quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Entre Ouarzazate e o Deserto


Desde a cidade de Ouarzazate até ao deserto, o chamado deserto de Merzouga, existem dois itinerários alternativos, pelo Norte e pelo Sul, como se mostra no mapa seguinte:
No terceiro dia da nossa viagem seguimos até ao deserto pelo trajeto a Norte, percorrendo quase 400km, e regressámos depois a Ouarzazate, no quinto dia, pelo caminho mais a Sul. Atravessámos zonas com paisagens bem distintas, quase contrastantes, mas oferecendo sempre motivos paisagísticos bastante interessantes. 

Logo à saída de Ouarzazate entrámos no imenso vale do rio Dadès, conhecido como a rota dos mil kasbahs, e que atravessa também o chamado Vale das Rosas. Mas o primeiro desvio que fizemos foi logo um dos mais interessantes deste dia, junto ao oásis de Skoura, a cerca de 50km de Ouarzazate, quando visitámos o Kasbah Amridil, um dos mais bonitos e bem cuidados de todo o país. 

O oásis de Skoura é ocupado por um denso palmeiral que permite a proliferação de várias aldeias, com condições para que os seus habitantes possam praticar alguma agricultura de subsistência, a principal fonte de sustento das famílias berberes destas zonas. 
O oásis é também conhecido pelos diversos kasbahs, sobretudo o mais grandioso, o kasbah de Amridil, um palácio e fortificação construído no século XVII, e que mantém ainda hoje a forma e os detalhes arquitetónicos originais, apesar do material de construção ser o adobe, com argila e palha. A fachada deste kasbah é uma imagem de referência da arquitetura ancestral de Marrocos, e faz parte da ilustração da atual nota de 50 dirhams.

Entrámos no kasbah e fizemos uma visita guiada onde nos explicaram detalhadamente o modo de vida e o funcionamento das famílias neste tipo de edifícios. É uma visita interessante e é a melhor oportunidade para percebermos o modo de vida no interior destes kasbahs. A entrada custa 20 Dh por pessoa, mas temos de pagar à parte cerca de 50 Dh para o guia……mas neste caso o dinheiro foi bem empregue, o guia dominava bem a matéria e era muito engraçado e bem disposto. Entre outras coisas informou-nos, por exemplo, que existiam vários filmes que tinham rodado algumas cenas neste kasbah, que representa bem a imagem de um palácio árabe, atual ou de épocas mais remotas.

Continuámos depois ao longo do curso do rio Dadès e entrámos no chamado Vale das Rosas, mas que nesta época não tem o esplendor que terá mais na primavera quando a paisagem muda de cor com o florescer dos roseirais que ocupam grandes extensões do vale. 

A principal povoação deste vale é a vila de Kelaat-M'Gouna, que utiliza as plantações de rosas, não só como atração turística, mas também como fonte de receita para as populações. Mas nesta altura os campos não estavam floridos e os únicos sinais de rosas que encontrámos, foram nas lojas onde se vendem os vários produtos que são produzidos a partir destas flores, como as águas de colónia, os óleos e até um chá de pétalas de rosa.

Mas mesmo sem a marca paisagística dos roseirais, este vale vai mostrando alguns enquadramentos interessantes, com os kasbahs e as aldeias junto às margens do rio, ainda com vestígios das casas mais antigas, feitas em adobe e já abandonadas, e revelando ao fundo as montanhas nevadas do Atlas.
A maior povoação de todo Vale de Dadès é a cidade de Boumalne Dadès, uma das maiores cidades berberes do país onde é possível observar o dia-a-dia das populações locais sem grande influência da presença de turistas, que alteram sempre as dinâmicas dos locais.

Mais tarde, andes de virarmos para Norte ao longo do vale do rio Todgha, passámos por um dos maiores oásis destas paragens, onde encontrámos a aldeia de Tinghir…..e uma vez mais os contrastes entre os verdes das palmeiras e os vermelhos da terra e das casas…..e sempre um outro contraste entre a antiga aldeia abandonada e a aldeia atual.

Percorremos apenas os primeiros 15km do vale do rio Todgha, com o único objetivo de chegarmos a uma das principais atrações desta zona, as chamadas gargantas do Todgha. Mas pelo caminho fomos ainda surpreendidos por um vale recheado de paisagens lindíssimas, um pouco à imagem da aldeia de Tinghir, que tínhamos deixado para trás, e de novo aquela profusão de contrastes, com as cores.....sempre as cores......a dominarem as nossas sensações. Não resistimos e voltámos a parar…..e fotografámos mais uma vez e ainda mais outra, como se quiséssemos trazer toda aquela beleza connosco.

