Viajámos pela inevitável Easyjet para Lyon, eu e a família quase toda, porque nas viagens de neve vão sempre, além da Ana, a minha mulher, também três das minhas filhas, a Marta, a Beatriz e a Madalena. Chegámos ao final da tarde ao aeroporto Saint Exupéry, numa homenagem ao aviador e autor desse clássico da literatura infantil, o Principezinho, e alugámos um carro que iríamos utilizar durante toda a viagem.
Partimos para um trajeto até aos Les Trois Vallés, o que nos parecia bastante simples, apenas 170km, quase sempre em autoestrada, mas, na verdade, acabou por se tornar um pouco mais complicado. É que começou a chover e, na fase final da viagem, quando começámos a escalada para a zona das estâncias dos Alpes, a chuva transformou-se num nevão intenso, as estradas foram ficando cobertas de neve, cada vez pior à medida que íamos subindo, e chegámos a temer não conseguir chegar ao nosso destino e ter que recuar até a uma estação de serviço para colocar correntes nos pneus.
Acabou por não ser necessário, mas são circunstâncias que podem acontecer, porque viajar não é sempre um mar de rosas, também vão aparecendo alguns espinhos.
Instalámo-nos em Brides-les-Bains, uma zona termal, com um teleférico direto para Méribel e, a partir daí, teríamos acesso às outras duas estações dos Les Trois Vallées, Courchevel e Val Thorens.
Queríamos passar os próximos três dias a esquiar em cada uma das três estações de ski dos Trois Vallées e, como o dia acordou ainda com queda de neve e só pouco a pouco é que começou a clarear, escolhemos este dia para ficar em Méribel, por ser a estância mais próxima e a menos cotada das três.
Méribel:
A estância de Méribel desenvolve-se no vale central deste conjunto de montanhas e a maior parte das pistas são bastante bonitas por estarem rodeadas de árvores e com chalets por todo o lado.
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À época, era a estação menos famosa das três mas, infelizmente, no final desse mesmo ano de 2013, ficou tristemente célebre devido ao acidente que vitimou Michael Schumacher, deixando o antigo campeão de Fórmula 1, com graves lesões cerebrais.
Quando chegámos às pistas já o tempo estava a ficar limpo e fizemos um dia de adaptação a uma neve fresca, mas mal tratada. A neve que caiu durante a noite não foi batida de manhã o que originou o aparecimento de sulcos e bossas, que tornavam as pistas desconfortáveis.
Não foi uma experiência extraordinária, nada que se comparasse às pistas excelentes dos Pirenéus espanhóis, dos Alpes italianos, ou mesmo de Serra Nevada, que temos experimentado noutros anos. Esta desilusão já me tinha acontecido quando, alguns anos antes, tinha passado uma semana a esquiar num outro destino dos Alpes franceses, em Chamonix, no Monte Branco, e começo agora a admitir que terá a ver com o modelo que os franceses usam na preparação das pistas, não se preocupando com o seu tratamento e deixando toda a gente permanentemente numa espécie de “fora de pista”. Mas, para compensar, as paisagens aqui são bem mais bonitas do que noutras estâncias que temos visitado.
Ainda numa toada crítica, não só relativamente a Méribel, porque as queixas são também extensivas à estância de Courchevel, a maior parte dos meios mecânicos são teleféricos com cabines, em vez das habituais tele-cadeiras. Talvez tenha a vantagem, em caso de dias frios e ventosos, de proteger os esquiadores durante as subidas, mas obriga-nos, ao fim de cada descida, a retirar os skis e carregá-los às costas (não só os nossos, mas os das miúdas) escalando rampas e escadas para uma nova subida. Este pormenor provoca um cansaço que se chega a tornar insuportável... felizmente as paisagens continuavam particularmente bonitas, o que fazia esquecer a fadiga.
Courchevel:
Este segundo dia nos Alpes acordou soalheiro e partimos diretamente para a estação mais chique daquelas três estâncias, Courchevel.
Trata-se uma das estâncias de ski mais famosas, não só em França, mas em todo mundo. É frequentada por celebridades do cinema e do rock, por milionários de todo o mundo, pela realeza europeia e príncipes árabes, por oligarcas russos e, na mesma linha, admito que por muitos traficantes de droga e armas de alta escala. É por isso que detém o estatuto de uma das mais caras estações de ski em todo o mundo, sobretudo pelos restaurantes e hotéis que oferece nos pequenos povoados que vamos cruzando durantes as nossas descidas.
Mas, no nosso caso, esse efeito dos preços altos não se tornou particularmente relevante... tínhamos adquirido o passe de acesso (o chamado forfait) para todas as estações dos Trois Vallée, o nosso hotel era em Bride-les-Bains e não um dos hotéis luxuosos que se encontram nesta estância, e os hambúrgueres com ice tea e coca cola, a meio do dia, num dos restaurantes nas pistas, é sempre caro em qualquer local e não particularmente em Courchevel.
