parte mais a Norte desta península, onde se encontra um dos mais marcantes vestígios históricos da cidade, a Torre de Hércules.
Junto à praia
Voltando à Baía de Orzán, localizada do lado Norte, encontramos a Playa de Riazor e a Playa de Orzán, entre as quais se ergue o chamado Monumento aos Heróis do Orzán.
Trata-se de monumento minimalista que surge na sequência de um episódio trágico ocorrido no Inverno de 2012, e que levou à morte de um jovem de 23 anos e de três polícias, também eles jovens, todos na casa dos 30 anos. Numa noite em que um grupo de estudantes do programa ERASMUS celebrava nesta praia o fim dos exames, antes do regresso aos seus países, um deles, de nacionalidade Eslovaca, aproximou-se da linha da praia e desapareceu no mar escuro. Cinco polícias que se encontravam no local foram entrando no mar para tentar ajudar o jovem e foram sendo também engolidos pelas ondas. No final, acabaram por morrer três desses polícias, para além do jovem estudante.
O monumento que hoje ali se ergue serve como memorial àqueles que perderam a vida para tentar salvar a vida de outros, e serve como um alerta, para que ninguém jamais esqueça o sucedido e ignore os perigos que estas águas traiçoeiras podem provocar.
Mas, nos dias de hoje, se não conhecermos a história dramática que é representada por esta escultura, nem faremos ideia de que aquele mar poderá ser assim tão perigoso, e acabamos apenas por disfrutar das bonitas paisagens que ali nos são oferecidas.
Pelo centro da cidade
No percurso seguinte, começámos na Praça de Pontevedra e atravessámos a parte da cidade que fica entre a praia e a marina, já na baía do lado Sul, por onde vamos encontrando um conjunto de edifícios com uma arquitetura neoclássica, mas também algumas ruas e praças mais modernas.
Já no lado oposto, chegamos aos Jardins de Mendez Nuñez, onde se exibem alguns edifícios monumentais, como o Kiosko Alfonso, hoje em dia uma sala de exposições, e que em tempos foi um cinema, ou o Obelisco, onde começa a rua principal da cidade velha, a Calle Real, e que difere dos muitos obeliscos que encontramos pelo mundo fora, por ter um relógio no seu topo.
Ao longo da marina
Depois da praça do Obelisco e continuando pela Av. da Marina ou variando pela Av. do Porto, atravessamos todo o Parque da Marina na envolvente do porto de recreio e de pesca, uma zona muito bonita e agradável, marcada sobretudo pela presença de um conjunto de edifícios que constituem uma das imagens de referência desta cidade, devido às suas fachadas envidraçadas que são conhecidas por Galerias de la Marina.
Os envidraçados que revestem as fachadas estão fixados em caixilhos brancos que formam pequenos quadrados e conferem à cidade uma identidade distinta das outras cidades espanholas do Norte, com o branco a dominar, em vez das habituais cores escuras dos edifícios antigos.
Aqui, as fachadas irradiam luz e dão a toda a envolvente da marina um brilho e uma imagem singular que jamais encontraremos noutros locais, não só em Espanha como também em qualquer outra cidade por todo o mundo.
Este é um dos principais cartões-postais da Coruña, com a imagem dos barcos de recreio e de pesca que ali repousam e a bonita praça, com zonas verdes, caminhos pedonais e parques infantis, sempre emoldurada pela primeira linha de edifícios com as suas inconfundíveis galerias.
Numa das extremidades da baía que acolhe a marina fica o Miradouro del Parrote, onde encontramos a estátua da Virgen del Carmen, e onde podemos desfrutar de algumas das mais bonitas imagens da cidade. De um lado vê-se a própria marina, em torno das galerias corunhesas e, do lado oposto, a vista sobre o castelo de Santo Antón, uma fortaleza que foi erguida naquela baía durante o século XVI para defesa da cidade e que é hoje o Museu Arqueológico da Corunha.
Na Cidade Velha
Entrámos no Casco Velho vindos do Miradouro del Parrote e passando junto à Igreja de Santiago, uma igreja românica do século XII. Logo depois atravessámos a Praça de Azcárraga até encontrarmos a Colegiada de Santa Maria do Campo, junto ao Museu de Arte Sacra, uma igreja do mesmo estilo e da mesma época da anterior.
Passámos depois pela praça e pelo convento de Santa Bárbara até mudarmos de direção e descermos uma escadaria que nos levou até à Plaza María Pita, a maior e mais importante praça da cidade.