E lá chegámos às gargantas ou Gorges do Todgha….e foi mais uma pancada que nos deram na cabeça. Não estava à espera…..que local! que coisa magnifica! quase arrepiante…….a sensação de que fomos engolidos por aquele prodígio da natureza…..talvez daí o nome de garganta (do francês gorge). 

Saímos do jeep no início do desfiladeiro e percorremos a pé cerca de 500m junto ao rio, totalmente emparedados por aquelas escarpas rochosas, num vale onde o sol custa a entrar. A sensação é uma espécie de vertigem, mas ao contrário, que talvez se confunda com algum tipo de claustrofobia. Parece estranho, mas foi um bocado isso que senti, um certo formigueiro nas pernas e uma impressão de estarmos a ser esmagados.

Infelizmente não há fotografias que representem convenientemente a grandiosidade daquele local e muito menos as sensações que ali experimentámos.
O curso do rio Todgha ou Todra, formou uma garganta ao atravessar a parte mais a Leste da cordilheira do Atlas. Durante muitos milhares de anos o rio, que recebe as águas dos degelos, foi escavando um desfiladeiro estreito e profundo e com escarpas muito íngremes, ao longo dos últimos 40 km do percurso das águas através das montanhas. 

O troço que visitámos é justamente o mais espetacular, percorremos a margem do rio onde o desfiladeiro fica ainda mais estreito, com as escarpas rochosas praticamente verticais a atingirem os 300m, separadas por uma largura que, em alguns lugares, é de apenas 30 a 50m. 

Este local é bastante popular entre os praticantes de caminhada e sobretudo de escalada. As paredes de rocha apresentam irregularidades que permitem a criação de pistas de escalada fantásticas para os praticantes desta atividade radical.
Fizemos uma paragem para almoço e continuámos os 200km seguintes até Arfoud, a última cidade antes do deserto. Neste percurso atravessámos longos trajetos totalmente desertos, embora sem areia e sem dunas, onde o único sinal de vida eram alguns dromedários que encontrávamos de vez em quando, aparentemente acompanhados por algum pastor.
Nas aldeias e vilas que atravessámos, e que se localizam nos oásis que ocasionalmente se formam, ou junto a linhas de água ou aproveitando a água de nascentes, reparámos na existência de uma comunidade árabe que não tínhamos encontrado desde que atravessámos o Atlas, onde a população passou a ser sobretudo berbere. E estes árabes eram algo especiais, talvez de uma corrente qualquer ou de alguma tribo com uma maior influência saudita…..digo eu. Mas esta particularidade tornava-se bem visível porque as mulheres se vestiam completamente de negro e todas elas com a cara tapada. E até neste pormenor surgiram novos contrastes, e uma vez mais as cores, porque nestas mesmas aldeias, lado a lado com as mulheres árabes, surgiam também as mulheres berberes, de cara destapada e privilegiando as roupas coloridas, algumas delas mesmo com cores berrantes. 

É uma pena, mas não pudemos fotografar este contraste tão particular. Essa é uma das poucas condições que o povo marroquino nos impõe, que não os fotografemos, sobretudo as mulheres…….e nós tentamos respeitar esse pedido.


E finalmente o deserto……conforme nos íamos aproximando ia crescendo a excitação, sobretudo quando começámos a vislumbrar a silhueta das dunas de Erg Chebbi, ainda a vários quilómetros, com aquela cor de um amarelo alaranjado, avivado pelos tons do pôr-do-sol, que faziam pairar uma luz incrível.
Mal chegámos ao hotel, um dos vários que se localizam às portas do deserto, corremos sobre as dunas sem objetivo que não fosse aproveitar aquele momento que poderia ser irrepetível. 

E deixámo-nos depois ficar até que o pôr-do-sol nos envolvesse e que a noite se instalasse, e só aí conseguimos acalmar toda aquela exaltação e parar um pouco.


O dia seguinte era o quarto dia da nossa viagem e era, sem dúvida, o mais esperado, porque iríamos passá-lo inteiramente em torno do deserto, com toda a exaltação que isso nos provocava (ver crónica publicada sobre este dia).