Quanto à qualidade do ski praticado e mantendo a queixa de termos que entrar em cabines de teleférico constantemente, a neve já estava mais ou menos tratada e era possível fazer uma grande quantidade de pistas sempre diferentes e pouco concorridas, ou seja, sem tempos de espera.
As pistas são sobretudo vermelhas, isto é, difíceis, não sendo muito comuns as pistas azuis, ditas fáceis (há apenas alguns espaços de pistas verdes para aprendizagem). Isso não foi um problema porque, até a Martinha, com oito anos naquela altura, se conseguia aventurar facilmente por todo o tipo de pistas, grande parte delas, integradas em paisagens perfeitamente magníficas.
Apesar de ser uma estância já antiga, foi totalmente remodelada para a realização de algumas provas dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1992, sediado em Albertville, a cidade grande desta zona dos Alpes.
Sempre que paramos no alto das montanhas e contemplamos as paisagens imensas dos vales totalmente nevados, com um sol tão brilhante que quase nos cega, experimentamos uma sensação única, que jamais poderíamos viver em qualquer outro ambiente. Para além do prazer do ski enquanto prática desportiva, com picos de adrenalina constantes, há uma sensação de fazermos parte daquelas montanhas, envolvidos por paisagens esplendorosas, sentindo emoções que não conseguimos experimentar de qualquer outra forma. É quase sempre tremendamente compensador, apesar do cansaço, apesar da logística que é sempre necessária, apesar do risco de uma queda e de alguma lesão, a verdade é que todos os anos lá estamos nós outra vez em busca deste bálsamo para o corpo e para o espírito.
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Foi um grande dia de ski, que maravilha é descer uma montanha pelo meio de uma floresta de abetos cobertos de neve, com um sol intenso que nos aquece o corpo e nos bronzeia a cara, sentindo a vertigem da velocidade…
Ao final do dia vivemos sempre uma das partes preferidas, o chamado aprés-ski, que começa logo com o ato de prazer sublime de descalçar as botas. E depois complementamos com uma série de mimos que reservamos para nós próprios, como um chocolate quente numa esplanada ainda aquecida pelos últimos raios do sol, ou um crepe a pingar de chocolate derretido, ou ainda, já mais tarde, um banho de imersão cheio de espuma, para retemperar o corpo do cansaço físico e, por fim, um jantar suficientemente generoso, de forma a compensar um dia inteiro a maçãs e barras energéticas.
Mas antes disso tudo, há ainda a possibilidade de apreciarmos as paisagens do entardecer, tantas vezes ainda mais bonitas do que durante o dia.
Pretendíamos passar este terceiro dia em Val Thorens, mas a manhã acordou sob um imenso nevão... que desilusão. Gostamos muito de neve e de ver nevar, mas quando a intensidade é muita, o ski perde toda a graça, pela falta de visibilidade e porque as pistas ficam cheias de neve fresca, o que não ajuda nada para um ski de qualidade. Este é um dos problemas da montanha, não conseguimos controlar as condições do tempo, é uma lotaria e, normalmente, não há nada a fazer, porque não dá para prolongar a nossa estadia até que o sol regresse.
Neste caso perdemos, não só um dia de ski, mas sobretudo a possibilidade de conhecer uma das estâncias a maior altitude em todos os Alpes franceses, que oferece um ski diferente, tal como as paisagens, que são bem diferentes das duas estâncias mais abaixo.
Com tudo isto, o dano só não foi maior porque, face às previsões meteorológicas, nem adquirimos o for-fait para este dia e assumimos que iríamos passar um dia mais alternativo, aproveitando o ambiente pitoresco das montanhas nevadas, em vez de mais um dias de ski com a adrenalina a mil.
Assim, alterámos os planos iniciais e fizemos um passeio em Bride-les-Bains, enquanto aguardávamos que os limpa-neves tornassem a estrada transitável para umas voltas mais profundas pelas montanhas. É uma pequena cidade termal que adquire um encanto especial quando coberta por um espesso manto de neve, como era o caso daquela manhã.
Mais tarde haveríamos de percorrer algumas estradas de montanha que nos levaram àquelas paisagens que formam o nosso imaginário das aldeias alpinas após um nevão.
Terminámos assim uma experiência de ski numa das estâncias mais conceituadas dos Alpes franceses, mas reconheço que não foi, de todo, o meu destino de neve favorito. Talvez por circunstâncias práticas do estado da neve, mal tratada e muito danificada pelos esquiadores. Também não gostei da existência de pequenos teleféricos, em vez das habituais tele-cadeiras, obrigando-nos a descalçar os esquis e carregá-los às costas antes de cada subida... e nesta altura também carregávamos os das miúdas mais pequenas.
Mas a paisagem é deslumbrante, com as montanhas, com as florestas e os pequenos chalés completamente cobertos de neve, numa imagem de sonho.
Carlos Prestes