O lado Norte da praça é ocupado pelo Palácio Municipal de La Coruña, um edifício majestoso construído no início do século XX, que acolhe a Câmara Municipal da cidade.
María Pita é uma personagem histórica da Corunha que viveu no século XVI, conhecida pela sua intervenção durante o cerco que os ingleses fizeram a esta cidade. Conta a história que, numa altura em que os ingleses se encontravam em claro domínio e a vencer a batalha de ocupação da cidade, Maria Pita consegue derrubar o soldado inglês que carregava a bandeira, e foi empunhando essa bandeira inglesa, que Maria Pita conseguiu motivar a população para uma luta transcendente, que acabaria por levar à derrota das tropas inglesas e à libertação da cidade da Corunha da ocupação estrangeira.
A memória desta mulher, uma espécie de padeira de Aljubarrota galega, é assinalada com a atribuição do seu nome à maior praça da cidade e com a estátua que a representa empunhando uma lança, que foi erguida nessa mesma praça.
À saída desta praça percorremos as ruas mais importantes da cidade velha, a Rua Riego de Agua, a Rua Galera e a Rua Real, com alguns trechos animados pelo comércio local, e outros ocupados por mesas e cadeiras das esplanadas que ali se formam, onde aproveitámos para parar e provar algumas das tapas e raciones locais que ali são oferecidas. À hora em que percorremos estas ruas a animação estava ainda um pouco fraca, certamente iria aumentar à medida que as lojas reabrissem e que os restaurantes fossem enchendo para os jantares.
Terminámos a visita à cidade velha e íamos agora voltar ao carro e rumar apenas alguns quilómetros para Norte até à pequena península onde iríamos encontrar um dos monumentos de referência desta cidade, a Torre de Hércules.
Torre de Hércules
Na parte Norte da península onde se insere a cidade da Corunha, sobre o mar do chamado Golgo da Biscaia, que se desenha entre o Norte de Espanha e a costa atlântica de França, avistamos, ainda ao longe, uma torre que nos parece ser só mais um farol que se ergue junto ao mar. Um farol bonito, com uma cor amarelada de terra, mas não mais do que isso.
Porém, estávamos enganados, não se trata apenas de mais um farol, dos muitos que protegem a Cuesta de la Muerte galega. A Torre de Hércules é mesmo um dos monumentos mais representativos de toda a Galiza, por ser o único farol romano em todo o mundo que ainda se encontra em funcionamento.
A sua construção remonta ao século II, com o objetivo de ajudar à navegação no período da presença romana na Península Ibérica e é, atualmente, considerado como Património Mundial da UNESCO.
A antiguidade deste monumento leva que se teorize muito sobre a sua história, existindo algumas lendas relacionadas com a sua origem. Uma delas diz que Hércules, o herói da mitologia grega, construiu esta torre como túmulo para o gigante Gerião, que ele iria derrotar. Outra conta que o mítico líder celta Breogán quis construir uma torre tão alta que fosse possível avistar a Irlanda, que havia sido colonizada por ele. Ambas as lendas estão ainda hoje bem presentes, desde logo pelo próprio nome do farol, a Torre de Hércules, mas também pela estátua de Breogán, que encontramos na base do monte onde se ergue o farol.
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Esta pequena península tem ainda outros pontos de interesse, como a Rosa dos Ventos que fica no pavimento ao lado do farol, ou uma imitação de um site arqueológico, já um pouco mais longe, a cerca de um quilómetro para Este, onde encontramos os chamados Menires por la Paz, um conjunto de blocos de granito que representam uma família e que, apesar do seu aspeto ancestral, são, na realidade, esculturas bastante modernas feitas para embelezar esta área junto ao mar.
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Mas uma das principais referências desta península em torno da Torre de Hércules são os pores do Sol míticos e mágicos que dali se avistam diariamente ao entardecer... consta que é assim, porque nós não tínhamos tempo para esperar mais umas horas até que o Sol se pusesse, é sempre assim nestas viagens, pela pressão de cumprir o planeamento. Neste caso, arrependemo-nos mesmo de não termos reservado o resto da tarde, e a própria noite, para ficarmos na cidade, aproveitando um pouco da animação noturna do casco velho e, claro, desfrutando da beleza anunciada do pôr-do-sol sobre as águas deste mar do Golfo da Biscaia.
Carlos Prestes
Abril de 2022