Um dia mais tarde, o quinto da nossa viagem, depois de nos termos despedido das dunas de Erg Chebbi já a meio da manhã, voltámos de novo à estrada, uma vez mais até Ouarzazate, mas agora seguindo o itinerário mais a Sul, representado neste mapa
Este dia e este percurso seriam aparentemente os menos cativantes, era apenas o caminho de volta que tem sempre de ser cumprido em qualquer viagem. Mas acabámos por ser surpreendidos e a paisagem revelou-se bem diferente e bastante interessante. Ainda com longas extensões desertas, apenas com alguns dromedários aqui e ali, mas desta vez com novas tonalidades……sempre as cores…..agora surgiam os negros das planícies e das montanhas da cordilheira do Pequeno Atlas, também chamado de Anti-atlas, que atravessámos durante este percurso.


Tínhamos apenas agendadas duas paragens durante o caminho e a primeira foi feita à hora de almoço na vila de N'Kob. Mais uma povoação berbere que cresceu em torno de um oásis que lhe dá vida, mas esta com a particularidade de ser considerada a terra marroquina com maior concentração de kasbahs, e encontramos mesmo um grande painel pintado que anuncia N'Kob como a vila dos 45 kasbahs.
Parámos para almoçar aproveitando mais um bonito dia de sol e desfrutando de uma vista fantástica sobre o oásis e sobre alguns dos 45 kasbahs que se encontram em melhores condições, porque muitos deles estão já completamente destruídos e muitos outros bastante degradados, como acontecia com a maioria das construções em adobe que tínhamos vindo a encontrar.

Apenas 40km depois entrámos no chamado vale do Draa ou Drá, o maior rio de Marrocos com uma extensão de 1100km. 
Este vale oferece algumas paisagens particularmente bonitas, com densas áreas de palmeirais, devido à abundância da água do rio, e pela existência das montanhas do pequeno Atlas, formando um conjunto paisagístico muito interessante.


No final do vale de Draa, depois da cidade de Agdz, iniciámos a subida para a travessia da cordilheira do pequeno Atlas, o que acabou por nos surpreender uma vez mais, desta vez com uma paisagem inusitada, tão invulgar quanto sublime. 

Uma sucessão de montanhas rochosas, desta vez bem negras, e com as linhas que separam as camadas bem visíveis, como se tivessem sido desenhadas pelas mãos de um escultor exímio, num conjunto que quase nos pareceu uma espécie de paisagem lunar……estranhíssima, mas inesperadamente bela. 
Valeu a pena pararmos para contemplar convenientemente aquele enquadramento inacreditável que nos rodeava, diferente de tudo o que já tínhamos visto, não só em Marrocos, mas pelo mundo fora.
Já a poucos quilómetros de Ouarzazate o nosso driver voltou a fazer um desvio por um trilho de terra batida, desta vez com cerca de 10km, e que nos levou ao último destino deste percurso, o Oásis de Fint.

Um abundante curso de água com as habituais palmeiras, mas que surge aqui enquadrado com uma montanha rochosa, formando um conjunto absolutamente magnifico, sobretudo como o encontrámos, com as bonitas cores do entardecer.
Mais do que um simples oásis, porque passámos por vários e não vimos nenhum como este, o oásis de Fint parece-nos um imenso jardim……um belo e esplendoroso jardim. 

E é inevitável pormo-nos a imaginar as muitas histórias que por ali teriam sido vividas, num local que foi certamente muito cobiçado, não só pelos povos berberes, que por lá viviam, mas também pelos sultões e guerreiros mais poderosos, que não dispensariam o privilégio de dominar um local tão sublime como este. 

E não nos custa ainda imaginar, que terá sido também um lugar privilegiado para as mais bonitas histórias de amor, mas também para as maiores tragédias. E esta imaginação toda já não é só por minha conta, pois não é difícil encontramos cenas de filmes americanos que foram rodadas neste mesmo local…….daí a ideia dos romances e das tragédias. E só como exemplo lembro que foram ali rodadas cenas dos filmes Babel, Príncipe da Pérsia, Reino dos Céus, ou do mais recente, Rainha do Deserto, onde usaram este local como esconderijo de amor para um casal com imenso pedigree, nada mais que a Nicole Kidman e o James Franco. 

Terminámos o dia voltando a Ouarzazate e aproveitando ainda o entardecer num mercado de rua no centro da cidade. Mais tarde voltaríamos ao Riad Dar Rita, da nossa anfitriã Rita Leitão, onde jantámos e dormirmos uma última noite antes do regresso a Marraquexe.